segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O último natal dos Tanner

Ele desce com dificuldades, com a mão na cabeça e jurando que ainda vai colocar um elevador na casa.
Talvez fosse mais fácil comprar uma casa pequena, de um só pavimento, mas sempre se esquece disso. Além do quê, sempre moraram lá, criaram os dois filhos naquela casa; os filhos e um alienígena. A encontra na varanda da frente, devidamente agasalhada, a admirar a velha Caprice wagon 1995, o último carro que compraram...

- Kate, que dia é hoje?
- É quarta-feira, Willie.
- Não tínhamos um compromisso para hoje?
- Eu creio que não, por que?
- Eu tenho certeza de que havia algo para fazer hoje, algo muito importante!

Ela pensa por alguns minutos, mas desiste, não se lembra de absolutamente nada marcado para o dia de hoje. Ele se cala e se senta também, no banco de balanço, suspenso por correntes. Fazia anos que não se sentavam juntos naquele banco, desde que Lynn voltou com o marido e os dois filhos, de férias, mas foi só uma semana, logo retornaram para Viena e nunca mais puseram os pés nos Estados Unidos.

Brian simplesmente desapareceu. Foi tentar a sorte no Brasil e nunca mais se teve notícias dele, desde que mandou um cartão de natal da Cidade do México. A casa ficou grande, muito grande. Pararam de viajar, de ir ao supermercado, até os passeios pelo bairro se tornaram raros, desde que Trevor e Raquel morreram nos atentados de onze de Setembro.

Willie insiste novamente...

- Vamos ver... O que estávamos fazendo no ano passado, nesta época?
- Eu estava no hospítal.
- Como?? Eu não me lembro disso!
- Porque você teve um AVC, querido. Passou quase um mês inteiro internado. Eu estava cuidando de você.

Ele puxa pela memória e se lembra de algo, de a visão se turvar e de perder o controle dos músculos. Depois disso, só se lembra de nunca mais ter andado de bicicleta. Se lembra também que nunca mais comeu chocolate, perdeu parte do paladar no episódio...

- Kate, lembra do Alf?
- Como não lembrar, Willie?
- Por que ele foi embora?
- Não se lembra?
- Não... Estou com saudades dele.
- A polícia do planeta dele veio buscá-lo.
- Por que? O que ele fez?
- Fugiu do casamento!
- Ele tinha uma noiva??? E por que ela não podia ter vindo morar com a gente?
- Você está louco??? Como iríamos ocultar a existência de dois alienígenas comedores de gatos? Ainda mais depois de criarem, eles tinham prometido doze filhos para suas famílias!

Ele fica cabisbaixo. Pouco resta do pouco cabelo que tinha, quando os filhos e o alienígena enchiam a casa. Casa grande, onde esperavam receber a visita dos netos, na velhice. A onda de revival oitentista só fez aumentar a amargura do velho Tanner. Ela também não se sente melhor, envelheceu muito rapidamente desde que Alf foi capturado, e os filhos começaram a perder o interesse na vida em família. Se faz de forte porque tem um marido doente que depende de si, mas seria capaz de se mudar para uma fazenda, se isso trouxesse os filhos e o alien de volta, mesmo com sua prole gigantesca. Se lembra quando olhava para o espelho e se achava linda, quando os amigos da filha chegavam a pensar que fosse sua irmã mais velha, hoje se acha horrorosa, não importa o quanto os outros digam o contrário.

Voltam para dentro, que está escurecendo e a neve voltou a cair. Tomam uma sopa rala, de propósito meramente nutritivo, então vão dormir. Ela o abraça, contendo o choro, mas não as lágrimas. Aos poucos a respiração dele enfraquece até que se extingue. Então ela chora com vontade, abraçada ao corpo do marido. Poucas horas depois ela o segue. Na manhã de natal Lynn recebe, em Viena, o e-mail do seguro comunicando o falecimento de seus pais. Brian jamais foi encontrado.