domingo, 7 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LII

   Meia nação! A estação 52 tem uma brecha na cortina de ferro, que nunca foi o que seus idealizadores queriam. Vocês são livres para embarcar no trem, já vamos partir.


As notícias chegam a Frankfurt antes deles. Robert é recebido por cartazes de “Também quero experimentar”. Patrícia adora sair um pouco do foco, mas a alegria dura pouco, alguns cartazes de “Ainda há tempo, case-se comigo” pipocam pelo caminho (...) Na Alemanha ficarão mais tempo, ainda têm Berlin e Stuttgart para fazer shows. Então vão para Berna e pulam para Copenhagen. Por hoje, porém, têm uma visita a fazer à presidente do fã clube, assim que se estabelecerem e fizerem uma refeição leve.

Deixam os novatos descansando (...) Vão em uma VW Bus, com um DKW F 102 atrás, para não chamarem atenção. O endereço, pelo que vêem, é uma lanchonete com um sobrado em cima. Encontram uma garota de cabelos negros curtinhos de costas, fazendo uma contabilidade. Patrícia toma a frente, com o envelope em mãos...

- Bom dia, pode nos dar uma informação?

- Bom dia. Me desculpem, mas não posso dar muita atenção, estou ocupada.

- Só queremos saber – diz já ciente do modo alemão de ser gentil – se Anette Schroeder mora neste sobrado.

- Sim, mora e sou eu. O que dese... – ela arregala os olhos, faz cara de quem vai desmaiar e grita – MEIN GOTT!!!

E desmaia. Lá se foi a discrição pretendida, a lanchonete vira um formigueiro (...) Quando acorda, ela tateia freneticamente o rosto de Patrícia, balbuciando “Você existe!” até cair em si (...) e a alemã se desculpa pelo vexame...

- Tudo bem, isso é rotina. Viemos trazer um envelope do fã clube de New York.

- As photos!

O que deveria ser apenas uma visita, acaba virando flash de programa de televisão. Enquanto isso, em Sunshadow, Nancy se certifica de (...) que não será incomodada. Pega um disco e põe na vitrola, para poder ouvir a voz da primogênita. Não põe no começo, acaba colocando em uma faixa aleatória e cai em “One Piece Missing”...

- “This home, today, that was the exact size, was full of good feelings and the more pure love. Now is so cold and so big, because the heart that walked here, was away from me...

Every night I hear in this house my memories playing the piano. Every rains I see”...

Agora sim, ela chora (...) Fester entra discretamente na casa e vê a irmã se debulhando em lágrimas, pela música pode deduzir o motivo. Não tira a agulha porque talvez cause um choque perigoso, então simplesmente se senta no braço da poltrona, o que normalmente renderia uma panela voando, e acolhe sua cabeça loura (...) Ele iria dizer que viu o flash da tevê alemã...

- Por que isso, Nancy?

- Eu quero a minha filha.

- Patrícia não é uma boneca, irmã, ela não pode ficar guardada na estante... Pronto, estou falando igual à mamãe! Se bem que... Eu acho que matei a charada! Você está enxergando a mamãe na Patrícia, Nancy?

Ela (...) admite intimamente que faz sentido. Patrícia ocupou o lugar da avó na cidade inteira. Por agora, porém, está entretida com os estudos em grupo, sob a supervisão de Richard (...) Terminam rapidamente de corrigir os exercícios e vão descansar suas cabecinhas juvenis. A líder da banda simplesmente coloca um disco de Mireille Mathieu e fecha os olhos, para reordenar os pensamentos e sair um pouco do raciocínio acadêmico.

&

Hora de ensaiar pesado, e Deborah levar suas mãos ao limite. Patrícia tem certeza de que a mãe chorou, ela não disse, mas a voz estava com indícios de embargo. Depois lerá o diário da avó (...) por agora precisa se concentrar, têm shows em mais duas cidades, embora permaneçam hospedados em Frankfurt. Termina de checar o som, agora é hora de afinar as vozes com música, para a alegria de membros do fã clube, dos operários e da imprensa que os acompanha na turnê, além de três agentes secretos que trocarão informações com Richard assim que terminarem de tietar. Voltam ao hotel (...) Vão tomar um banho, comer algo leve e depois a sesta, para estarem todos em forma quando o show começar. Deborah vai mergulhar as mãos em salmoura morna, para a maratona da noite. Matthew manda material para o jornal e Richard encaminha os agentes para seus destinos. É tudo o que todos têm a fazer, até a hora de irem para o batente.

Em Boston, Nelson começa a rir. Ele lê a mensagem ilustrada, dá seu aval e continua rindo (...) No começo a cidade foi formada por ladrões, prostitutas, trapaceiros, negros fugidios, gente que foi à falência e pessoas que simplesmente não se enquadravam. Agora será repovoada por agentes secretos aposentados, sob proteção, com identidades trocadas (...) nenhum dos quarenta e três agentes vai sozinho, só esperam pelo fim da turnê para se fixarem com suas famílias em Michigan, na pequena e nunca mais pacata Sunshadow.

Em alguma redação de algum jornal qualquer, de algum rincão dos Estados Unidos, alguém assina com um pseudônimo uma matéria intitulada “Eles fariam tanto sucesso se elas não fossem tão bonitas?” polemizando a carreira do Dead Train, ignorando por completo a qualidade da obra (...) Bate na tecla em praticamente todos os parágrafos, enquanto ouve “Back to Sunshadow”.

Elas, por sua vez, estão se preparando para o show, porque na Europa já está anoitecendo. Rita desce ajeitando os cabelos (...) quer ver a cara da mãe quando voltar de cabelo todo crespo a Detroit. Atrás dela estão os outros novatos, sorrindo de orelha a orelha pela chance de conhecer a Europa e ainda ganhar por isso (...) O melhor de tudo, para os doze, é serem considerados parte da banda. Embarcam alguns minutos antes do prazo, para irem com calma e poderem se concentrar para a apresentação. A disciplina e o perfeccionismo da banda encantaram os alemães, acostumados a ouvir horrores disciplinares sobre os americanos.

A recepção dos fãs, quando vêem o ônibus, é bem mais contida (...) mas a reação da presidente do fã clube desmente o mito de frieza e indiferença. Rebeca tira meio corpo pela janela e os atiça, então eles se assanham. Está tudo como pediram, tudo simples, sem distrações (...) A sofisticação fica na assistência médica e de massagem. Se alongam e aquecem as vozes, até serem chamados. Quando a hora está próxima, os novatos vão ao palco e tocam um jazz para aquecer o público. Os seis se aproximam da entrada de mãos dadas, como já é tradição, aguardando serem chamados. Rita vai ao microphone e anuncia...

- Meinne damen und herren, wird die show zu starten. The Dead Train!

A plateia vai ao delírio. A negra ensaiou dezenas de vezes para pronunciar correctamente. Eles sobem ao palco e o estádio vem abaixo. Começam com “Dead Train”, depois “Resignation”, então vem a preferida dos alemães, “Forgotten”. Conversam um pouco com o público, interagem, voltam a cantar e vão para o intervalo. Deborah entra em ação preventiva...

- Você está cada vez mais parecida com a sua avó materna, parece que olha todos os músicos como se fossem seus alunos.

- Levarei isso como um elogio.

- Nem tanto, sobrinha, nem tanto. Naomi sofreu muito por isso, acabou se sentindo responsável por todo mundo em cada drama que as pessoas viviam.

- A Frida me alertou sobre isso.

- E eu reitero. Tome cuidado, alguns daqueles músicos poderiam ser seus pais, trate eles como adultos.

Passa para Renata. Patrícia vai à fruteira, comer algumas uvas, pensando no caso e sendo observada pelo pai (...) decide passar o restante do intervalo descansando a cabeça no ombro do genitor. Voltam em cinco minutos e cantam sem intervalos, só tomando cuidado com o tom, porque amanhã e depois têm mais shows.

&

Em Berlim, eles se deparam com um estranho carrinho fumacento (...) Richard se inteira, é um Trabant, seus ocupantes devem ter acabado de escapar da Alemanha Oriental. Ele vai aos fugitivos, conversa um pouco e consegue informações fresquinhas, que repassará imediatamente. Lhes consegue um teto temporário e alguém que lhes ensine as artimanhas e os perigos de um país de economia capitalista. Ficou horrorizado com o tanque de combustível na frente (...) é mais perigoso até do que as motocicletas, onde pelo menos há ventilação permanente.

Volta para o ensaio com as pilhas de revistas que a filha pediu, e photographias do carrinho comunista. A moçoila adora a novidade e ele promete lhe conseguir maiores informações técnicas. Elas chegam em algumas horas e são de arrepiar os cabelos, o carro é praticamente feito de restos de qualquer fibra que esteja disponível (...) e absolutamente nenhuma noção de segurança, ao contrário dos carros de luxo que os membros do alto escalão do governo usam, mas tem sido a mula de escape de muitas famílias, já que é proibido sair de lá sem uma autorização que está além dos direitos do cidadão comum.

Voltam aos ensaios, para depois se pouparem até a hora do show. Lá fora, vendedores de bugigangas relacionadas à banda, por “coincidência” o primeiro trabalho do homem que trouxe a família à República Federativa da Alemanha. Ele fica impressionado com a canção “Forgotten”, poderia colar a letra em todos os postes da Alemanha Oriental, se isso não fosse lhe custar a vida.

A banda descansa no local (...) preparado para isso. À noite eles têm até mais tempo para a arrumação e tratar da afinação. A estratégia é acertada e repetida em Stuttgart, onde se despedem de um país que pagou com uma amputação dolorosa, o erro de um passado recente. Voltam para Frankfurt, exaustos, mas aptos a um dia de descanso que precederá os trabalhos em Berna. Renata já está fazendo um trabalho de meditação coletiva, para que resistam à tentação dos chocolates suíços e não comam mais do que um tablete por dia.

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