segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Clarice e Luiza


Faz tempo que desisti de quase tudo o que passa na Globo, por isso fui pego por uma grata surpresa. Trata-se de um quadro retrô, em que uma mulher misteriosa narra e encena um programa de rádio, para as mulheres de meados dos anos sessenta.

Para as feministas mais extremistas, de quem todas as feministas que se prezem querem distância, é um acinte. Tudo é ambientado na época; roupas, cenários simplificados, assuntos tratados e até o vocabulário. Onde já se viu, falar às mães e pretendentes à maternidade? Pois Luiza fala em cena, que também conta com Maria Fernanda Cândido, Alessandra Maestrini e a novata Cintia Dicker.

É tudo muito leve, fluído e sem afetações. Os conselhos são dirigidos àquelas que vestem a carapuça, sem atacar as que não se enquadram. Exibindo as marcas do tempo em seu rosto impecável, sem qualquer uso de corretivos digitais ou qualquer outra deselegância "moderna", a diva pantaneira empresta sua classe e elegância a um texto que é, por si, repleto de charme e feminilidade.

A própria abertura do quadro é um espetáculo, com fundo musical e cenário de época, inclusive uma antiga câmera de televisão e um microphone bi-trapezoidal cromado, que recebem uma escultural dama em um tailleur vermelho.

Os tópicos, os leitores podem deduzir. Moda, comportamento, filhos, família, trabalho, saúde, beleza e miudezas do dia a dia. Algo que parece muito banal aos viciados em engajamento e lutas, que na verdade estão é fugindo de suas próprias vidas, mas que fazem toda a diferença no núcleo familiar.

Muitos hão de se discordar do tipo de abordagem, pois remete a uma época em que uma mulher não conseguia trabalhar fora sem a permissão do marido. Sim, leitores, nós já tivemos essa mazela, até 1962. Entretanto, deve-se ouvir e ver de coração desarmado os conselhos e argumentos, que sem nossos julgamentos conseguem se encaixar perfeitamente nos dramas cotidianos.

Isso, claro, sem contar a beleza plástica do quadro, que é tão deslumbrante quanto suas apresentadoras. Elas, aliás, fogem à moda deprimente da emissora, que estragou o excelente Auto Esporte e o transformou em "Celebridades que gostam de carros". Aparecem nas cenas como intérpretes mudas, como se a voz doce e maternal de Maria Fernanda fosse de cada uma. Ou seja, elas se colocam como uma peça, não como "Celebridade fazendo bico no programa".

Quando já ia me perguntando de onde a Globo tinha tirado um escritor tão talentoso, com uma linguagem tão rica e compacta ao mesmo tempo, eis que o estilo e uma rápida pesquisa esclarecem minha dúvida. Eles não encontraram, não há nenhum escritor de talento raro e adorável na nova safra da televisão. A autora é Clarice Lispector. O quadro é baseado em conselhos femininos que ela publicava em jornais, nos anos 1950 e 1960, sob o pseudônimo de Helen Palmer, a narradora misteriosa.

Sinceramente, o quadro Correio Feminino, com o cabedal de Clarice e a maravilhosa Luiza e sua trupe de ladies, poderia substituir facilmente um programa que já deu o que tinha que dar há muito tempo.


3 comentários:

Adriane Schroeder disse...

Nada que é bom dura muito na Glóbulo...

Nanael Soubaim disse...

Por isso o povo ataca o buffet antes de cantar os parabéns.

Cristiano disse...

Auto esporte já foi um programa sobre carro... hj realmente é de celebridade e seus carros. Gosto do concorrente do SBT, começa 30 min. mais cedo que o da globo.

Sobre o quadro acho que o texto era excepcional para época e hoje e só legal.