sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LXX

    Os picaretas nossos de cada dia, afastai-os hoje. A estação 70 inicia a década com irritações que nada acrescentam, mas são profícuas de então em diante. Conte até mil e embarque, o trem vai partir.


Assim que o último sai, resmungando, Patrícia fecha a porta e se vira para os amigos (...) suspira e volta à sua cadeira. Perder um patrocínio não é problema, há outros na fila, reporão fácil, o problema é a motivação de terem perdido...

- Ângela, nós estamos em reunião reservada, não queremos ser incomodados. Você já conhece as exceções. Estão apelando com a gente.

- Mas é claro que estão – diz Ronald. Eu não vou me fingir de amigo de um marginal comunista, que assume ser racista anti-brancos, assassino de policiais, só porque é negro e pegaria politicamente bem eu aparecer com ele em um programa idiota!

- Racista e hipócrita – completa Rebeca. Ele tá comendo todas as artistas brancas que querem um atalho pra fama. Porra, a gente não pode mais assumir que gosta ou não gosta das coisas?

- Fazer sala para idiotas, posar nuas, participar de comerciais apelativos, ajudar a enfiar porcaria para as crianças comerem e agora dar beijinho na mão do Fidel Castro – lista Renata. Só faltou chamarem a gente pro teste do sofá!

- E se a gente cedesse, depois iriam nos fazer ceder mais – diz Patrícia. Melhor nem experimentar esse entorpecente midiático.

Fazem alguns minutos de silêncio (...) O assédio de marqueteiros picaretas foi muito intenso, desde que a neve deixou os anos setenta começarem de facto. Eles fizeram questão de se misturarem aos contactos sérios, para dificultar a triagem dos seis. Robert quebra o silêncio, se lembrando de algo que será bom para eles e para a banda...

- Mas também temos uma coisa legal pela frente. Vamos confirmar essa participação no Muppets Show?

- Woohoooo!

Rebeca resume o que os outros pensam a respeito. Conversam sobre a participação no programa e o público que atingirão com isso (...) Saem meia hora depois, atendendo fãs que os esperavam na antessala do escritório. Vão (...) tratar pessoalmente com Josephine a respeito, e já com rascunhos de idéias para comemorar os dez anos de carreira da banda (...) querem algo bem feito e bem planejado. Entram na van e seguem para a casa da diva reclusa.

Enquanto isso, em Sunshadow, Nancy termina de passar o aspirador no quarto que foi de Patrícia... Foi, mas continua sendo, sempre que precisa ela está lá. Há algumas peças no armário (...) Pega uma minissaia preta com grandes rosas vermelhas estampadas (...) Se olha no espelho segurando a peça na posição. Sobra muito do vestido médio, amarelo intenso, para baixo da saia, que mesmo assim fica nela muito maior do que na filha, ainda assim bem curta. É uma das que Patrícia só usa dentro de casa, mas nela fica perfeitamente prática para um passeio. Volta a se assegurar de que ninguém está por perto, tira o vestido, põe uma das regatas pretas da filha e veste a saia. Nunca usou algo tão curto nem em sua adolescência.

Deborah entra silente e compenetrada (...) Sobe para procurar a cunhada e a vê no quarto da sobrinha, com as pernas totalmente de fora. Admira atônita, pois nunca a viu (...) se admirando ao espelho daquele jeito. Reconhece, ela tem o que admirar, seu irmão teve trabalho com pretendentes de fora. Todos aqueles comerciais fajutos de mulheres casadas, bem tratadas e felizes, ganham veracidade na pessoa de sua cunhada e amiga de travessuras na infância. Nancy dá uma requebradinha, vira o corpo para os lados, depois para trás sempre mirando o espelho, só vendo a cunhada quando endireita a cabeça. Arregala os olhos, dá um grito e se cobre com uma toalha...

- Debby!

- Oh, desculpe... O que você está fazendo?

- Nada... Só estava passando o aspirador no armário da Patty...

- Nancy! Está envergonhada? Ah, não, deixe disso... Tire essa toalha.

- Não... Só depois que eu colocar o vestido... Minhas pernas estão nuas! Isto é roupa de meninas!

- I can’t believe... Vem cá...

Senta-se com ela na cama, alisa seu queixo e a acolhe com o ombro. Procura se lembrar de como conversavam sobre constrangimentos (...) naquela época não havia muita conversa a respeito, uma simplesmente empurrava a outra e pronto. Ela pega a mão direita da cunhada e passa pela sua cintura, como se fosse apenas pedir um abraço, então aperta o abraço e puxa a toalha, causando um choque...

- Ok, vamos voltar às aulas da Senhorita Marshall... Por traumático que seja... O que está envergonhando tanto a você, que nunca se importou com isso?

- Eu já estou velha pra isso, Debby!

- Que desculpa esfarrapada! Não venha me dizer que é por causa do Ritchie, porque não é! Você estava gostando do que via ao espelho, por que travou?

- Você não me acha velha pra usar isto?

- Ainda que a argumentação não fosse furada, não, você não seria velha para usar isso. Será que essa história de “Mother Bear” está te fazendo se sentir mais velha, Mamãe Brotinho? Venha comigo. Vamos falar com o Ritchie, ele está na casa da Patty, não está?

Acompanha (...) mas assim que abre a porta da sala e sente o vento bater nas coxas, sapateia, pula para trás e se fecha. Deborah entra logo atrás...

- NÂO! Não... Eu não posso sair assim!

- Se você se desse conta do quanto essa combinação te deixa com cara de irmã da Patty! Põe um vestido em cima e vamos falar com ele.

Patrícia e os outros terminam a visita à diva. Sucessora natural de Grant, ela sentiu os ombros pesarem (...) Os seis voam para Sunshadow (...) com a participação entre os bonecos confirmada, só restando definir o programa. Chegam ao aeroporto em expansão, quando Deborah consegue levar Nancy à casa da filha. Richard está em uma reunião com agentes, o que dará prazo para Patrícia chegar a tempo de ver a mãe em seu dilema.

Os seis chegam, pensando em uma taça de sorvete com vinho branco, e vêem Mamãe Urso em um vestido bem longo, abotoado dos pés até o pescoço, ao lado de sua massagista oficial (...) Deborah não faz, como nunca fez quando eram colegas, questão alguma de economizar detalhes do drama...

- Aquela preta com rosas que eu mesma pintei?

- Aquela mesma, sobrinha.

- Mommy, deixe a gente ver!

- No...

- Why? Enzo, feche as cortinas da frente... thanks. So, show-us, mom...

- Ok... Mas não vão rir do meu ridículo...

- Que ridículo, mocinha?! Anda, antes que eu mesma arranque esse vestido!

Ela desabotoa (...) rápido o bastante para Deborah não cumprir a promessa de desabotoar ela mesma. Patrícia se aproxima, vendo-a livrar-se da longa peça. A reação das moças vem em forma de gritinhos e ataques de fofura. Ela é cercada de afagos e carregada até o piano, sobre o qual a sentam, com todos os paparicos a que tem direito...

- Às vezes me esqueço de que você era muito jovem, quando eu nasci! Está parecendo minha irmã! Papai já viu isso?

- Vi o quê... Oh...

- Gostou, Ritchie?

- Vou responder a essa pergunta lá em cima, na suíte.

Carrega a esposa nos braços em disparada, deixando a sala em festa (...) os dois descem com a felicidade estampada nos rostos, e Nancy bem menos inibida, até que arregala os olhos e volta a subir desesperada. Tinha se esquecido da calcinha (...) Ela volta rubra, mas tem os mimos e o amor que cultivou em seu amparo, carregada nos braços escada abaixo (...) Hoje os papéis se invertem, até certo ponto, inclusive com a filha mais velha.

&

Josephine ouve com atenção os relatórios de três agentes. O facto de tudo aquilo já estar previsto, não torna os acontecimentos menos assustadores. Tem aparecido menos no cinema (...) com a ausência de Grant. Gostaria muito que ele estivesse lá, mas sabe que precisa tomar algumas decisões sozinha...

- Brain estava certo, as baterias de chumbo nunca darão conta do serviço! Toquem as pesquisas dos capacitores, mas precisaremos de baterias químicas decentes, até eles ficarem prontos.

Liga para Richard, dá a situação e ele prepara um calhamaço do que já tem em suas pesquisas. Apenas dá a triste notícia de que nenhuma delas estará pronta antes dos anos noventa (...) pede em tom sério que chame Patrícia, quer falar de Renata. Há um grupo de parlamentares no Brasil que quer suprimir seu gentílico e proibir sua entrada no país, alegando o forte teor subversivo das letras da banda, o que também motivaria a proibição da venda, execução ou mesmo de qualquer cidadão cantarolar suas obras; o mesmo grupo que colocou a polícia em pé de guerra, para prender Sófocles... pelos mesmos motivos. O que poderia ser uma piada, só faz densificar o ambiente...

- E pensar que nós apoiamos esses anencefálicos... Deixe comigo, terei uma palavrinha com eles. Você conta pra ela?

- Conto, mas tive uma idéia. Vamos fazer uma promoção no Brasil, sortearemos um casal para passar uma semana conosco, em Sunshadow, contra-atacaremos com nossa popularidade. É com essa idéia que vamos contar à Rê. E confirme nossa participação no Muppets Show, os outros gostaram da proposta de roteiro...

- Princess?

- Nada, Star, só um lapso de saudosismo... De novo. Começaremos a fazer nossa parte imediatamente, mandarei o relatório assim que tivermos algum resultado.

- Patrícia! De novo essa cara de mártir?? Chérie, nós vamos conversar pessoalmente. Encerrando a pauta da organização... Eu vou providenciar o concurso, mas quero você apta a receber esses brasileiros. Ritchie, leve-a para o sofá e faça-lhe algumas cócegas.

- Você está praticando clarividência? Vamos, mocinha, temos rugas para desfazer.

Desliga e a carrega como se fosse uma criança, senta-se com ela nos braços em uma poltrona e começa a ninar. O respeito mútuo cultivado desde a mais tenra idade permite que ele se dê essa liberdade (...) quando o comum é os garotos rejeitarem com rispidez a autoridade paterna (...) e todos acharem normal. Mas não Patrícia (...), por mais tresloucados que pareçam no momento; cumplicidade entre os dois, agora, é bem mais do que o amor mútuo que nutrem. Os dois, após as rugas se desfazerem, com ela ainda no colo e balançando cabeça, braços e as pernas, cantam uma musiquinha estranha, que há mais de dez anos não cantavam...

- Daddy, daddy, daddy! Daddy, daddy, daddy, daddy!

- Patty, Patty, Patty! Patty, Patty, Patty, Patty!

Cantam como dois debiloides, felizes, tal qual na época em que Patrícia nem fazia idéia do que queria da vida, além ficar abraçada aos dois ao mesmo tempo e o tempo todo. Ficam nessa cantarola até Renata aparecer e perplexa cair na risada...

- Ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra...

- Oi, Rê! Que bom que você está de bom humor, porque temos uma coisa pra te contar.

Os dois se levantam (...) e contam o que ela precisa saber. Ela junta as mãos, põe diante da boca e caminha (...) até o órgão eléctrico. Senta-se na banqueta enrola sua cabeleira encaracolada e suspira...

- É barra! Mas eu não posso dizer que já não esperava por isso.

- Mas a gente já está contra-atacando. Saca só...

O rosto da psicóloga volta a se acender aos poucos (...) ela volta a ser a moça agitada e serelepe, ainda mais com Richard assegurando que terá uma conversa séria com o fulano que propôs a ação. Elas saem para contar aos outros e Richard liga para Josephine (...) Agora liga para o Brasil.

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