sábado, 31 de maio de 2014

Mädchen in Uniform

   Há muitos filmes que mereceriam uma releitura de Hollywood, a maioria deles eu gostaria muito de ver em uma, mas há um que merece e eu espero que jamais ganhe. Explicarei, é só um minutinho e já lhes digo.

  Mädchen in Uniform, que em português literal seria "senhoritas no uniforme", é um drama alemão escrito por Christa Winsloe (aqui) e filmado pela primeira vez em 1931, baseado na bem sucedida peça "Gestern und heute", ou "ontem e hoje" em tradução literal. Sua característica mais marcante é ter o elenco todo feminino, não se vê um homem durante todo o filme. Essa primeira versão utilizou grande parte do elenco do teatro e filmado no orfanato militar de Postdam.

  A trama se passa no fim da bélle époque, conta a história da adolescente órfã Manuela von Meinhards, que perdera a família recentemente e é encaminhada ao orfanato, onde conhece a professora conhecida na trama por Governer Fräulein von Bernburg. Era um orfanato militar do início do século passado, as formalidades eram sim realmente necessárias à época. Quem quiser voltar no tempo e mostra-lhes métodos melhores, sinta-se à vontade. O primeiro elenco tem Hertha Thiele (aqui) como Manuela e Dorothea Wieck (aqui) como Fräulein Elisabeth von Bernburg.

  O enredo foge muito aos dramas esperados de um filme sobre orfanatos. O que temos aqui não é uma garota rebelde que quer se livrar das amarras formalistas de uma época repressora, bla-bla, bla-bla e bla-bla. Manuela é uma garota muito bem ajustada, obrigado, seu único sofrimento até então é mesmo a perda da família. O enredo trata de lesbianismo. Muito diferente do que alguns de vocês estão pensando e pelo que já começam a suar, não é nem de longe um filme erótico, não há sequer uma cena de intimidade sexual. Há carinho, algumas carícias leves, abraços longos, mas não o que muita gente esperaria de uma trama assim. A certa altura Manuela beija Fräulein, mas para os onanistas é a coisa mais sem graça do mundo.

  Devido ao trauma súbito e recente, a professora passa a dar atenções especiais à nova interna. O que normalmente a transformaria em uma mãe substituta para a aluna, acaba despertando a paixão dela. Trata-se de uma professora experiente, mas relativamente jovem e muito bonita, que certamente desperta a atenção masculina quando sai à cidade. Bem, o homossexualismo não era novidade na Europa da época, só era velado, mas nesta condição chegou a ser bastante tolerado pela maioria; embora um casamento nos moldes tradicionais continuasse nos planos sociais, enfim. Com o tempo e a resistência da professora, a moça tímida e aplicada passa a ter os arroubos costumeiros da adolescência. Em uma peça teatral dentro do orfanato, vestida de garoto do fim da idade média, Manuela se vale do papel, fura o roteiro e se declara publicamente à professora, sendo repreendida com dureza compreensível para a época, pela duquesa que comanda o orfanato. Claro que Hitler não gostou e esta foi uma das obras proscritas pelo nazismo.

  Manuela chega a tentar se matar, se atirando da escadaria. O orfanato é um prédio bem alto para a época. Isso fez a directora rever seus métodos, mas causou a renúncia da professora e... Não contarei o filme, ele está disponível para baixar e até algumas locadoras têm as duas versões mais famosas. A segunda versão foi filmada em 1958. Manuela é interpretada pela maravilhosa Romy Schneider (uma boa biographia aqui e uma aqui), Lilli Palmer (aqui) fez Elisabeth. Com o cinema falado, a expressividade vocal e a modulação da própria voz passaram a fazer parte do filme, e Romy emprestou uma doçura rebelde muito grande à Manuela. Ela foi mais melancólica do que Hertha, mas por isso mesmo até um pouco mais agressiva na demonstração de uma paixão proibida naquele ambiente de disciplina severa.

  O filme mostra a realidade nua, mas sem qualquer apelação. Tudo é contado de forma muito gentil, às vezes tempestuosa, mas muito gentil. Mesmo na versão de 1958, quando já era normal fazer alusão clara a relações sexuais, quando não insinuadas abertamente, o filme se preserva de excitações que distrairiam a atenção do público de sua mensagem central. Não há mais rebeldias do que as necessárias, não há mais intimidades do que as necessárias à trama, não há sequer um discurso explícito e politizado para colocar tudo a perder. Tudo, exceto a beleza da obra, está dentro do absolutamente necessário. E a segunda versão tem mais beleza por quadro do que as últimas bombas do cinema têm todas juntas em sua íntegra.

  Por que não quero que façam um remake? Porque os productoers de hoje dificilmente saberiam respeitar a obra. Hoje sequer se cogita a sutileza com que as duas versões trataram a paixão arrebatadora entre aluna e professora. Hoje se quer simplesmente chocar, como se as aves fossem a solução para os problemas mundiais. Bem, vou contar-lhes uma história triste e bela, a melhor forma de fazer um cabeça-dura ter certeza de que tem razão, é bater de frente com ele, ou chocá-lo pura e simplesmente. Eu sou um cabeça-dura assumido, sei do que estou falando.

  Dificilmente um director vai aceitar que tudo fique em um beijo roubado, que as carícias não adentrem nos vestidos e que não haja um homem sorrateiro que não existe no livro. Vai querer transformar o filme ou em uma tragédia desnecessária, ou em um lesbo-pornô desnecessário. Por isso, até que os factos e os parâmetros provem o contrário, prefiro que não haja refilmagens.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Sabe de nada, inocente!

Semana passada (depois de muito tempo) eu conversei um pouquinho com a Debs (saudades) e um dos assuntos (não tinha como passar batido) foi a nova onda de sucesso do Cumpádi Uó: agradecerei eternamente ao bomnegócio.com por dar uma oportunidade de renascimento para o muso!
A ideia de fazer um texto sobre isso foi da Debs, espero que ela leia a minha homenagem ao sucesso do divo. 
É muito bom passar na Av. Bonocô e ver um outdoor estampado com a cara do ordináááááário: de um lado temos o mítico metrô de Salvador e do outro temos aquele rosto de tamanha beleza e siacabância! E ainda tem que ache aquela avenida feia: sabe de nada, inocente! Cumpádi Uó dignifica qualquer lugar!

Brilhe eternamente, ordináááário!

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Uma cobrinha salvando nossa honra


Fonte: TV Conectados

  A capacidade que os teledramaturgos têm para fazerem dos vilões personagens muito mais interessantes do que os mocinhos, a ponto de o público torcer por eles, já é antiga. Desde fins dos anos oitenta que eles fazem o público desejar uma morte lenta e dolorosa para os mocinhos.

  Não é para menos, eles recebem as piores falas, as cenas mais idiotas, aquelas caras de vítimas inocentes que quase pedem um tapa na cara, e parecem ser o depósito de lixo dos defeitos mais íntimos de seus autores. Só são os mocinhos porque a trama diz que são, porque muitas vezes são absolutamente dispensáveis.

  A última novela do horário nobre, como se tornou tradição, é uma coleção de motivos para odiar o mocinho, ou no caso, a Helena da vez. Para quem nunca veio para Goiânia, aviso que o que aquela novela imbecil mostra só existe na cabeça oca do autor. Goianos patetas como aqueles seriam automaticamente os bestas de qualquer roda de conversa nesta metrópole, que já engoliu algumas cidades do entorno e tem todos os problemas de qualquer outra, inclusive o facto de que não existe um goianiense que todo mundo conheça.

  Goiano tem algumas coisas a ver com o texano, para o bem e para o mal. Além da mania de querer tudo grande e em grande quantidade. Goiano é romântico, sim, mas não é meloso. Goiano tem um "R" gutural e arrastado, não fala chiando, isso é coisa de carioca. Goiano parece tranqüilo, a primeira vista, mas tem pavio curto com gente fresca. Está com frescura para ir ter com aquela pessoa que te interessou? Vire as costas e o goiano te dá um chute na bunda, para deixares de fazer doce e ir logo ao que interessa.

  São apenas os erros mais elementares que gente que nunca saiu do litoral comete, ao tentar falar do interior do país. Acha que ter um milhão de habitantes a menos do que as suas cidades já torna qualquer lugar um rincão tranqüilo e alheio ao resto do mundo. Como parece ser a regra, gente que tem um fascínio incontido por um mau-caráter.

  Em meio a tantos personagens tão verossímeis e quase tão divertidos quanto acertar o joelho na própria nuca, uma geminiana paulista faz a única goiana verossímil e interessante. Inicialmente parecia ser uma personagem fútil e perversa, mas está fazendo um bem imenso a uma novela idiota, fazendo os personagens de água e sal que seriam os protagonistas ficarem ainda mais bobos. Se recebesse um pouco de atenção, se tornaria uma filial brasileira da Paola Bracho.
Vai fundo, minha aprendiz de desprezo!

  Não, eu não sou do fã clube de Viviane Pasmanter, sou um apreciador do que é bom. Após tantos anos tendo seu aspecto jovial explorado para fazer lolitas malvadas, mesmo já adulta, a mulher agora faz uma mãe de adolescentes, que cuida (mesmo que de modo belicoso) do pai senil a quem parece ter puxado sua personalidade escorpiana e debochada, e tem uma cobra como bicho de estimação. Aliás, ela educa seus rebentos muito melhor do que as outras mães da novela, aquelas bananas. O que ela faz para viver eu não sei, esses autores não parecem gostar do trabalho diário e deixam isso claro no pouco espaço que dão ao ambiente laboral.

  Não bastasse ser bonita, Viviane emprega muito bem sua carinha de desconfiada profissional à personagem, destacando-a ainda mais de gente que parece olhar para o nada o tempo todo. Uma personagem que deveria ser antipática e totalmente nociva na trama, passou a ser a única com os pés no chão, com emoções minimamente maduras e coerentes. Como foi criada para ser má, a personagem acaba recebendo uma atenção bem mais carinhosa da direção, não só do autor. Mas como os personagens sempre se desvirtuam no decorrer da trama, ela deixou de ser essencialmente uma vilã, agora tem seus momentos de maldade, mas é uma maldade absolutamente necessária para puxar os outros para a realidade.

  Ela tem expressividade, não faz a mesma cara do início ao fim do capítulo, como se fosse um manequim de vitrine, o que até faz bem para a actriz, porque mostra que aquela carinha bonita não se segura às custas de toxina botulínica. Sabem aquelas pessoas que há muito já trocaram o pancake pela argamassa, para disfarçar rugas e flacidez? É esse tipo que vira personagem de novela, mas Viviane tem conseguido fugir dessa armadilha. Não é só arreganhar boca e estufar os olhos, é dar vida à expressão, e dar vida à expressão inevitavelmente faz as marcas e rugas aparecerem, mesmo que elas sumam depois. Gente de verdade tem marcas de expressão, ainda que elas só apareçam quando a expressão está em uso. Até a Barbie da animação digital já exibe algumas, quando exagera na expressão!

  Até agora a menina malvada tem sido a única goiana do elenco que me faz reconhecê-la como tal. Ainda não a vi preparando arroz com pequi, frango e guariroba, ela é rica, tem quem faça isso por si, mas a brejeirice espontânea dela não faz apenas parecer uma goiana autêntica, faz os outros parecerem ainda mais falsos. Não conheço a actriz, mas deve ter uma personalidade muito forte, para não ter sido contaminada com as neuras do autor, que até agora tem demonstrado um desconhecimento de causa muito grande; como praticamente TODOS os seus colegas. Desperdiçar o talento da Julia Lemmertz já deve ter sido o suficiente para ele.