quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LXXV

    De periferia a metrópole. A estação 75 mostra a outra face da virada de mesa, para o indivíduo e para o grupo. Sejam previdentes e embarquem, o trem vai partir.


Rebeca conclui seu teste (...) ela está apta a se tornar condessa. Já podem planejar o casório. Sai da residência do conde com seu amado, com um sorriso de triunfo bem esticado. Vai o casal à casa de Patrícia, tratar de negócios. Já têm pronto o esboço de uma marca de alimentos para o custeio das obras assistenciais da banda. A baixinha chega com as mãos na cintura, desfilando de nariz empinado (...) Ronald dá a boa notícia e a festa começa, ela é carregada pela sala por meia hora e jogada na piscina, onde todos pulam em seguida.

A agenda é extensa, com pausas para amamentação. Victória digita ao computador as decisões conclusivas da reunião, para serem imediatamente arquivadas e impressas, para posterior envio ao arquivo do escritório central. Lucille e Marina cuidam de organizar e arquivar o material já utilizado (...) A primeira pausa é marcada por ataques de fofura, especialmente de Renata, que sonha diuturnamente em amamentar também. Robert tem planos com Mikomi para que o primeiro filho nasça quando Rebeca estiver para se casar ou já em lua de mel, no máximo (...) Tratarão do concurso para os fãs brasileiros.

O trabalho dura o dia inteiro, quase invadindo a noite, mas conseguem coisas importantes. Pela primeira vez poderão fazer um show sem patrocínio externo, embora seja apenas um teste (...) Avisam às três garotas que elas irão junto, assim que Renata trouxer seu filho ao mundo. Matthew precisa de ajuda na organização e arquivo de seu trabalho, elas serão bastante úteis. Enzo e Ronald ficam felizes com a evolução das irmãs (...) estão prontas para agir directamente no trabalho midiático da banda. Para elas é óptimo, até agora só conheciam a parte chata do trabalho, e é muito trabalho muito chato! Mas as três já têm suas poupanças e arcam sozinhas com suas despesas particulares, o que suas amigas nem sonham ainda. As três são vistas, em suas horas de folga, passeando em coloridas Vespas (...) Rosa para Marina, Amarela para Victoria e Verde para Lucille.

Entretanto (...) A inveja e o despeito as segregam aos limites de Sunshadow, tanto por parte de riquinhas mimadas (...) quanto por parte das que não movem um dedo, mas gostariam de ser independentes como elas. Ambas precisam de terceiros para terem o que desejam, as três amigas simplesmente contam com seus proventos (...) Os irmãos as amparam, transferem sua experiência, mas para garotas desabrochando a rejeição é sempre importante, isso pesou na decisão de incorporá-las às turnês (...) Conhecerão gente nova, de bocas menos abertas do que suas mentes e dedos menos rígidos do que suas condutas, serão aceitas por gente que não seria aceita se não fosse famosa.

&

Norma e Robert batem à porta da casa de ampla varanda (...) parece que o filho gasta uma fortuna com jardineiros, mas é tudo obra e manutenção da nora, que atende de pronto...

- Senhor e Senhora Spring, que honra! Desculpem, mas Bobby está em reunião, na casa de Patty.

- A gente sabe – responde Robert.

- Viemos visitar você.

- A mim? Oh... Entrem!

A japonesa sorridente ainda mantém os cabelos curtinhos, mas já têm mais volume e brilho (...) O interior da ampla casa é uma união feliz de dois mundos, Bobby fez questão de que ela mantivesse sua personalidade e suas tradições mais caras, de onde nasceu o jardim da frente, com um extenso lago de carpas. A felicidade que o filho estampa no rosto (...) os levou a decidir ver como andam os bastidores dessa felicidade toda. A casa está um brinco, limpíssima, organizadíssima, decorada com miniaturas das culturas americana e japonesa, alguns bonsais, um bibelô em forma de cachoeira jorrando bastante água, baguás e todas as janelas e portas abertas (...) o tamanho compacto os faz parecerem poucos, espalhados pela casa. Em um aparador estão photographias, inclusive com os sogros. Norma não poupa elogios...

- Meus Deus, esta casa está um brinco! Dá até receio de pisar neste chão tão limpo!

- Obrigada, mãe-na-lei! Mas o mérito não é só meu, eu pago uma moça para vir três vezes por semana e me ajudar na limpeza pesada.

- Mesmo assim! Manter a casa limpa assim é uma arte!

- Venham, tenho bolinhos de arroz! Sirvam-se.

O caminhoneiro por hobby ainda tenta entender aquela decoração, baseada no feng-shui. Acha bonita, mas cresceu acostumados aos exageros americanos e achá-los normais. Mas os bolinhos de arroz da nora já são lendários. Mikomi nunca escondeu que o amor por Bobby vai além do casamento e da relação marital, ele é seu ídolo, agradece todos os dias pela interferência de Rebeca (...) Se servem, conversam enquanto comem, percebendo que a devoção de fã da esposa é um dos ingredientes da felicidade de seu rebento. Robert sempre lhe disse que queria que fosse ela mesma o tempo todo (...) ela se sentiu muito à vontade para ser esposa e fã ao mesmo tempo, tietando o marido sem medo de outra fã entrar na casa e interromper o namoro.

Robert chega e tem uma surpresa muito feliz, corre para fora e chama a irmã, que encontraria a casa vazia...

- Oi, Miko! Tem bolinho de arroz sobrando aí?

- Oi, Rebby! Tem mais. Se não der eu frito outros.

Expulsa de sua família natal, ela se sente bem acolhida na do marido. O trabalho de hoje foi muito produtivo, tiveram bons progressos e abocanharam (...) antigos patrocinadores. Apesar do conforto em que vivem, os seis estão longe de aparentar o que realmente podem ter. Na garagem, ao lado do poderoso Superbird, uma Toyota Corolla Deluxe Wagon modelo 1971, vermelha reluzente, repousa com poucas milhas rodadas (...) Ela mostra aos sogros aquele carrinho estranho, com jeito europeu e cara americana. Os leva para um passeio, e eles estranham aquela alavanca no assoalho, mais ainda o modo de trocar as marchas. Os irmãos ficam a sós na casa...

- Como eu gosto da Miko! Cara, ela é tão gente fina que dá raiva!

- Ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra... Eu te amo, Mascote. Devo esse casamento de sonhos a você.

- Não tem nada que eu não faça por você, Bobby. Nada mesmo.

Ele a chama para o sofá e começa a mimá-la (...) Conversam em tom baixo, para poderem ouvir a queda d’água artificial do aparador. Ele diz que já estão planejando um sobrinho para ela poder brincar, levar de moto às escondidas, puxar as orelhas quando achar necessário...

- Jura? Cara, eu vou mandar fazer uma micro Harley de pedal e rodinhas pra ele! Sobrinho meu não vai andar de velocípede!

- Só se for igual à sua.

- Vai ser! Vou até mandar colocar um motorzinho eléctrico, quando ele tiver idade.

A Corolla chega do breve passeio, com Norma ao volante. Foi mais fácil do que imaginava, gostou dela, mas sentiu falta do torque e da capacidade de carga das wagons americanas.

&

Daniel pede desculpas, mas precisa de aconselhamento. Patrícia, com Richard nos braços, e Arthur o recebem (...) O bom controle demográfico, a injeção de recursos e a coesão de seus habitantes, transformaram Sunshadow em uma das melhores cidades do mundo para se viver. Mesmo com a cidade nova, o município não inchou, não há áreas pobres e os cidadãos mais humildes têm um bom padrão de vida e de consumo, mas (...) as cidades vizinhas pararam de crescer para todos os lados, estão começando a crescer para cima de Sunshadow (...) Se antes o sunshadower precisava sair para ter boas opções de trabalho, hoje são os vizinhos próximos que buscam na cidade uma chance de ascensão. Em Summerfields, por exemplo, restaurantes já fecharam, porque seus clientes habituais arranjaram empregos melhores em Sunshadow...

- Juro que por essa eu não esperava, Daniel! Há o risco de bairros clandestinos começarem a aparecer nos limites da cidade, com isso a criminalidade crônica chegaria aqui.

- E os picaretas dos meus colegas estão mandando infraestrutura para essas periferias, para mandar o problema pra gente, entendeu minha preocupação?

- “Forgotten” in live, dear! Agora todo mundo quer vir para cá e os sacanas se aproveitam disso.

- Sim, nem vergonha na cara eles têm, nem para disfarçar! Eu sei o que vamos fazer, mas isso vai nos custar caro, não tanto em dinheiro, mas vai. Daniel, isso vai nos dar a fama diametralmente oposta à antiga, mas vai resolver o problema. Vamos investir nessas cidades...

Convoca uma reunião com os empreendedores de Sunshadow (...) Terão que investir nas cidades vizinhas para que os desvairos de seus prefeitos não os atinjam (...) Weasley Brook é o primeiro a se oferecer, há muito tempo quer transformar seu negócio em uma franquia e vê no problema uma oportunidade (...) quer tomar o país inteiro. A iniciativa encoraja os demais, Patrícia e Richard cuidam de organizar a empreitada. Sugerem que incluam Detroit, que está começando a mancar e precisará de toda ajuda que puderem oferecer.

Richard planeja construir sua fábrica em uma das cidades vizinhas (...) paralelamente estender a rede de espionagem e assegurar mais solidez nas operações da organização. Agora Daniel tem um motivo para construir um metrô, ainda que signifique dar infraestrutura de graça às cidades vizinhas, mas é um investimento na tranqüilidade de sua própria cidade.

Contractam pesquisadores locais para a sondagem de mercado em cada cidade. O efeito Dead Train causou um choque (...) ainda mais depois que a cidade se tornou ponto de encontro de artistas de primeira grandeza e gente poderosa, que às vezes são as mesmas pessoas. Quando os investimentos começaram, e a mão de obra local se tornou insuficiente, os forasteiros viram uma oportunidade (...) mas às custas do desinteresse por suas próprias cidades, que começaram a decair. A idéia é evitar problemas em Sunshadow, preservando suas vizinhas. Em dois meses os primeiros empreendimentos são abertos e as pessoas passam a tomar seu desjejum na Brook’s Hot Chocolate (...) especialmente no inverno. A periferia, agora, são as outras cidades. Vingança? Imagina! Mas um chocolate quente é tão doce!

&

Sunshadow pára em frente à casa de Mikomi e Robert, os passantes ficam extasiados com a cena das cerejeiras em flor. As mudas (...) deram sua primeira florada séria, o terreno da casa fica totalmente cor de rosa. Todo mundo quer aparecer em uma photographia em frente à casa, até o casal os convidar a tirarem lá dentro...

- Sério? A gente pode mesmo?

- Claro! Só tomem cuidado, porque o jardim da Mikomi é bastante delicado.

O Mikomi’s Garden ganha fama rapidamente (...) A serenidade passou a ser parte do comportamento de Bobby, desde que se casou ele se deixou plácida e deliberadamente influenciar pela esposa. Rebeca sabe disso, sabe e agradece. O irmão era um moleque comum (...) estava desperdiçando o cavalheiro que tinha dentro de si nas ruas de Summerfields, após as aulas. Já viu muito cara legal afundar por causa de sirigaitas, mas também viu muitos saírem da lama por causa de uma boa esposa; seu irmão era um cara legal que se casou com uma mulher incrível (...) Hoje ele é um dos diplomatas mais centrados do mundo.

É em meio a toda essa paz e quietude, que lembra a colônia espiritual construída recentemente sobre Sunshadow, que Renata chama Matthew...

- Matt! Vai nascer!

A integrante mais discreta da banda sempre foi a que teve a vida mais escancarada, involuntariamente (...) Josephine chega quando Marcia começa a dar seus primeiros berros no mundo. Fica a cargo de Arthur registrar a família, sob orientação de Matthew...

- Vê se não faz sombra. Legal? Então pode clicar, Greg.

Ele clica, assim que a mamãe consegue parar de rir (...) O apelido ainda é o que Arthur mais ouve, quando alguém o chama. Mas a photographia sai e os fãs conhecem a herdeira da brasileira, aguardando ansiosos pelos que faltam. Podem voltar para casa no mesmo dia, com Eduarda se responsabilizando pela assistência à filha, levando Eddie junto, para (...) ganhar um pouco de responsabilidade. A primeira noite da pequena, fora do útero, é de uma paz fora do comum, para o alívio dos pais e do labrador.

Na manhã seguinte tem visitas, Patrícia leva Richard, Audrey e Melinda. As meninas já sabem trocar fraldas (...) As duas assombram, trocam e limpam Marcia em um minuto. Renata as olha, abre um sorriso e já sabe aos cuidados de quem deixará a filha, quando estiver fora. A bronca que as três receberam deu belos resultados. Eduarda e Renato chegam logo em seguida com Eddie, aos poucos Pequi começa a fazer a farra, correndo entre os visitantes.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LXXIV

     A esperança em forma de menino. A estação 74 tem coisas boas, para variar, porque a vida não é só peleja. Podem babar e embarquem, o trem vai partir, mas em silêncio.


Patrícia passa a cuidar de Renata com o mesmo esmero (...) em exercícios leves de respiração, alguns alongamentos e um pouco de correção postural. Vão ao casamento de Enzo e Silvia já pesadas (...) Daniel aproveita a oportunidade para anunciar que a enteada perderá o posto de filha única. Como reza a tradição, Laura é carregada pelos que ainda podem carregar alguém, inclusive pela noiva.

A barriga de Laura também aparece e ela é incluída na ginástica matinal (...) Os compromissos da banda se tornam mais tênues (...) as três têm suas evoluções registradas em photos. Laura já foi descoberta pela imprensa como a linda e jovem sogra de Enzo Crepaldi. Patrícia tem as mãos firmes e os olhos clínicos do pai para o seu registro, que infelizmente não pode ser diário (...) mas há um espesso álbum destinado exclusivamente a isso (...) Richard não esconde o quanto quer ter novamente um bebê nos braços.

A gestação avançada não é, entretanto, desculpa para folgar (...) As duas ensaiam com a banda, que mantém contacto e troca figurinhas com colegas de profissão. Supertamp e Slade têm sido parceiros freqüentes, as três bandas trocando experiências e experimentando novas sonoridades (...) Houve uma cooperação com The Mamas and The Papas, mas naufragou rapidamente. Bee Gees, Beatles e Rolling Stones são confrades de longa data, enquanto Beach Boys tiveram a primazia e ainda são os mais assíduos (...) Os irmãos Carpenters têm sido os xodós dos seis, mas também uma fonte de preocupações, pelo excesso de trabalho e pelo gênio arredio de Karen.

Renata vai com Matthew à casa de Patrícia, tem um recado do tio Quimbim...

- O neto de que ele falou tem previsão para chegar?

- Primeira metade do ano que vem. Ele tá desgostoso, Patty, aconteceu tudo do jeito mais torto possível!

- Ele me disse que seria assim. Os nossos vão nascer direitinho! Planejados, bem amparados, bem quistos e esperados por todo mundo... Dá vontade de chorar, quando sei de uma criança gerada nessas condições!

- Seremos bem maduras, quando chegar a hora de conversar com ele.

- Não precisamos esperar. Seu tio me deu recomendações bastante pormenorizadas, podemos fazer o serviço desde já, cantando.

- Me desculpem, mas, do que estão falando?

- Matt, você conhece algum homem que deveria ter nascido já castrado?

- Um monte. Quer ordem alphabética, cronológica ou por graduação de caráter?

- É mais ou menos disso que estamos falando – continua Patrícia. Queira Deus que essa criança resista até receber nossas mensagens! Vou consultar vovó.

À noite (...) procura algo no diário de Naomi que possa servir para o caso. Encontra uma pequena passagem em 1933, sobre a curiosidade de Nancy quando Fester nasceu, eles não têm nem um ano de diferença “Não sei que épocas terríveis esperam esses bebês, sei que os tornarei fortes para atravessá-las, porque não há outra forma de proteger que não o fortalecimento” (...) Foi o que ela fez com os dois e depois consigo, o exacto oposto do que se faz nos dias correntes. A anotação seguinte é um desabafo “Esses bosquímanos tratam seus filhos como escravos! Eles pensam mesmo que uma criança maltratada será um adulto forte? A quantidade de palermas amedrontados que aparecem todos os dias não serve de lição?” Ela olha para Arthur, que era um rapaz amedrontado até começar a cuidar dele (...). Estende a mão, lhe alisa a face direita...

- Já pensou de que vai brincar com o bebê?

- Eu custo a acreditar que vou ser pai!

- Então decida logo, porque não demora muito.

- Vou começar brincando de ser pai... Acordar no meio da noite, trocar fraldas, dar banho, ir trabalhar morrendo de sono...

- Ra, ra, ra, ra, ra, ra...

Renata vai dormir um pouco mais cedo (...) Medita sobre o que Naomi lhe disse, durante as preces. Pediu que não deixasse patrícia sozinha na tarefa que lhe foi confiada, pediu ainda que considerasse a abertura de um centro espírita kardecista na cidade, já que (...) muitos aderiram à doutrina...

- Mas que médium assumiria os serviços?

- Você.

- Eu não sou tão graduada só porque minha mediunidade é plena. Além do mais, eu viajo muito, chego a ficar mais de um mês trabalhando fora!

- Você tem meia razão, providenciaremos gente para dividir os serviços com você, mas está errada quanto à sua graduação. Você não desceu directo de uma colônia próxima. Planeje com cuidado, Richard não vai se negar a ajudar.

Adormece aos poucos, enquanto medita. Na manhã seguinte o ateu novamente não a decepciona, se prontifica a ajudar assim que ela souber o que realmente quer. Como profundo conhecedor da doutrina, aliás, ele dá sugestões para assegurar a credibilidade do centro, alertando que a moda de cantores famosos seguirem gurus picaretas (...) combinam de manter segredo, conversando só com pessoas próximas e confiáveis, como os amigos da banda. Ligam para Josephine, ela se prontifica como colaboradora eventual, quer levar a família inteira para a inauguração, mas reitera o alerta de Richard para que só conte às pessoas mais próximas (...) Ainda assim, em um só dia ela consegue mais de duzentos interessados em freqüentar o centro, Inclusive os policiais da divisão Street Warriors. Naomi lhe aparece com um olhar de “Viu como não foi tão difícil?” e ela procura um local para servir de sede. Os amigos se ofereceram para caso precise gravar discos espíritas, se é que existem...

- Eu agradeço muito! Existem, mas ainda são pouco divulgados.

- Eu pensei em algo aqui, uma letra, mas acho que seria meio debochado de minha parte...

- Você é debochada assumida, nós estamos acostumados. Diz o que é.

- Ok, não me bata por isso: Nós nos encontramos em uma esquina do mundo, trombamos, brigamos por pouco. Noutra esquina eu te vi chorando, eu ri, me senti vingada e virei as costas, mas logo tropecei e me vi sozinha, sucumbindo ao frio. Eu mereci, não cultivei sua piedade, não tive piedade de você, não tive piedade para receber de volta. Um dia, mancando, te vi a chorar em outra esquina, desta vez ofereci meu lenço, você se afastou, demorou a aceitar meu amparo. Que amparo pode oferecer uma pessoa manca, se nem a si pode amparar direito? Mas com o tempo você aceitou, curou meu coração da culpa, curou meu espírito da vergonha, tirou o rancor que mantinha meus ossos fraturados... Bobby... Pensei no Bobby, agora...

- Estou aqui, Rebby. Vem.

- Meu Bobby... Fiquei tão feliz quando ele e a Miko se acertaram!

Patrícia olha para a médium, que lhe diz em sigilo “Mãe e filho”.  Isso explicaria o amor exacerbado que ela tem pelo irmão, e o respeito imenso que ele tem pela caçula encrenqueira, que o imobiliza em um abraço como se (...) enfiá-lo no ventre. A letra será aproveitada. Renata explica, depois, que (...) ela preferiu não estragar a vida dele outra vez e escolheu ser sua irmã, devidamente equipada para protegê-lo como não conseguiu da última vez...

- Qual o meu papel nessa história?

- Vai saber no tempo oportuno. Posso adiantar que sem você, nada anda. Ah-ah! Nem que eu precise usar um ferro de passar roupa, você não vai franzir esse cenho de novo! Vou chamar o seu pai...

- Não precisa, eu ouvi tudo. Acreditar não vem ao caso, mas é certo que sem ela as coisas estariam muito piores; você não faz idéia do quanto. Vamos, mocinha, vamos falar bobagem e rir um pouco. Venha, Renata, vamos nós três para a piscina, de roupa mesmo.

Ele pula na água com Patrícia nos braços, Renata vai logo atrás, com mais calma. Aproveitam para um pouco de hidroginástica.

&

Não dá para se fazer segredo. Viram o Corvair Monza indo para o hospital (...) A notícia correu o país e a organização se pôs de prontidão, porque ainda há gente esperançosa de impedir esse parto. Josephine chega já com o parto em andamento. Sunshadow fica coalhada de gente, jornalistas e paparazzi de toda parte. Os fã-clubes do mundo inteiro trocam informações por telephone, apoiados pelo escritório central, mantendo as mídias locais informadas. Sabendo quem realmente é Patrícia Petty Gardner, alguns golpes de Estado têm uma pausa (...) Richard obviamente não acredita em milagres, mas o parto placentário dá uma aura especial ao nascimento do neto. Richard Petty Gardner do Prado Ribeiro chora ao mesmo tempo em que a agente Firehair sai da sala de parto para avisar...

- Is a boy named Richard.

O avô começa a rir para as paredes, gargalhar de felicidade como nunca na vida. Pela primeira vez precisa ser amparado pela esposa (...) Zigfrida explica as circunstâncias raras em que o menino nasceu, que pouparam bastante a ele e à mãe. Ela e o pai abobalhado aparecem logo em seguida, encaminhados com o pequerrucho para o apartamento (...) O facto de ter sido uma circunstância muito benéfica, não significa que não estejam ambos cansados, afinal a criança não sai espirrando da vagina para as mãos do médico (...) ela não é panda! Lá fora, enquanto isso, Matthew dá início a uma festividade que toma conta do mundo inteiro em pouco tempo. Cerca de um bilhão de pessoas fica sabendo do nascimento, quem não conhecia o Dead Train passa a saber o tipo de pessoa que é sua líder, o que ela faz pelas pessoas e passa a abençoar esse nascimento. O escritório central adia sua festa particular, vira um pandemônio, precisa chamar emergencialmente alguns candidatos que tem na lista (...) assim que todo mundo já babou pelo seu rebento, ela permite uma photographia oficial da jovem família. No mesmo dia a imagem ganha o mundo e já é de domínio público. Patrícia olha para a mãe e só diz “Now I’m mommy too, mommy”.

Em seu primeiro lar fora do ventre, Richard recebe visitas constantes de gente muito próxima aos pais, mas com calma, som moderado, reações civilizadas, tudo para o pequeno não se assustar em seu soninho pueril. O grande Richard, um homenzarrão para qualquer padrão (...) torna-se um gigante épico, próximo do neto. As gêmeas(...) observam com voracidade o sobrinho, recebendo paralelamente o carinho da irmã, ela lhes diz que terão a oportunidade de ajudar a cuidar dele. Enquanto isso, já em seu palacete, Josephine suspira pelo neto postiço. Quer acompanhar de perto o crescimento do menino, auxiliar em tudo o que lhe for possível a sua formação (...) Já é avó sem jamais ter posto alguém no mundo. Quando Anita chega (...) é puxada para o sofá, abraçada e enchida de beijos pela patroa, que a mima como se fosse ela o menino. Josephine fala sem parar, não se cansa de dizer o quanto aquela carinha de joelho é linda...

- Você tem que ver! É o joelhinho mais fofo do mundo!

- Ah, yo quiero ver ese hijo hermoso!

- Liga a televisão, já devem estar noticiando!

Não demora para mostrarem aquela criaturinha minúscula no colo de sua imensa mãe, com o pai ao lado. Anita se desmancha mesmo, ainda mais lembrando que está ficando para a titia. Já tem tudo o que tinha prometido à madresita, exceto a primeira promessa; (...) fez a vida na América, mas não lhe deu um neto. Manda presentes em todas as datas festivas, para todo mundo, mas não mandou o convite para seu casamento. Apresentou à mãe vários artistas famosos, inclusive sua patroa, mas não apresentou um pretendente. Começa a chorar...

- Anita, por que esse desespero?

- Señora, yo sempre quis tener my família! E fiz a besteira de prometer a my madre, que já está vieja! Acho que, a essa altura do campeonato, aceitaria qualquer coisa com um pênis.

- É com esse tipo de desespero que os cafajestes contam, chérie. Se qualquer um serve, se faz mesmo tanta questão, eu vou lhe arranjar um bom marido. Com a condição de ele não te levar daqui... Tobby, tenho uma missão para você.

- “Tobby, tenho uma missão para você”? Jose? É você mesma?

- Oui, mon ami, c’est moi. Preciso de um favor muito especial.

- Claro, já terminei de gravar a notícia do nascimento do pequeno Richard, estou indo.

Ela se vira para a empregada, leva-a para sua suíte e a despe. Não é uma modelo internacional, mas o sangue latino faz maravilhas pelas curvas de uma mulher. Procura umas peças de emergência (...) que servirão bem nas escassas medidas da mexicana, apenas 1,58m de altura. Uma cigarrete tamanho médio (...) vai até os tornozelos dela, em cima vai uma blusa de crochê, com uma fina blusinha de alças em baixo, tudo preto. Aqueles cabelos indígenas são presos em um coque e a maquiagem leve realça a sensualidade natural da baixinha. Tobby chega, sai do Mercury Cougar e vai ver o que sua amiga, diva e líder deseja. Ele as vê descendo e arregala os olhos...

- Bonsoir, Tobby. O que acha? Comprometa-se a casar e pode comer, o que me diz?

- Eu pensei que fosse uma emergência, algo desagradável, mas... Anita, maldita! Me escondendo esse material esses anos todos, debaixo daquele uniforme??? É claro que eu topo!

- Pensando melhor, não fica bem a esposa de Tobby McGinnes fritar ovo pra mim! Você já me assessorou muitas vezes e muito bem, está promovida a secretária particular. Tobby, me arranje duas empregadas, para fazerem o serviço dela. É pra hoje, senão não tem casamento!

Ele sai e volta em menos de três horas, com três domésticas que já estavam traumatizadas com artistas canastrões (...) Agora vão trabalhar para Sua Majestade a Diva Jose De Lane. O tempo é suficiente para ela chamar um buffet emergencial, um juiz de paz, artistas amigos e a equipe de filmagem; porque isso vai para o Boa Noite Mundo (...) poderão sair em lua de mel, assim que Anita concluir o treinamento das substitutas. Josephine liga para Sunshadow, para jogar mais lenha na fogueira...

- Nancy, eu sabia que te encontraria na casa da Patty. Quero que espalhe a fofoca do ano! Anita, minha secretária, acaba de se casar com o Tobby!

- Meu Deus... Onde? Quando? Como?

- Em minha casa, hoje, de uma forma que você nem imagina! Te conto depois, agora tenho que gerenciar a festinha improvisada, enquanto eles se atiram às núpcias... Queria ver a cara dele, quando descobrir que ela é virgem.

Ele fica pasmo, mas não confuso, sabe muito bem o que fazer...

- É simples. Eu sou seu marido, você é minha esposa. A gente tira a roupa, você abre as pernas e deixa o resto comigo.

- Só isso?

- Sim, vai ver como é simples! Eu te ajudo.

Enquanto ela descobre cores novas no universo, Nancy sobe à suíte da filha e conta para todo mundo. Arthur (...) que explique a piada, porque está entorpecido com o nascimento do filho e não entendeu coisa alguma. Conversam em voz bem baixa, à meia luz, para não incomodarem o pequeno, mas isso não reduz a estupefação dos três.

Na manhã seguinte, duas bombas no show business, o nascimento do herdeiro de Patrícia Petty e o casamento surpresa de um dos maiores apresentadores de televisão do mundo (...) com poucas horas de diferença. Em um gueto de uma metrópole qualquer, um grupinho vê as duas notícias no jornal, enquanto viaja sem passaporte...

- Patty Petty e Tobby McGinnes, no mesmo dia??!

- Cara, a gente tá abusando das drogas!

- É isso aí, sister! Brothers, vamos parar por hoje que já tá dando overdose, aí!

- Então pede pro jacaré azul aí guardar pra mais tarde.

- Eu?? Por que eu? A droga é de vocês! Vocês que a guardem!

Em Sunshadow, Richard conhece sua primeira alvorada, em seu adorável lar. É levado ao jardim onde os pais pretendem que brinque a maior parte do tempo (...) O menino começa a acordar e explorar o ambiente, sentindo odores e sons. O motor de um Corvette Stingray ao fundo se mescla à queda d’água (...) Um La Sale vermelho conversível 1938 passa com o rádio ligado, tocando “I’m no more child”. Arthur conversa com Patrícia, esperam o pequeno se acostumar ao ambiente cheio de sons e saem à calçada (...) carros e pessoas param para eles passarem. Os populares se aproximam e se desmancham com o pequeno, no percurso. O jardim da praça tem outras flores, outras ervas e outros cheiros, deixando o pequenino atento. Quando Richard vai ver a caixa de correios (...) vê filha, genro e neto chegando a passos lentos e cuidadosos. Ele cuida de abrir o portão e verificar se há algo no caminho deles até a porta da sala. Nancy vai levar o lanche do marido e é pega de surpresa. O cheiro da madeira nobre que forma a casa, também impressiona o cérebro do bebê. Como tudo lhe é apresentado sob os cuidados e calor dos pais, os odores acabam sendo agradáveis. Entram e as gêmeas largam suas palavras cruzadas para recepcionar o sobrinho. O cheiro delas lhe é familiar. Patrícia põe o filho sobre as coxas unidas, puxa as irmãs, uma de cada lado e começa a costumá-las ao seu rebento. Não se diz muita coisa, apenas fica a casa dos avós ao redor daquela criaturinha frágil e repleta de esperanças.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LXXIII

    Desespero e poder. A estação 73 traz prantos e esperança, com eles os frutos inesperados de quem subestimou a própria semeadura. Embarquem e se recuperem do susto, o trem vai partir bem devagarzinho.


Patrícia sai da clínica com o envelope em mãos, entra no Volvo P1800 1970 (...) e vai feliz para o Jose’s Hotel. Facto inédito, desta vez fez questão de sair sozinha. Volta (...) cumprimentando todo mundo pelo caminho, já indo converter para Beverly Hills. Antes que entre, uma Chevrolet Apache (...) acerta o coupé a toda velocidade no lado da moça e foge. Os mais velhos ficam congelados, se lembram (...) quando Jose De Lane perdeu o marido, o filho que esperava e a capacidade de procriar. O Volvo capota e para de pé quase cem metros adiante. Os populares se dividem entre os que se desesperam e choram aos gritos, os que correm sem saber para onde, os que vão tentar ajudar e os poucos que têm a presença de espírito de ligar para Josephine.

Há paparazzi presentes, claro, eles sempre estão por lá. Photographam alucinadamente, para o caso de ser a última vez que registram Patrícia Petty Gardner (...) Dentro do sueco severamente danificado, presa pelo cinto, está um ídolo de milhões pelo mundo inteiro, inerte e ensangüentada, sem que o público tenha coragem de ver se o pior aconteceu.

Richard aparece afastando todos do caminho (...) arranca a porta do motorista com uma fúria animalesca, enquanto Paul Newman segura e ampara Josephine e Nancy, ambas se desmanchando em prantos e desespero (...) Mesmo enfurecido, Richard tem a frieza e os conhecimentos necessários para a ocasião. “Ela está respirando”, grita o mecânico. A ambulância não tarda, os paramédicos atestam que ela está aparentemente bem, mas escondem os exames, para não haver mais apreensão do que a já instalada.

O motorista da Apache foi perseguido e interceptado por fãs, que quase o mataram de pancada (...) é um dos fiéis de uma igreja radical que colocou na figura de Patrícia a encarnação do demônio. Na delegacia, ele não consegue dizer nada além dos dogmas que a lavagem cerebral impôs, e cuspir alguns dentes.

A notícia corre o mundo (...) com alguns apressados anunciando o óbito que não ocorreu, levando meio mundo ao desespero. A frente do hospital fica coalhada de gente, de jornalistas e de paparazzi. Arthur é levado trêmulo pelos outros cinco, não menos desesperados (...) Sobem para o apartamento e encontram duas mulheres com rostos rubros, de tanto chorarem. Rebeca, vendo sua amiga e confidente naquele estado (...) Se encontrasse o responsável, ele não teria mais do que cinco minutos de vida, mas está impotente. É acolhida por Josephine até que pare de soluçar (...) A maquinista do Dead Train está como seus seguidores jamais pensaram em vê-la, está frágil, inerte, fantasmagórica.

Apesar de a relatividade ter feito seu trabalho cruél, o desespero não dura muito. No início da noite ela desperta (...) tomando rapidamente consciência do que acontece à sua volta. Agora se lembra de ter iniciado a conversão e visto a grade da Chevrolet crescer a uma velocidade assustadora (...) fica aflita, se pergunta por seu filho...

- Hey! Somebody! Please, someone!

Nancy entra tempestuosa pela porta, quase a arrombando. Seguida de Richard e Josephine. Os outros (...) a ouviram gritar e também se puseram a correr...

- Mommy...

- My baby...

Os quatro se permitem chorar abraçados. Logo são dez chorando (...) a entrada dos médicos e enfermeiros. O médico de confiança de Josephine se pronuncia...

- Senhora Patrícia Petty, se realmente existe algum deus, ele ama os seus fãs. A senhora e seu bebê deveriam estar mortos, mas estão ilesos. Sim, eu evitei dar qualquer notícia até a confirmação dos exames (...) Patrícia está grávida.

Agora os choros são de alívio, mesclados com uma felicidade que causaria um choque perigoso para Arthur, se não tivesse acabado de tomar uma dose extra do medicamento para controlar a freqüência cardíaca. Ela ficará em observação por esta noite, mas amanhã cedo poderá voltar para casa (...) Rebeca voa para o hall, se lembrou do mar de fãs chorosos (...) Alguns juram que se sua líder e musa morrer, também se matam. Ela aparece, enrubescida, mas com um sorriso enorme que dá à multidão um fio de esperança...

- Galera! Hey! A Patty tá bem! Ela e o bebê estão bem!

Voltam a chorar, desta vez reproduzindo em escala quase astronômica a cena do apartamento. Alguns lamentam que a notícia não seja a pior, mas mesmo assim vai render muito dinheiro (...) Na manhã seguinte os onze aparecem, Patrícia nos braços do pai, cercada de gente e cuidados como se fosse uma flor rara e efêmera. Ninguém diz uma só palavra, além de agradecer o carinho que aqueles fãs demonstraram, passando frio e fome na vigília. Ela (...) infelizmente não pode abraçar cada um deles como gostaria e normalmente faria. Eles entendem (...) se aproximando com civilidade e recebendo o carinho de uma mulher jovem e fragilizada, mas íntegra e com sua beleza rara preservada, que começa a se assustar com o poder que percebeu ter (...) quer evitar que o fanatismo histérico se instale entre os maquinistas-fantasmas, como seus fãs ficaram conhecidos.

Já em casa, cuidando da filha, Richard recebe o relatório. A pick-up usava um compressor vagabundo, com pressão extremamente alta (...) o que explica um veículo de carga e com carga ter atingido o Volvo a estimadas 130MPH. Sua frente com quebra-mato reforçado fez o resto do serviço (...) A intenção era mesmo matar e ter certeza de ter matado Patrícia. Ele não pensava que fosse tão forte, quando arrancou a porta de um carro que, fosse outro, provavelmente não teria protegido sua filha, e mantendo a frieza que a ocasião demandou (...) Agora vai ver a gestante, que (...) entretém as irmãs com sua gravidez...

- Não, ele ainda é menor do que uma ervilha! Não vai responder a vocês!

As duas ainda estranham uma mulher grávida ter aquela barriga tão plana, querem ver por si a evolução da gestação, para isso pedem que o pai a photographe todos os dias, a começar por agora. Ele propõe que ela tire sempre a mesma pose (...) Ela fica de pé e de lado, à janela (...) com as mãos na barriga exposta, e ele dá uns três cliques (...) Toca a campainha, são os cinco companheiros com uma garota tímida...

- Irmã, ela estava na praça do trem, arranjando cara pra vir pra cá – diz Rebeca.

- Ron e eu estávamos discutindo relações exteriores na chocolateria, quando vimos esta menina agindo estranhamente na praça, olhando pra direção da sua casa, querendo e hesitando em avançar.

- Depois dos primeiros socorros, ela contou... É, ela desmaiou quando o Bobby se aproximou.

- Ela contou que veio pra ver se você estava bem, depois que acordou – diz Renata.

- No, caspita, não desmaia de novo! Encosta em mim e se segura até a gente terminar de falar! Ela veio de Los Angeles às escondidas e ficou sem jeito de vir te ver, então a gente a trouxe. É uma das que iriam se matar, se você morresse. Ei, bambina, parla...

- Oi?

Patrícia balança a cabeça, escancara um sorriso e estende os braços. A garota vai, chorando escandalosamente, dizendo que estava com medo de perder sua rainha (...) Rebeca solta...

- Tem quase um milhão de cartas no escritório, pra gente dar conta. Ah, e obrigada por ter quase morrido, ganhamos o disco de platina.

- Ra, ra, ra, ra, ra, ra... Falou, mas não se acostumem. Qual o seu nome, querida?

- Foster. Julia Foster... Tenho dezesseis anos.

- Ju, você pode me fazer um favor – pede, secando as lágrimas da fã?

- Tudo!

- Cite cinco defeitos meus.

- Você tem?

- Tenho, minhas irmãs que o digam (...) Eu sou muito mandona, chego às vezes a ser autoritária. Minha mania de perfeição já irritou esses cinco um monte de vezes. Tem uma Patrícia carrancuda e mal humorada que vocês não conhecem, e emerge com freqüência...

- É a mártir – diz Renata. Você tem que ver, é ela ficar preocupada e parecer que carrega o mundo nas costas.

- General Patrícia às vezes dá no saco – diz Rebeca. Mas a amamos assim mesmo, droga!

Patrícia tem um sucesso e um fracasso ao mesmo tempo. Consegue convencer a garota de que tem defeitos e que às vezes é melhor manter uma boa e segura distância de si. Entretanto, o fascínio por sua personalidade complexa se soma à paixão de fã (...) gestante...

- Sim, eu tenho qualidades, mas essas vocês conhecem de cor e o Matt faz questão de exagerar.

- Eu não exagero nada – protesta, chegando de New York, após apagar o incêndio do atentado. Oi, menina, foi você que veio sozinha da Califórnia?

- Não joga mais lenha na fogueira, Matt. Foi ela sim. Matthew, Julia Foster. Quer aparecer no jornal com a gente, Ju?

- Eu posso?? Posso mesmo??!

- Pode, depois de dar o número de sua casa para a gente avisar seus pais, que devem estar desesperados.

A fazem ligar para casa. Aliás, entrar na casa onde Patty Petty cresceu e viveu até se casar, é um êxtase! Leva um sabão da mãe (...) Patrícia pega o aparelho e explica que é melhor eles virem a Sunshadow do que Julia voltar sozinha a Los Angeles. Agora algumas perguntinhas básicas...

- Você comeu? Tem algum problema de saúde?

- Comi um sanduíche de atum, na viagem. E eu sou saudável, só tenho uma miopia leve.

- Deixe comigo, irmã, vou preparar algo para ela se alimentar direito.

- Rebby é a melhor cozinheira de Sunshadow. Um dia nós vamos nos casar.

Rebeca sabe que quando alguém diz “sanduíche de atum”, quase sempre se resume a um pouco de patê (...) o termo “sanduíche” é muito amplo e maleável para ela poder processar alguém...

- Ju, você gosta de azeitona?

- Eu amo azeitona! Meu pai sempre leva pra casa, quando volta do supermercado.

A advogada percebe que pode conseguir informações preciosas (...) com perguntas bastante triviais (...) ela solta coisas interessantes sobre sua vida, quase sem perceber. Patrícia agradece pela ajuda. Faz uma porção grande, para todo mundo poder comer junto e arrancar mais coisas da visitante, durante a refeição. Fica fácil para Nancy descobrir que ela tem uma boa vida, mesmo sem luxos, mas fica solta e sem muito o que fazer quando sai do colégio (...) Concluem que ela já tem idade para ganhar seu próprio dinheiro, que coincide com a idade para arranjar encrencas (...) O corpinho rechonchudo, ainda longe da obesidade, dá pistas do que faz com suas longas tardes livres. Patrícia olha para o pai. Princess e Brain conversam por sinais secretos, acertam que algumas coisas ela pode e deve saber, até para verem se muda de comportamento e assim se torna um alvo potencial a menos para o mundo horroroso que bate à porta. Vão à praça do quintal, onde Matthew clica a reunião do Dead Train com a família da líder e sua fã impulsiva. Neta de mexicanos, Julia se empolga (...) solta tudo o que eles querem saber. Patrícia e Richard tomam sua vez (...) sobre transformações perigosas que a civilização sofrerá em poucos anos; a banalização da violência, crises cada vez mais freqüentes, o assédio agressivo e cada vez mais precoce à sexualidade, os ataques de neonazistas, líderes comunistas se fazendo de coitados e outros refugos do gênero. Deixam Julia assustada, mas muito melhor informada do que o cidadão médio...

- É por isso – diz Patrícia – que nossas canções têm os teores que têm. Eu não quero que você fique no caminho dessa roda maldita, por isso gostaria que arranjasse um trabalho para ficar longe das ruas, quando não for absolutamente necessário. Eu trabalho com meu pai desde menina, na oficina dele.

- Mas eu não sei fazer nada!

- Seus pais têm uma filha maravilhosa, mas tentando lhe dar conforto, foram negligentes – diz Richard. O que você gostaria de aprender? Acho que um curso profissionalizante lhe cairia bem, nós mantemos vários pelo país.

- Eu só sei comer... E dançar também...

Patrícia acolhe a cabecinha atônita da garota. É talvez a primeira geração que sofre com o excesso de facilidades (...) Renata faz seu papel de psicóloga, pergunta se ela realmente quer seguir a banda, se parecer com eles de alguma forma...

- Quero! É tudo o que eu quero!

- Ok, mas tenho que alertar para as letrinhas miúdas do contracto. Nós seis sempre tivemos vida dura, o conforto e os recursos que temos hoje nos custaram caro, você não sabe dos ataques que já sofremos, a mídia não mostra nem metade deles. Se você quer realmente ser uma maquinista-fantasma, terá que abrir mão de algumas horas diárias de folga, se empenhar em coisas úteis, resistir aos apelos das amigas para sair todas as noites, enfim... Nem sempre é divertido ser uma ghost-driver, nos comunicamos todos os dias com fã-clubes e sempre temos relatos de gente que desistiu no meio do caminho, porque a comodidade que esse mundo oferece é muito conveniente, sempre tem uma propaganda ou um programa de televisão a te cutucar para você fazer comparações, mostrando garotos aparentemente felizes em horas de lazer, comendo alguma bobagem ou até fumando. Vai precisar ter uma determinação talvez maior do que a que teve, viajando sozinha, meu Deus, de Los Angeles até aqui.

- Parece difícil mesmo! Mas se eu não tentar, eu não vou saber se consigo...

- Maluquinhas, venham aqui.

- Por que chamou a gente de maluquinhas?

- E por que vocês atenderam? A carapuça serviu? Patty, empreste suas irmãs para conversarem com a Julia. Vamos deixá-las aqui por uma hora e cuidar de um assunto pendente. Sim, Julia, é um teste e o facto de você saber disso, não vai mudar o resultado.

Entram na casa. As meninas olham para a visitante, a encaram com um olhar de dar medo (...) Renata diz que se metade do que eles falaram lá fora for verdade, a banda será necessária enquanto os seis estiverem vivos, porque psicologicamente, ainda que o cronograma apresentado funcione, o efeito manada fará a população permanecer neurótica por trinta anos ou mais (...) o Dead Train teria oitenta anos de carreira pela frente, como uma banda relevante. Enzo conclui que precisarão deixar descendentes (...) falando sério.

Nancy vai à porta da cozinha, afasta a cortina e vê as três conversando e brincando. Chama os outros para verem a cena (...) Renata observa aquilo pasma...

- Gente, nós temos uma apresentadora de televisão no quintal! Nós iriamos perder um talento por causa de uma educação totalmente equivocada!

Ao fim da hora acertada, eles saem já com idéias do que podem fazer pela garota. Não vão apresenta-la a Tobby, querem que (...) lapide ela mesma sua carreira, a encaminharão ao Dead Train Fan Club of Los Angeles para que a orientem.

No fim da tarde Richard atende novamente à porta. É assustadora a visão aquele Hulk branquelo tomando toda a extensão da porta, mas lá estão os pais de Julia, constrangidos (...) Ele os chama para uma conversa com professora Nancy, enquanto a garota conhece a cidade com seus ídolos. Conversam seriamente a respeito (...) das chances de vida que mostrou estar desperdiçando nas ruas de Los Angeles. Nancy explica de modo didático os talentos que a ociosidade estava tolhendo, pedindo encarecidamente que não negligenciem mais a filha. Conseguem sensibilizar o casal (...) um filho de mexicanos típicos e uma loura de arrasar quarteirões. Fazem questão de que pernoitem lá e sigam para casa pela manhã, já descansados (...) No final das contas, a aventura da adolescente serviu aos propósitos da organização, Josephine fica feliz em saber da actuação dos dois e dos resultados obtidos.

&

A diva aparece no dia seguinte, reclamando que Patrícia se agitou demais para o estado de saúde em que se encontra (...) A examina milimetricamente e revê as recomendações por escrito do médico. Se impressiona com a quantidade de ateus que acabam amparando a pupila, começando pelo pai, passando por Tobby e agora o médico (...) só para citar os mais expressivos. São samaritanos, pensa a francesa, bons samaritanos...

- Entenda, chérie, a sua importância para mim excedeu em muito os limites pessoais. Você é uma agente valiosa para a organização.

- Tudo o que fiz até agora foi ter algumas deduções e coordenar três operações.

- Isso não é pouco. Você nem mesmo tinha acompanhado aquelas operações desde o início e conseguiu uni-las em uma só!

- Acho que foi o meu curso de engenharia mecânica. Sempre vejo a engenharia dos acontecimentos, a estrutura dos parâmetros, as linhas de força dos acontecimentos...

- Visão essa que você colocou nos negócios da banda, facilitando muito a vida de Enzo.

- Me desculpe, Jose, agora eu é que serei coruja! Minha filha é um gênio! Mas basta de conspirações internacionais, vamos tratar de estocar gasolina depois.

Passam a simplesmente mimar a gestante. Todos os dias possíveis Richard e Patrícia vão ao mesmo lugar, à mesma hora, tirar três poses dos mesmos ângulos, com ela usando a mesma blusa verde de mangas longas e a mesma saia média preta (...) Não deixa de ser a executiva austera e eficaz que sempre foi, mas os outros passam a não colocar em suas mãos o que não for absolutamente necessário. A proeminência abdominal é cercada de cuidados no inverno, com Carolina aparecendo pelo menos duas vezes por mês para monitorar a evolução do primeiro neto, aliviando o trabalho de Nancy...

- Não precisa me carregar, Carol.

- Não estou te carregando, estou evitando que escorregue e caia.

- A neve nem começou a cair!

- Então vamos treinando...

Apesar do exagero, Patrícia não se aborrece (...) apesar da fama de mulher austera e rigorosa que já corre o país. Quando têm um show, uma entrevista ou uma filmagem, os cuidados são redobrados. Os fãs precisam ser controlados e os paparazzi devidamente domados (...) O último compromisso da banda no ano é festivo, no Boa Noite Mundo...

- Você é a gestante mais linda que eu já recebi no meu programa, nestes vinte e seis anos no ar! E que susto você nos deu!

- Susto tive eu, Tobby! Eu, vendo aquela grade crescendo na minha frente, sem eu ter tempo para reagir! Eu ia contar para todo mundo sobre a gravidez, fiquei desesperada quando acordei no hospital e me lembrei do acontecido! Não pensei que meus inimigos pudessem chegar a tanto!

- Esses inimigos, Patty, como você os ganhou – como se ele não soubesse?

- Como todos os outros da banda, eu emiti e sustentei minhas opiniões. Não se impressione com o calendário e a tecnologia moderna, a mentalidade não evoluiu como parece, especialmente quando o alvo da discórdia tem uma vagina.

- Ainda mais se essa vagina comanda negócios prósperos – completa Enzo.

- Sim, tem mais esse ponto. Um fã nos mandou uma pergunta pertinente, ele nos perguntou se, nos bastidores, uma epidemia de dor de cotovelo não motivaria a maior parte desses desafetos.

- Aqui! Vejam o tamanho da aliança. Vejam o tamanho da barriga. Duvido que metade seja por esse motivo, já afrontamos muita gente com o nosso trabalho. Os que porventura forem, que tomem juízo e procurem alguém para curar seus cotovelos.

- E já apareceu alguém se declarando?

- Por carta... É uma saia justa... Não fiz contabilidade, mas já foram vários... E várias.

- Mulheres também?? É só com ela, ou vocês...

- Todo mundo quer uma aventura com uma celebridade, Tobby – diz Renata. Não que seja a intenção de todos eles, mas faz bem ao ego.

- Foi bom você ter se manifestado, Renata, não só pela sua colocação tão oportuna. Matt, saia desses bastidores e venha ao palco, o assunto te interessa.

Entra sob aplausos (...) Princess olha para o agente Doom, ele devolve um sorriso cínico e tira um envelope debaixo de sua mesa...

- Bobby, abra um espacinho aí... Matt, sente-se e abrace sua esposa. Não, não é só isso, já vai saber o que é, você e os seis também. Nossa eterna diva Jose De Lane não se cansa de olhar por vocês, por isso os persuade a fazerem exames periódicos, não raro freqüentes de saúde. Vocês estão todos bem, graças a ela e ao tipo de vida que levam, vocês oito; Patrícia e seu bebê, Rebeca, Ronald, Bobby, Enzo, Renata e seu bebê...

A perplexidade toma conta do auditório, Josephine assiste a tudo com um sorriso escancarado, esperando pela reação dos sete, especialmente do casal...

- Não caiu a ficha, Tamasauskas? Veja os exames, Renata está grávida.

Só patrícia fica olhando, os outros a carregam pelo palco, fazendo a festa. Em Sunshadow Eddie acolhe os pais, que choram abobalhados de felicidade. A pequena quer fazer o mesmo que Richard (...) photographar a irmã e acompanhar o desenvolvimento da gestação, nos mesmos moldes. Theodore e Emily fazem a fuzarca na sala, era só o que faltava vir do filho caçula.

domingo, 28 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LXXII

    O mundo está desabando. Mas a estação 72 mostra que isso não é motivo para cortar os pulsos ou se trancar em um mosteiro. Embarquem e vão viver, o trem já partirá.


Voltam de um dueto de bandas, Dead train e Bee Gees cantaram e gravaram clipes para um álbum conjunto. Renata ficou encantada com os gritinhos do Berry, nas novas canções (...) Os nove conversaram, nos intervalos, sobre a quantidade de garotos que têm saído de casa acreditando que ganhariam o mundo, ou se aventurando em comunidades hippies radicais, fugindo do mundo com o abuso de drogas, a maioria absoluta quebrando a cara (...) Na casa de Patrícia, já descansados da maratona, eles se reúnem para dar corpo à canção...

- Rebby? Rê? Bobby? Ron? Enzo? Prontos? Agora... Kiss your daughter now, the world will not have it the love that she needs. Hug your son today, he will not have you, when it is lost in the night. Do not drain your tears, do not trow them on the frustrations of your job...

A parceria com os irmãos os ajudou a se desvencilhar dos ritmos dos anos sessenta (...) embora a banda nunca tenha seguido tendências alheias, mas as influências sessentistas estavam lá. Em uma tarde conseguem terminar “Hug Now”, a registram no computador e mandam para o escritório central, por telephone, para registro burocrático e posterior acréscimo ao próximo álbum. Terem feito um empreendimento, em vez de serem apenas uma banda agenciada, foi a melhor escolha que poderiam ter feito; não a mais cômoda, nem de longe, mas a melhor. Chamam suas famílias para ouvirem o resultado de uma semana de trabalho, na gravação simples que fizeram mesmo (...) a sala de pé direito duplo vira um salão de carpideiras e seus pais fazem exactamente o que a canção apela que os outros façam. Robert e Norma, em especial, temiam estar, sem a fundação da banda, agora chorando a ausência dos filhos. Ele ainda se considera um bronco ignorante e evita dar palpites, só Rebeca consegue tirá-lo de seu casco.

Chuck liga para Richard, o telephone computadorizado passa a ligação para a linha privativa de Patrícia. A notícia tem a ver com a canção. Prenderam um acusado de assassinato, que era membro de uma comunidade que pregava a mais radical acepção de “amor livre”, onde ninguém sabia quem era filho de quem, o que os fazia acreditar que assim todos cuidariam das crianças como se fossem suas. Não foi bem assim, seria necessária uma uniformidade genética muito grande (...) Um negro dificilmente teria um filho branco com uma loura e os ciúmes começaram a emergir (...) Provável pai, mãe e até a criança que motivou a discórdia foram enterrados como indigentes, por absoluta falta de pistas de suas origens. Richard fez questão de que todos ouvissem...

- Caríssimos, o declive de que lhes falei já começou. Acabamos de entrar na era dos radicalismos, preparem-se para a banalização das atrocidades.

Ele e a filha vão à chefatura, enquanto o detido tem seus dados cadastrados no computador da polícia (...) o sotaque dá pistas de que vem de Minnesota. Os longos anos na estrada dos hoje policiais, dão a única pista que têm agora. Ligam para Saint Paul e mandam uma dupla policial de motocicletas para lá, com as digitais colhidas. Houve um início de tumulto, todo mundo se ofereceu para voltar à estrada...

- Ritchie, o cara tava doidão! Tentou atirar em nós com um secador de cabelos!

- “Estava” doidão? Ele parece estar xavecando aquela lagartixa – diz Patrícia.

- Combina com o grau evolutivo dele, como diria Renata – arremata Richard. Mas você não nos chamou aqui só para presenciarmos esta cena deprimente.

- Não. Crazy Horse apreendeu isto em uma das tendas. Os outros disseram que o dono rapou o pé assim que despontamos no horizonte, para recolher os corpos. Cara, eu queria estar morto pra não voltar a ver isto! Levei um tiro no peito, que quase me matou, justo pra limpar o mundo desses desgraçados!

- A suástica corrompida. Com licença, vou avisar aos outros.

- Alguém ocupou o vácuo da Cascavel Branca. Mais alguma coisa?

- E precisa mais que isso, Ritchie?

- Não. O que mais tinha naquela caixa, além deste lixo?

- Objectos pessoais... É, irônico né? Numa comunidade que pregava a ausência da propriedade, o cara tinha artigos caros de higiene pessoal, grana, toalhinhas “lindas” como essa aí, além de recortes de jornais.

- Deixe eu ver... A hipocrisia nunca foi unilateral... Vão usar as nossas falhas para negar o holocausto, espere para ver.

- Mesmo com a própria Alemanha afirmando??! PORRA, RITCHIE!!! PORRA!!! Levei tiro à toa, cara?! À TOA??!!

Patrícia volta após ter alertado os outros agentes, quando ouve o pai conversando com o General Nelson. Ela compreende a mensagem cifrada, compreende e tem consciência de sua gravidade (...) Fazem uma varredura em Michigan e identificam de imediato os possíveis neonazistas em cargos públicos, todos acima de qualquer suspeita, mas estão entre os que travavam o casamento de Rebeca e Ronald. Josephine alerta os agentes alemães a respeito e pede urgência no envio dos dados. Por desencargo de consciência, mesmo sabendo o quanto são travados pela burocracia e pela pressão política, CIA e FBI são postos a par do que foi descoberto, mas nem pensem em saber o que a organização pretende fazer a respeito, ela não lhes deve satisfações.

&

Apesar dos desgostos do mês anterior, a cidade volta a ter festa. Renata celebra o casamento de Mikomi e Robert (...) Rebeca, quase irreconhecível, irradia um brilho imenso nos olhos, emoldurados por um sorriso meigo e vasto, nem se lembrando que há pouco estava proibida de se casar com seu namorado (...) Assim que a sacerdotisa os libera, Rebeca quase os estrangula com um abraço sacolejante. A animação fica a cargo deles mesmos, apesar de alguns colegas de profissão estarem presentes. Josephine e Bart, padrinhos do noivo, paparicam Mikomi Spring enquanto seu marido canta com os outros. Norma e Robert esperam estar vivos para verem Rebeca no altar com Ronald.

Enzo e Silvia são os próximos (...) Por agora os quase sessenta e cinco mil habitantes da cidade, mais uma penca de fãs que viajaram só para prestigiá-los, festejam com os seis e suas famílias. Aproveitando o ensejo, William vai ter com Arthur, ciente do que reza a cartilha do príncipe consorte, de mãos dadas com Carolina...

- Eu queria aproveitar a ocasião para deixar algumas coisas claras... Você sabe que o nosso namoro já foi um tanto longe...

- Sim, eu sei, estou de olho em vocês dois faz tempo!

- Fosse com a Susie, eu teria a mesma atenção... Que infelizmente não tive no tempo certo... Well... Arthur, eu não quero mais que a sua mãe volte para o Brasil.

- Só tem um jeito. Se for casamento, eu não faço objeções, levo vocês dois agora para formalizarem a união.

- Agora não, eles têm que ter sua própria festa de casamento – diz Patrícia! Pede logo, Will!

- Carol, você quer virar cidadã americana? Quer se casar comigo?

- Quero...

Eles levam os pombinhos para frente, para todo mundo (...) servir de testemunha. O casamento é à tarde, a casa de Patrícia está cheia de crianças, o que a obrigou a colocar um portãozinho ao pé da escada, para evitar acidentes. Mas algumas dão trabalho, Eduarda desce com Eddie nos braços e Susie com Heliot debaixo do braço, ambas querendo saber como eles conseguiram subir (...) Eddie olha para Audrey e Melinda, com ar de vitória...

- Eu subi!

Ela estende a mãozinha esquerda e recebe uma bala de cada uma, mas as tem confiscadas (...) pensa em tirar satisfações, mas se encolhe quando vê que é a irmã...

- Muito bonito, Eddie Rodrigues Ribeiro Rocha! E vocês duas, venham conosco, vamos falar com sua irmã a respeito!

Não foi por terem burlado regras, foi por terem feito por motivo torpe: aposta. As duas nunca tiveram vida mole, não querem que as irmãs se acostumem a ela. Patrícia olha para as irmãs, lá de cima, e encarna Nancy...

- Me expliquem isso, mocinhas!

São as três postas de castigo, cada uma em uma suíte (...) É o tempo de as amigas discutirem com seus pais a respeito, e das três meditarem sobre o que podem e o que não podem fazer. Isso horrorizaria alguns pedagogos modernos, mas Zigfrida endossa a providência, só ressalvando que meia hora geralmente é o bastante (...) trazem as três de volta à festa, já com alguns pontos acertados, vão arranjar algo para ocupar parte de suas horas vagas.

A festa termina pouco depois de os recém casados partirem para sua lua de mel, em local sigiloso, deixando um casal maduro e uma moça de pavio curto suspirando em Sunshadow.

&

Gravam um especial de natal com outros músicos, em New York. Os músicos de apoio do Dead Train estão no meio da orquestra (...) Durante os intervalos, os seis avaliam o desempenho da companhia de logística. Compraram boas participações de alguns patrocinadores fiéis, passando de prestadores de serviços para acionistas ordinários. Caminho oposto ao de muitas novas estrelas, que estão apostando alto em bancos que oferecem taxas (...) que os outros não conseguem oferecer. Bem, os seis aprenderam com Richard, desde cedo, que não se deve comprar dinheiro, deve-se ganhá-lo com trabalho. Dinheiro é documento de troca, não mercadoria, a quebra de 1929 ensinou isso, mas parece que as pessoas estão esquecendo rapidamente. Os seis aprovam os resultados, assinam e mandam para o escritório da logística. Chega o momento de cantarem com a que Patrícia chama de “A voz mais maravilhosa que já apareceu no mundo”, vão cantar com os irmãos Carpenter. A forte tendência de Richard proteger Karen salta aos olhos treinados do sexteto. A tendência dela de se comparar a outras mulheres (...) como Patrícia, também. Vão à primeira canção, fazem um coral para Karen cantar “Ave Maria”.

Cantam oficialmente “Hug Now” pela primeira vez. O apelo pela coesão familiar casa bem com a proposta de um especial de natal, mas alguns (...) já rotulando de caretice e apego ao passado. A música tem elementos de rock, mas uma cadência lenta e melancólica (...) Os Carpenters e a maioria dos músicos presentes adoram. Aquele toque distorcido de guitarra, como em um ambiente aquático, cai no gosto até de quem não gostou da música.

Uma semana depois sai o clipe da obra. É uma ligeira novela que mostra uma família negligente, que educa os filhos (...) sem atentar para sua formação. Os pais brigando na frente das crianças, descontando nelas as suas frustrações diárias, em seguida os dois crescendo e se tornando rebeldes (...) Um dia eles somem, os pais começam a brigar até se darem conta do erro que têm cometido. Encontram a filha na sarjeta, com marcas e traumas indeléveis, e o rapaz em uma gaveta do necrotério. Em cada cena aparece um dos seis, como cantor e observador etéreo (...) conseguem chamar muita atenção não só para o novo álbum, também para a mensagem da canção.

No dia seguinte Josephine os chama, um productor dos estúdios quer fazer um filme baseado no clipe (...) Assinam toda a papelada e eles começam a preparar tudo, serão apenas dois actores fixos, poucos cenários e algumas locações, esperam lançar o filme em um ano. Apesar das agruras e desgostos deste início de década, os seis prosperam (...) aplicando seus rendimentos em productos e serviços, nunca em papéis que valerão uma fortuna daqui a um mês. Nos bastidores a organização já se cansou de avisar ao serviço secreto oficial, está por sua conta investigando indícios de lavagem de dinheiro do crime organizado por detrás dessas ofertas irresistíveis. Faltam apenas provas materiais vinculantes.