Pois é, minha gente, os anos sessenta e setenta provaram que é perfeita e facilmente possível incentivar a tolerância, a diversidade e a igualdade na raça única, e cheia de biotipos, que é a humanidade terrestre. Não existem raças nesta espécie, ao contrário do que malandros de colarinho branco apregoam.
Há um blog americano sobre quadrinhos antigos... É, para a maioria de vocês eles são antigos. Bem, descobri este blog há poucos meses e esperava uma oportunidade para falar a respeito. A falta de tempo, que me obriga a fazer este um texto compartilhado entre Palavra de Nanael e Talicoisa, agora com cunho mais pop cultural, me deu a chance. Semana que vem trato de assuntos mais espinhosos, mas só no Palavra.
O blog (
este) é Out Of This World, do simpático cidadão conhecido como
KB. Sujeito maduro que decidiu partilhar seu acervo com quem gostar dele.
O movimento começou nos anos cinqüenta, quando ainda se corria o risco de represálias da KKK, a Ku-Kux-Klan, ou cocô-cocô-cocô para quem sabe o que eles têm na cabeça. Na época o apartheid ainda vigorava nos Estados Unidos e a união conjugal entre negros e brancos era crime. A turma do Bush queria perpetuar isto.
O marco mais significativo foi um quadrinho sobre Martin Luther King,
este aqui, de um título que costumava tratar de história social de modo leve, mas inclemente e sem poupar ninguém. Isto encorajou as editoras a meterem a cabeça no assunto e mergulhar na piscina dos quadrinhos de igualdade inteligente. O interessante desses quadrinhos é eles não abordarem o assunto. Sim, eles não consideram em suas páginas, quase sempre, a relação branco-e-negro como um assunto. Fazem sabiamente entender que seria como abordar a relação gente-e-gente. Simplesmente mostram negros e brancos, héteros e homens visivelmente efeminados em situações cotidianas, hora se abraçando, ora querendo torcer o pescoço, como acontece com pessoas normais... Ou quase. Lembremos que foi a época da psicodelia, algumas estorinhas parecem ter saído de um retiro espiritual demasiadamente profundo, ou de uma dose maciça de LSD. Uma boa dose de absurdo faz parte da ficção.
O quadrinho que ilustra o texto saiu de Bunny (
aqui), com a personagem título trabalhando como modelo com sua amiga Marcy, que é negra e costuma invadir o gibi da amiga sem pedir licença, mas deixando ela fazer o mesmo. Pela indumentária vocês podem imaginar o que foram os anos sessenta. Mó barato, aí! O broto papo firme está numa boa com seus camaradinhas, tendo um lero musical com a patota do bar.
O facto de não abordar, de modo politiqueiro, o que deve ser natural e incentivado como tal, permitiu aos roteiristas escreverem tramas leves, fáceis de entender e ricas em entrelinhas, que os mais intelectualizados e os mais sensíveis percebem facilmente, ao passo que os menos intelectualizados e os mais superficiais simplesmente se divertem com o ridículo alheio. Faz parte do espetáculo.
Uma característica da linguagem é a ausência de discursos. Não há diálogos idiotas como "Nós, os afrodescendentes como se não houvesse pardos e brancos na África, estamos conquistando nosso espaço dia a dia na sociedade racista que ainda oprime e reprime, negando a igualdade racial potoca-potoca-potoca..." que hoje são inseridos em qualquer situação, mesmo em cenas de batizados. Não há a subliminar prática racista anti-ariana e negros não são tratados como coitadinhos. Ninguém é coitadinho nestes quadrinhos, que levam a assinatura da longeva Archie Comics (
site oficial), que começou a se mostrar estranha ainda nos anos quarenta e está na activa até hoje. Por falar nele, o site tem uma página de download gratuito e seguro, que já doou mais de dois milhões de arquivos, entre
aqui e se divirta. Eu disse que esses quadrinhos antigos dão de cem a zero nas bobagens politicamente patéticas de hoje.
Desde que o abolicionista Monteiro Lobato (
conheça-o) foi barrado de muitas escolas públicas, acusado de racismo, me desiludi completamente com os órgãos que deveriam ser culturais. Percebi o que há por detrás da decadência veloz que assola a cultura de massas: politicagem. Pessoas com reivindicações legítimas são iludidas por malandros que almejam vôos políticos, incentivadas a extremarem seus discursos e transformadas em massas de manobras. Como resultado a comunicação está cada vez mais artificial e sectarizada, pois é mais um aviso de punição iminente do que entretenimento.
Um exemplo que o Brasil conheceu foi Josie e as Gatinhas (
here), que trabalha muito bem o estilo visto em Bunny and Marcy. Chegou a ter um desenho meio tosco, mas muito divertido, nos anos setenta, reprisado até início dos oitenta. Uma integrante da banda é negra com os devidos cabelos densamente encaracolados, e é um dos cérebros da equipe. Por ser negra? Não, simplesmente porque é um gênio mesmo. O único aparente estereótipo é a baterista loura, avoadinha, coitada! Mas não é burra, simplesmente com um enorme défcite de atenção.
Mas personagens mais antigos também entraram an dança, até antes, como Little Audrey, em um episódio bastante (
este) instrutivo. O personagem negro é o pequenino Tiny, quase um Denis Mitchel careca, que sem querer põe a família com os nervos à flor da pele, e quando quer enlouquece de vez. Não há discursos de "O pequeno afrodescendente está fazendo o mesmo que os brancos fazem, então não deve ser punido". Simplesmente mostra uma criança hiper activa com uma criatividade acima da média pondo até mesmo a terível Audrey em apuros. Imagine mostrar isto a crianças americanas da época. Imaginem os gibis fazerem isto hoje. Alguém seria processado porque personificou Tiny como o pestinha da turma, e não o garoto branco de chapéu, portanto é racista e vamos quebrar tudo! O mundo está ficando burro. Em vez de reverter, estão invertendo as discriminações e dando combustível para os cocô-cocô-cocôs que proliferam por aí.
Títulos com quase todos os personagens (e todos os principais) negros proliferaram na época, como Fatalbert e Fast Willie Jackson, que poderão ver no blog indicado. O que me faz lembrar inclusive de uma propaganda na Cruzeiro, sobre uma cadeira de rodas, onde o sujeito diz, "com licença, tenho pressa", com qualquer homem de begócios a caminho de uma reunião. Não havia espaço para coitados, os políticos ainda não tinham se dado conta disso e não estragavam os enredos. O que vão pensar de mim por este texto não me interessa, até porque já pensam desde que comecei a blogar. Deturpariam tudo o que eu dissesse não importando o que fosse, então que vão os que não gostam porcurar algo útil para fazer.
Quando não metem políticos no meio, as pessoas se entendem.