sexta-feira, 29 de junho de 2012

A voz floral de Fátima Guedes


Desde seis de Maio de 1958, esta moça fina e de bons modos espalha seu pólen. Desde 1973 ela espalha o perfume adocicado de sua voz elfica por este Brasil afora.

Ela prima pelo talento e pela discrição. Tem sempre músicas bonitas com interpertações angélicas a oferecer para seu público, mas não demonstra o menor apreço pela badalação da fama fácil. Aliás, quem não a conhece até pode pensar que não gosta de ser artista, porque trabalha na surdina do barulho que as tranqueiras descartáveis fazem, em programas ruins; que são regra, diga-se de passagem.

Pouco se fala dessa mulher bonita e singela, criada na zona norte do Rio de Janeiro, onde começou a compor enquanto debutava. Ganhou oprimeiro prêmio por "Passional", em 1973, no Festival de Música da Faculdade Hélio Alonso. mas o primeiro LP só veio em 1979, com três canções de sua autoria, a convite do cantor, compositor e produtor Renato Corrêa.

Com uma carreira muito regular, levou a vida como uma mulher normal, sem afetações de estrelas, sem escãndalos, sem nem mesmo participações em shows de horrores, digo, reality shows. Parece ter os pés muito firmes no chão para se deixar levar por fogos de artifício.

Morou um ano em Los Angeles, no início dos anos noventa, apresentando-se em casas de jazz. Sem alarde. Voltou ao brasil e aqui continuou sua carreira. Se algo deu errado? Não, ela se aprimorou muito, tirou grande proveito pesoal e profissional, o certo é que ela teve uma experiência nova, conheceu gente nova, aprendeu e ensinou, depois voltou.

Gente grande já cantou suas obras, como a boneca Wanderléia com "Bicho Medo" e a grandiosa e esplendorosa Elis Regina, com "Meninas da Cidade", também Maria Betânea, Nana Caymmi, Simone, Alcione, Bety Carvalho e uma penca emepebista que só fez atestar sua competência. Seus maiores fãs acabaram sendo os seus colegas de profissão.

Sua canção símbolo, que confirmou a maturidade musical, é "Lápis de Cor", que ela precisa cantar em todos os shows que faz. Não é para menos, é uma música bonita e singela, que lhe permite passear com a voz como quem passeia em um jardim primaverio.

Estreou em 21 de Maio, no Casarão Ameno Resedá, Rio de Janeiro, o show "Transparente", sem mais detalhes. Estranhamente, o endereço que todos os websites dizem ser de sua página oficial, não funciona. Nem adianta procurar no facebook tembém, não consegui. A moça é muito discreta. Muito se ouve sua voz, pouco se ouve da cantora, quase nada da cidadã.

Fátima também é professora de música, desde que aprimorou seus graves em Los Angeles. Notaram o grande diferencial? Ela não é só cantora, ela dá cursos de música, ela entende do babado, ela sabe o que está fazendo, não precisa de softwares para ajudar, desses que transformam gritos de gatos no cio em vozes humanas medianas.

O que a Anvisa ainda não descobriu, graças a Deus, é que Fátima é uma médica musicoterapeuta de nascença, que distribui analgésicos vocais sem receita, capazes de reverter depressões profundas e até alguns quadros psicóticos graves. Recomendo para todos os que têm bom gosto e nenhuma vergonha de ser gente, especialmente as crianças.




Fontes, muito esparsas, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
Vídeos de fátima, clique aqui.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A vida bonita de Gonzaguinha

www.forroemvinil.com

Em 22 de Setembro de 1945, no Rio de Janeiro, com o mundo já comemorando a queda do eixo, veio Luíz Gonzaga do Nascimento Júnior, filho de Luíz Gonzaga do Nascimento, o rei do baião, que tirou a música nordestina dos rincões do sertão... mas ele nada tem a ver com o estrago feito dos anos noventa para cá. Vei pelo ventre de Odaléia Guedes dos Santos, também cantora, ou seja, teve muito a quem puxar. Infelizmente a moça faleceu com apenas 22 anos, de tuberculose, quando o menino mal aprendera a falar, ficando ele aos cuidados de seus padrinhos, já que o pai precisava viajar pelo país inteiro para garantir seu sustento.

Trabalhou desde criança, carregando sacolas de feira morro acima. Também foi castigado cedo, perdeu 80% da visão esquerda após uma pedrada, um acidente com estilingue e uma queda na quina da cama terem furado o olho... Mas heim! Depois de tudo isso ainda lhe restar 20% de visão, não é para reclamar. Mas quem nunca levou um golpe no olho, não sabe como dói, da córnea até a nuca.

Ter pai famoso não o poupou da rudeza de uma vida pobre. Tinha dele os custos da educação, o que talvez o tenha mantido fora da criminalidade que muitos garotos trilharam, algumas visitas esporádicas para lições e chineladas quando necessário, mas era só.

Mas foi um menino bom, com as molecagens e canduras de todos os garotos que sentiam na pele a dor do outro. Gostava de ouvir o pai cantando, mas também gostava muito de Lupcínio Rodriguers, Jamelão, de boleros, por influência da madrinha Dona Dina, aquela da música, que era portuguesa, adorava as músicas da terrinha, o que o ajudava a manter os laços familiares. Era uma vida tão dura, mas foi tão feliz!

Lembranças de Primavera foi sua primeira canção, aos quatorze anos. Aos dezesseis foi morar com o pai em Cocotá, pois os padrinhos Dina e Xavier não podiam pagar os estudos avançados que ele queria ter, queria cursar economia.

Pouco mudou, além das responsabilidades maiores com os estudos. Se trancava no quarto apra estudar e tocar violão, e ninguém precisava esperar para almoçar quando saía à praia. Para quem não entendeu a conexão, música e estudos combinam muito bem, desde que o estudante seja o músico, ou pelo menos saiba apreciar a música, o que é difícil de acontecer.

Em Dezembro de 1961 sofreu o primeiro acidente de carro, quando a transmissão enguiçou, indo do Rio para Miguel Pereira. Só Gonzagão teve ferimentos sérios e ficou um mês hospitalizado.

Desentendendo-se com a madrasta, foi para o colégio interno, o que foi o divisor de águas entre o menino e o homem. Foi para a faculdade de economia, como queria, e ainda fez parte do Movimento Artístico Universitário, do qual faziam parte figurinhas como Ivan Lins, Aldir Blank, Paulo Emílio e César Costa Filho. O movimento acabou sugado pela Globo em 1971, com o "Som Livre Exportação".

Mas as intrigas já conhecidas da televisão acabaram por dissolver o grupo, ao fim de algumas semanas. Gonzaquinha sempre foi muito duro, principalmente por causa de sua história de vida. Ganhou a fama de "cantor rancor", de antipático, de agressivo, em boa parte fama criada pela própria mídia para ajudar a vender discos, em uma época de politização forte. Chegou a ter problemas com a censura, mas só ganhou uma advertência.

A música "Comportamento Geral" chegou a apavorar os jurados do programa Flávio Cavalcante, mas até hoje a letra é actual e verdadeira, sem maquiagens. Virou freguês do DOPS. Chegou a apresentar 72 canções para 24 serem liberadas, a velha tática de apresentar muito material cabeludo para poder gravar o que realmente queria. A convivência com o psiquiatra Aluízio Porto Carrero, da época do MAU, foi valiosa.

Em 1975 demitiu seu empresário. Gostava de liberdade e de contacto com o público, sem coleiras de qualquer espécie. Em um ponto a fama dele era verdadeira, era arredio por natureza. Aproveitou uma tuberculose para meditar, nos oito meses que o colocou de cama. Decisão sábia, decidiu retomar a espontaneidade do início da carreira, quando não precisava seguir roteiros rígidos, fazer tipos que nunca fez realmente, mas que é comum no meio artístico.

Em 1981 teve a primeira filha, com a frenética Sandra Pêra, que foi bvatizada Amora Pêra... Se acham estanho, um dia lhe conto dos filhos de Pepeu Gomes com Baby Consuelo. Mas passou o restante de sua vida terrena com Louise Margarete Martins, a Lelete, com quem teve Mariana. A vida em Belo Horizonte deu-lhe a tranqüilidade familiar que lhe faltava.

A fase foi de enorme sucesso, e de reaproximação com o pai. Época em que um conseguiu entender os motivos do outro de as desavenças foram deixadas na estrada, em uma turnê conjunta que durou cerca de uma ano, em 1981. Duas vozes possantes e apaixonadas pela vida em uma epopéia histórica.

Acostumado a se virar sempre sozinho, foi dirigindo para uma série de shows marcados em Santa Catarina, com o empresário Renato Manoel Duarte e Aristide Pereira da Silva. Na manhã de 29 de Abril de 1991, a 420km de Curitiba, o Monza que dirigia bateu de frente com uma F4000, cujo motorista foi ofuscado pelo sol e teria invadido a pista contrária. Foram socorrido, mas o corpo de Gonzaguinha chegou vazio à policlínica São Francisco de Paula, em Francisco Beltrão. Só Renato sobreviveu... sangrando.

Não é difícil encontrar referências a seu respeito, até porque ele deixou amigos tão arraigados, que alguns ainda hoje talvez esperam vê-lo voltar do hospital, e todos mantém sua obra trabalhando, como ele sempre fez, desde a mais tenra idade, sem parar.

Website do Gonzaguinha, clicar aqui.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Lana, o passarinho de vinil

http://www.radioactiveunicorns.com/2012/03/14/roube-o-look-lana-del-rey/

Definitivamente, não é uma cantora que se leva à sério. Talvez Elizabeth Woolridge Grant leve seu trabalho à sério, mas Lana Del Rey, definitivamente não. Tanto que o nome artístico é tido como uma mistura de Lana Turner com Ford Del Rey, que só foi fabricado no Brasil! Mas ao que parece, procede.

Tudo o que se procura a seu respeito tem claro aspecto de deboche ou de notícia fabricada. Como a própria Lana diz, ela mesma é um producto saído da cabeça de um executivo da indústria phonográphica.
A mulher por trás da personagem nasceu em 21 de Junho de 1986, em plena guerra fria, quando o filme "O Dia Seguinte" reprisava a torto e a direito na televisão. Dizem que nasceu em Lake Placid, de onde saiu aos quinze anos para um internado em Conecticut, e que seria filha do investidor Rob Grant com Patrícia Grant... Mas a chamam de Pat.

Ainda como Lizzy Grant, lançou o EP Kill Kill pela 5 Points Records, produzido por David Kahne, com quem se desentendeu em 2010, quando contractou um advogado para poder comprar os direitos autorais de sua obra. Ainda como Lizzy Grant, para não misturar os trabalhos das duas fases. Colocou o álbum na internet por dois meses, vendendo, até um acordo sair. Hoje ela grava pela Stranger Records, pela qual lançou o estrondoso "Video Game". O álbum actual é o "Blue jeans", talvez um respiro de autenticidade e saudades da época em que era somente a Lizzy, moça tímida e familiar.

Lana gosta de falar bobagens à imprensa. Muito mesmo. Elizabeth, por sua vez, é uma quase desconhecida de uma família numerosa, que mantém toda a discrição possível. Lana conseguiu muitos desafetos, que consideram seu sucesso o resultado de um surto de estupidez global, alguns são apenas críticos ácidos que a consideram muito crua, especialmente para apresentações públicas. Sua apresentação em janeiro, no programa Saturday Nithg Live foi mal sucedida, justificando adiar futuras aparições para públicos numerosos. Isto é certo, mas alguns exageram nas críticas, chegando a atacar a pessoa de Elizabeth para atingir Lana.

Monocordia de hipnotizadora fracassada, robô travesti, repetição de músicas com títulos diferentes, interpretação mecânica e lágrimas de cebola... Já li isso e mais a seu respeito. Mas o facto é que ela arregimentou fãs suficientes para dar de ombros à crítica e, interpretação plastificada ou não, ela canta bem. Decerto que precisa ainda de bastante burilamento, mas canta bem.

A moça talvez até sinta os ataques, talvez, mas a cantora é cínica e plastificada o suficiente para devolver de modo cínico, qualquer ataque de quem a chame de cafona falsamente vitage. Em Fevereiro deste ano, o colunista Augusto Gomes, ver aqui, fez uma crítica honesta e até certo ponto bem humorada, com doses de cinismo típicos da própria Lana. Ele apresenta cinco motivos para amar e outros para odiá-la, todos os mesmos, com argumentações opostas.

Quem não se lembra dos Monkees, grupo inventado nos anos sessenta e que se libertou em um ataque de rebeldia, e foi tão bem sucedido, que só acabou neste ano, quando o sacana do Davy fez o favor de morrer, só porque infartou? Também foram fabricados. Eles não por um pai milionário, mas por uma indústria milionária. O facto, falando como metalúrgico, é que por mais perfeitos que sejam os processos de produção, nenhum aço ruim resulta em uma boa engrenagem. Elizabeth talvez até agradeça pelas dores de cotovelo, porque assim a polêmica lhe poupa de divulgação, aparições fúteis, podendo utilizar o tempo para se aperfeiçoar e acatar as crísticas constructivas.

Embora muitos não admitam, há um certo efeito manada nas críticas radicais, pois muita gente que se diz intelectual decretou que ser rico, bonito e, principalmente, ter a aparência européia rebuscada dos anos cinqüenta, é crime. Embora nenhum deles queira ficar pobre. O que eu penso dela? Que está sendo exposta deliberadamente aos dissabores para seu amadurecimento ser forjado a fogo, que os pais querem que seja empresária de si mesma para poder garantir sua carreira. Eu conheço a tática, se não matá-la, matará seus detratores.

Para terminar, vou falar-lhes algo sobre o Del Rey, o carro. Ele surpreende. Pecava pelo desempenho, nada mais, em todo o resto era perfeito, com um rodar macio e robustez a toda prova. Depois que recebeu o motor AP 1.8, tornou-se perfeito. Por um lapso de estupidez, a Ford o descontinuou sem haver outro a altura. Mas ao contrário do Ford, Elizabeth é filha de uma família que a ama, cercada de muitos irmãos, que não vão simplesmetne descontinuá-la. Lana é assumidamente um producto, e o motor novo pode chegar a qualquer momento. Quem entendeu, entendeu.



Website da personagem, clicar aqui.
Páginas brasileiras sobre ela, clicar aqui e aqui.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Micróbios, O Filme... hipotético

Sally, a ameba elegante.
 Assistindo a Robôs, novamente, na Sessão da Tarde, que raramente tem feito por merecer minha atenção, coloquei-me a pensar sobre os panos de fundo utilizados pelos estúdios de animação virtual. Sim, eu costumo pensar, nem sempre consigo, mas normalmente sim.
Me peguei pensando que falta uma série virtual dos filmes Tron, em que os personagens passariam a agir contra os crimes virtuais, aproveitando para abordar contradições, incoerências, medos e egoísmos de cada um, os virtuais e os físicos.

Pequeno adendo a respeito, este escriba louco concluiu que não existe diferença entre o mundo virtual e o físico, além do modo como ambos foram criados e podem ser destruídos. Uma vez que ambos se inter influenciam, de modo cada vez mais intenso, considero ambos reais.

Voltando aos devaneios loucos, pensei também em um tema que talvez ainda não tenha passado pelas cabeças lesadas dos animadores de estúdio, que é usar a fauna e a flora do corpo humano como pano de fundo. O filme duraria aproximadamente uma hora, na vida dos micróbios se passariam anos, na vida do hospedeiro não seria mais do que um segundo. Teria muito humor durante toda a duração, algumas vezes de duplo sentido, para que pais e filhos possam rir juntos, cada um entendendo o que é de seu entendimento, como nos desenhos de Tex Avery. As crianças não veriam absolutamente nada do que não vêem diariamente, só que sem agressividade.

A protagonista seria Sally, uma ameba excêntrica que faz amizade com todas as criaturas daquele corpo, inclusive com as células do corpo. Ao contrário das outras amebas, ela mantém uma forma fixa a maior parte do tempo e só fagocita por uma parte de seu corpo metamorpho.

A amizade começou após o último ataque de antibióticos, quando um grupo se viu unido naquela situação. Sally, resistente ao pharmaco, protegeu os demais, acabando por proteger também as células humanas daquela área, enquanto as outras sofriam danos sérios, alguns irreversíveis.

Enola é uma protozoária, completamente louca, mas com a fama de sábia e grande conhecedora dos hábitos do hospedeiro, com o quê consegue dar alertas e sugestões úteis. Ninguém sabe como ela consegue esse conhecimento, mas também ninguém teve a grande idéia de perguntar. Foi por ela que Sally tomou conhecimento de uma humana chamada Grace Kelly, que viveu muitas eras microbianas atrás, e na qual ela se inspira para ter sua forma fixa.

Sally e Enola fazem parte de um grande grupo de micróbios que decidiu parar de agredir o hospedeiro, pois percebeu, durante o último ataque, que era justo isso que fazia a patrulha de anticorpos agir com mais violência. Só que os anticorpos, como perceberam, são burros e não diferenciam amigo de inimigo. Isso revolta os outros microorganismos, que os vê como traidores de sua causa, que é destruir o hospedeiro e viver de seus restos para sempre. Não deram ouvidos à Enola, quando disse que "para sempre" não existe no universo, que o corpo um dia acabaria e, naquele caso, seria cremado por vontade expressa aos seus pares.

Entando e saíndo das células com grande liberdade, Sally aprendeu com as mitocôndrias a produzir energia a partir de restos das actividades biológicas do hospedeiro, o que acabou transformando seu grupo em uma equipe de limpeza do corpo. Ainda assim, continuavam a sofrer ataques de anticorpos, de antibióticos e dos outros micróbios.

Ao contrário de Enola, Sally é recatada, com uma sensualidade refinada e cheia de mistérios. Ambas acreditam que existe algo mais do que comer, reproduzir e expelir, mas a protozoária precisa sempre interferir, para garantir à amiga o direito de ficar sozinha, afetivamente falando. A adrenalina secretada há vários dias microbianos, pelo cérebro, tem dificultado cada vez mais  convivência, porque os micróbios também sentem os efeitos do hormônio, cada um à sua maneira, e os inimigos acabam se tornando mais agressivos e ousados com isso.

Certo dia microbiano, quando o caos está instalado e elas se refugiam com um grupo em uma área ainda livre, próxima ao cérebro. Enola começa a consolar seus amigos com passagens de vários livros sagrados, terminando com "Há hora de viver, há hora de morrer". Sally, que naquele momento decidiu morrer com a forma exacta e todos os detalhes da humana que tanto admira, tem o lampejo de perguntar à amiga de onde ela tirou tamanha consciência...

 - Do cérebro.
 - Do cérebro? Este cérebro logo qui, acima?
 - De lá mesmo. Eu subo lá todos os dias, para meditar.

Enola concorda em levá-la para lá. Sally fica maravilhada com o que vê, com todas aquelas sinapses e a imensa quantidade de neurônios que as multiplicam a todo momento. Enola diz que estão em um hospedeiro privilegiado, com um grau de consciência de si mesmo e de seu papel no muito, muito acima da média. Passeiam pelo cérebro como Enola sugere, para não danificar os neurônios e não activar os anticorpos. Sally, lógico, fica amiga de todo aquele emaranhado neural. Como sua amiga, acaba absorvendo conhecimentos e conceitos de que nem fazia idéia que existissem. Especialmente, passa a conhecer sua musa inspiradora pelos arquivos de um de seus maiores fãs.

Ao contrário de Enola, Sally tem uma certa vocação para Madre Tereza de Calcutá, decide ficar mais um pouco, enquanto a amiga volta para a base do crânio. Se envolvendo cada vez mais com aqueles cabeludos, é levada aonde nem Enola tinha conseguido chegar, à glândula Pineal. Uma camada electromagnética é providenciada, para que ela se mova mais rápido, pelas sinapses, sem danificá-las.

Chegando aos aposentos da Pineal, esta diz "Minha filha, finalmente você chegou" e Sally se ajoelha, prostrada, e chora diante da visão que tem. Ouve as palavras transcedentes de amor incondicional que a Pineal lhe dirige e, em um estalo, percebe que existe muito mais do que a vida biológica efêmera que hoje ocupa.

Passa mais de um dia microbiano ouvindo e meditando, quando decide aceitar o convite e ficar lá, de onde pode fazer algo de consistente pelos outros. Se vale das sinapses para falar a todos os trilhões de seres que formam e se hospedam naquele corpo: "Micróbios, sou eu, Sally. Ouçam com atenção o que vou lhes dizer, pois disso depende a nossa sobrevivência no hospedeiro. Não existe corpo bom ou ruim, nenhum corpo que vocês venham a infectar os fará maias felizes, nenhum mesmo. Em todos vocês encontrarão os problemas que enfrentamos aqui, em alguns até perigos desconhecidos, que neste hospedeiro saudável não existem. Há muitos hospedeiros de se auto destroem por alguns anos microbianos de prazer, que para eles não passam de poucos minutos. Se vocês querem ser respeitados e valorizados por este corpo, se querem que ele nunca mais se virem contra vocês, não se utilizem de métodos infantís, como se a cada choro um brinquedo novo lhes fosse dado. Ter boas intenções não é suficiente para resolver nossos problemas, assim como só agir sem medir as conseqüências. Entrem no sistema do hospedeiro, façam parte de suas decisões, sem esperar que ele decida tudo por vocês. Tenham ações e decisões dentro do hospedeiro, não à sua margem (...) Esta comunicação via sinapses é só como poderemos nos falar, de hoje em diante, eu escolhi a clausura para poder agir, e poucas vezes poderemos voltar a nos ver. Sigam os conselhos de Enola e, mesmo distantes, não se esqueçam que eu amo vocês. Todos vocês".

Imediatamente seus bilhões de amigos entram, em pares ou trios, nas células que estavam instruídas a recebê-los, lá eles trocam informações de vida e genéticas, causando uma mutação no hospedeiro que, após uma febre intensa, tem um bem súbito e se levanta do leito em que estava, no hospital. Como as mitocôndrias, os amigos de Sally passam a fazer parte do organismo, só que com liberdade de se deslocar entre as células, e acabam orientando o sistema imunológico naquilo que ele ainda não pode, que é diferenciar uma célula cancerosa de uma sadia, entre outras cousas. A hospedeira fica miraculosamente curada, passando a ver e ouvir faixar mais amplas do que um humano normal conseguiria, além de rejuvenescer muitos anos na aparência. Dentro dela, seus novos microorganismos levam suas vidas, relembrando sempre das lições que seus antepassados deixaram.

Sally? Ela se incorporou à Pineal, onde trabalhará pelos seus e pela hospedeira, até que ela deixe o corpo em definitivo.

Heim? Trailer? Que trailer? Não tem filme, é só um devaneio de minha mente lesada.

Fim.

sábado, 2 de junho de 2012

A luz de Clara

http://modaetcetal.wordpress.com/tag/clara-nunes/

Quando os americanos foram cobrar satisfações por Pearl Habor, uma guerreira de outra estirpe desceu à terra. Sob as bênçãos de Iansã, em 12 de Agosto de 1942, em Paraopeba, Minas Gerais, veio ao mundo Clara Francisca Gonçalves Pinheiro. Adoptou Nunes já adulta, era o sobrenome de solteiro da mãe.

Embasada pelas Rainhas do Rádio, sempre gostou de cantar, mas nunca conseguiu ser imitadora de alguém, seu estilo era forte demais para isso.

Com quatorze anos ganhou um vestido azul, prêmio por vencer um concurso de música, cantando "Recurdos de Ypacarai". Aos dezesseis se apresentava em programas de rádio, ainda como Clara Francisca. Era abrir a boca e encantar todo mundo, como que por feitiço.

Era tecelã, profissão herdada do pai. Foi Para Belo Horizonte às pressas, morar com irmãos Vincentina e Joaquim, outro irmão assassinara seu namorado. A rudeza do destino, porém, não fez a vida parar e ela se virou, trabalhando em uma tecelagem. Enquanto tecia, se construía, fazendo o curso normal à noite.

Ainda como tecelã, tirou o terceiro lugar no concurso "A voz de ouro ABC". Passou a cantar na Rádio Inconfidência, senco considerada a melhor cantora mineira por três anos seguidos.

Nos anos sessenta conheceu Aurino Araújo, que apresentou-lhe a muitos artistas, e viria a ser seu namorado por uma década. Foi quando trocou o nome, sugestão de Cid Carvalho. Sábia sugestão.

Apareceu na televisão pela primeira vez, e então era necessário ter mérito ou pistolão para ser televisionado, no programa de Hebe Camargo. Durante um ano e meio teve seu programa exclusivo, o "Clara Nunes Apresenta", na TV Itacolomi.

A sambista mudou-se para o Rio de Janeiro em 1965, fixando-se em Copacabana. Foi a fronteira que sepultou Clara Francisca e deu vida plena a Clara Nunes. O mar a atraía e ela viria a saber porquê, não só saber como interagir.

Em 1970 apresentou-se em Luanda, a convite do grande Ivon Curi. Genhou a maturidade profissional em 1972, com "Clara Clarisse Clara", quando deu o acabamento no seu estilo de samba. Quebrando um tabú perverso, foi a primeira mulher a vender mais de cem mil cópias de um álbum, o compacto simples "Tristeza, pé no chão".

A índole materna da moça doce e combativa foi frustrada por três abortos espontâneos, que a levaram a tirar o útero em 1979, para poupar-se do trauma de um quarto. Detrás daquela postura de rainha, havia uma mulher emocionalmente muito sensível. Sensível e sensitiva, ela teria previsto a proximidade de sua morte. "Se previu, como não evitou"? Da mesma forma como não se evita o choque com o chão, em uma queda livre. Iansã domina as tempestades, ventanias, raios e a morte; Para quem sabe ler, isto é o livro completo.

Sua marca registrada, e um dos motivos de seu sucesso, rendeu-lhe muitos inimigos entre os fariseus dogmopatas. Mesmo não aceitando o rótulo de "cantora de macumba", se bem que ser simplesmente sambista era muito pequeno para ela, Clara tingiu os cabelos de vermelho e passou a apresentar-se com trajes que remetiam à umbanda, sua philosophia espiritual. Também irritou os militares, os mesquinhos, não os sãos, quando gravou "Apesar de você". Sinal de que era mais famosa do que imaginava, para incomodar a cúpula. A obrigaram a gravar o ino das olimpíadas do exército, o que fez sem constrangimentos. Mas a música dura até hoje... e ainda hoje encontra alvos.

Era exímia conhecedora das culturas africanas, de suas tradições, sua religiosidade e tudo mais. Neste ponto, como sacerdotisa musical, era uma pessoa forte, que não se abalava com ataques e ironias. A fragilidade era pessoal, íntima, restrita às suas sombras, tão densas e negras quanto sua luz era forte. Longe de ser inocente e indefesa, como sua aparência poderia sugerir aos amantes do lugar comum.

Não era uma mulher simples de se lidar, dominava facilmente as pessoas, às vezes sem querer. Talvez as lembranças de ver, com quinze anos, o namorado morto a facadas, a tenha deixado protetora demais. Embora seja uma característica desejável em muitos casos, pode desencadear uma personalidade tirana, fazer a pessoa acreditar que sabe o que é melhor para o outro. Com isso dominou uma comunidade inteira, a da Portela.

Deixou-nos em 1982, no Rio de Janeiro, em 2 de Abril, em decorrência de um choque anafilático com a anestesia, quando iria operar de varizes. Muitas lendas, algumas delas plantadas por quem a odiava, falam que morreu depois de uma surra do marido, ou tentando fazer um aborto, o que era impossível, ainda falam que o bruxo Tio Chico teria cobrado na sua vida os favores feitos em rituais macabros.

Em 2007, Vagner Fernandes lançou "Clara Nunes - Guerreira da Utopia", biographia que o jornalista terminou após extenuantes investigações, e cujo título dá uma idéia clara da personalidade da cantora.



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