sábado, 10 de agosto de 2013

A Ilha da Fantasia - psicologia aplicada ao extremo




Parece título de filme pornô, mas não é. Trata-se de uma série que fez muito sucesso de 1978 a 1984, e foi muito reprisada nos anos seguintes. Uma versão de 1998 durou meia temporada... E ainda dizem que os oitenta é que foram a década perdida! A série verdadeira teve seis temporadas com 157 episódios de uma hora cada, produzidos pela ABC. e todo mundo ficava grudado no sofá, para ver uma hora de entretenimento com inteligência bem acima da média, na época; hoje seria considerado altamente intelectual.

Funciona assim: O cidadão se inscreve para viver suas fantasias por um dia, ou seja lá quanto tempo, nunca ficou claro. A organização investiga sua vida e trata de, caso seja selecionado, fazer com que a vivência desta fantasia lhe sirva de ajuda psicológica. Parece divertido? Não para o hóspede da ilha.

Os participantes eram recepcionados pelo anfitrião Senhor Roarke (Ricardo Montalbán) e por seu assistente, o anão Tattoo(Hervé Villechaise). Tudo no clima de ilha havaiana, porque afinal é uma ilha. Após todos se acomodarem, são encaminhados aos cenários com actores e animais, se for o caso, devidamente treinados para a missão. Não é interessante alguém adorável como Roarke dividie o mesmo intérprete com Khan, um dos maiores e mais cruéis vilões de Jornada nas Estrelas?

Ainda na recepção, Roarke comentava com Tattoo, e com o telespectador, os problemas e virtudes de cada um, assim que desciam do hidroavião, único meio de se chegar à ilha. Quando ele apopntava no horizonte, Tattoo gritava "Chefe! O avião! O avião". Muito carismático, mas nem um pouco inocente, esse xavecador miniatura.

Ele também, às vezes, fazia o papel de mediador, de forma mais descontraída do que seu chefe. Ele incorporava o cenário, se vestia a caráter e, quando o hóspede menos esperava, se apresentava com os conselhos certos na hora certa, depois voltava aos bastidores da fantasia funcional em que o coitado tinha se metido. Se soubesse...

Tudo é de um realismo ferino. A palavra "fantasia" pode conotar algo prazeroso, mas não era bem assim que funcionava. Embora todos saíssem vivos da história, não era o final que realmente contava, mas o desenrolar dos dramas de cada um. Senhor Roarke às vezes aparecia a cada um, de acordo com as necessidades e urgências dos participantes, para falar a respeito e mostrar o nó da meada. Sim, ele era como um Mestre dos Magos, que só aparecia para orientar e mostrar o que o sujeito ainda não tinha percebido com clareza, porque o trabalho era do participante.

Aos que perceberam, parabéns! Sim, a Ilha da Fantasia funcionava como uma clínica psicológica com o método da dramatização levado ao extremo. Embora não seja a intenção matar o participante, ferimentos podem acontecer. Mais ou menos como as salas de realidade virtual da Enterprise, só que com um mediador a orientar o paciente.

Um exemplo. Uma moça que queira realizar o sonho da avó, que na juventude queria ser cantora na Broadway dos anos pré-guerra. Tudo bem, as ferramentas serão fornecidas, mas o trabalho é dela! Ela terá que conseguir ser selecionada, ela terá que ensaiar e cantar, ela terá que enfrentar as sabotagens de invejosos, ela terá que lidar com o assédio da máfia, ela terá que lidar com ofertas para transar em troca de ajuda profissional, ela terá que administrar eventuais baixas de popularidade, ela terá que lidar com boicotes, ela terá que ser a cantora dos anos que sucederam a quarta-feira negra, quando a bolsa de Nova Iorque quebrou e levou o mundo inteiro consigo, gerando uma época de depressão e pessimismo sem par na história contemporânea.

Que foi? Pensaste que seria fácil? Não mesmo! A pessoa entrava lá para enfrentar seus demônios, não para fugir deles... Aliás, estamos precisando de muitas clínicas de psicoterapia assim, não acham?

Ao fim de cada episódio, os hóspedes voltavam para casa com seus medos e traumas devidamente enfrentados, portanto muito mais felizes e prontos para descer o pau na sociedade imbecil que alimentou suas neuroses, ou seja, prontos para serem adultos bem resolvidos.

Não me consta de alguma vez o anfitrião ter falado em valores, nem mesmo tocado no fator dinheiro,
mas é de se esperar que a estrutura cinematográphica da ilha custasse uma fortuna por dia, então quem anda de Mercedes-Benz com motorista e cobrador, dificilmente teria condições de pagar pelos serviços, principalmente porque eram poucos pacientes atendidos por vez.

Mas, como todo paraíso tem sua serpente, ela deu as caras sem demora. Em 1980 Hervé Villechaise saiu e tiveram que arranjar outro assistente, escolheram Wendy Schaal, uma linda loura de sorriso meigo e jeito de boa moça na pele de Julie, até 1982. O último asssistente foi Christopher Hewett.

A segunda série pecou pela falta de carisma. A tecnologia e a estrutura com vários assistentes, não a salvou do fracasso. Tiveram o bom senso de cancelar antes que manchasse a boa reputação da original, mesmo com as intrigas e brigas internas que teve.


Clicar aqui, para ver a sátira dos Trapalhões. A incorporação estava indisponível.