Meia nação! A estação 52 tem uma brecha na cortina de ferro, que nunca foi o que seus idealizadores queriam. Vocês são livres para embarcar no trem, já vamos partir.
As notícias chegam a Frankfurt antes deles. Robert
é recebido por cartazes de “Também quero experimentar”. Patrícia adora sair um
pouco do foco, mas a alegria dura pouco, alguns cartazes de “Ainda há tempo,
case-se comigo” pipocam pelo caminho (...) Na Alemanha ficarão mais tempo, ainda têm Berlin e Stuttgart para fazer
shows. Então vão para Berna e pulam para Copenhagen. Por hoje, porém, têm uma
visita a fazer à presidente do fã clube, assim que se estabelecerem e fizerem
uma refeição leve.
Deixam os novatos descansando (...) Vão em uma VW Bus, com um DKW F 102 atrás, para não chamarem atenção. O
endereço, pelo que vêem, é uma lanchonete com um sobrado em cima. Encontram uma
garota de cabelos negros curtinhos de costas, fazendo uma contabilidade.
Patrícia toma a frente, com o envelope em mãos...
- Bom dia, pode nos dar uma informação?
- Bom dia. Me desculpem, mas não posso dar
muita atenção, estou ocupada.
- Só queremos saber – diz já ciente do modo
alemão de ser gentil – se Anette Schroeder mora neste sobrado.
- Sim, mora e sou eu. O que dese... – ela
arregala os olhos, faz cara de quem vai desmaiar e grita – MEIN GOTT!!!
E desmaia. Lá se foi a discrição pretendida,
a lanchonete vira um formigueiro (...) Quando acorda, ela tateia freneticamente o rosto de Patrícia,
balbuciando “Você existe!” até cair em si (...) e a alemã
se desculpa pelo vexame...
- Tudo bem, isso é rotina. Viemos trazer um
envelope do fã clube de New York.
- As photos!
O que deveria ser apenas uma visita, acaba
virando flash de programa de televisão. Enquanto isso, em Sunshadow, Nancy se
certifica de (...) que não será
incomodada. Pega um disco e põe na vitrola, para poder ouvir a voz da
primogênita. Não põe no começo, acaba colocando em uma faixa aleatória e cai em
“One Piece Missing”...
-
“This home, today, that was the exact size, was full of good feelings and the more
pure love. Now is so cold and so big, because the heart that walked here, was
away from me...
Every
night I hear in this house my memories playing the piano. Every rains I see”...
Agora sim, ela chora (...) Fester entra discretamente na casa e vê a irmã se debulhando em lágrimas, pela
música pode deduzir o motivo. Não tira a agulha porque talvez cause um choque
perigoso, então simplesmente se senta no braço da poltrona, o que normalmente
renderia uma panela voando, e acolhe sua cabeça loura (...) Ele iria dizer que viu o flash da tevê alemã...
- Por que isso, Nancy?
- Eu quero a minha filha.
- Patrícia não é uma boneca, irmã, ela não
pode ficar guardada na estante... Pronto, estou falando igual à mamãe! Se bem
que... Eu acho que matei a charada! Você está enxergando a mamãe na Patrícia,
Nancy?
Ela (...) admite
intimamente que faz sentido. Patrícia ocupou o lugar da avó na cidade inteira.
Por agora, porém, está entretida com os estudos em grupo, sob a supervisão de
Richard (...) Terminam rapidamente de corrigir os exercícios e
vão descansar suas cabecinhas juvenis. A líder da banda simplesmente coloca um
disco de Mireille Mathieu e fecha os olhos, para reordenar os pensamentos e
sair um pouco do raciocínio acadêmico.
&
Hora de ensaiar pesado, e Deborah levar suas
mãos ao limite. Patrícia tem certeza de que a mãe chorou, ela não disse, mas a
voz estava com indícios de embargo. Depois lerá o diário da avó (...) por agora precisa se concentrar,
têm shows em mais duas cidades, embora permaneçam hospedados em Frankfurt.
Termina de checar o som, agora é hora de afinar as vozes com música, para a
alegria de membros do fã clube, dos operários e da imprensa que os acompanha na
turnê, além de três agentes secretos que trocarão informações com Richard assim
que terminarem de tietar. Voltam ao hotel (...) Vão tomar um banho, comer algo leve e depois a sesta, para
estarem todos em forma quando o show começar. Deborah vai mergulhar as mãos em
salmoura morna, para a maratona da noite. Matthew manda material para o jornal
e Richard encaminha os agentes para seus destinos. É tudo o que todos têm a
fazer, até a hora de irem para o batente.
Em Boston, Nelson começa a rir. Ele lê a
mensagem ilustrada, dá seu aval e continua rindo (...) No começo a cidade foi formada por ladrões,
prostitutas, trapaceiros, negros fugidios, gente que foi à falência e pessoas
que simplesmente não se enquadravam. Agora será repovoada por agentes secretos
aposentados, sob proteção, com identidades trocadas (...) nenhum dos quarenta e três agentes
vai sozinho, só esperam pelo fim da turnê para se fixarem com suas famílias em
Michigan, na pequena e nunca mais pacata Sunshadow.
Em alguma redação de algum jornal qualquer,
de algum rincão dos Estados Unidos, alguém assina com um pseudônimo uma matéria
intitulada “Eles fariam tanto sucesso se elas não fossem tão bonitas?”
polemizando a carreira do Dead Train, ignorando por completo a qualidade da
obra (...) Bate na tecla em
praticamente todos os parágrafos, enquanto ouve “Back to Sunshadow”.
Elas, por sua vez, estão se preparando para o
show, porque na Europa já está anoitecendo. Rita desce ajeitando os cabelos (...) quer ver a cara da mãe quando voltar de
cabelo todo crespo a Detroit. Atrás dela estão os outros novatos, sorrindo de
orelha a orelha pela chance de conhecer a Europa e ainda ganhar por isso (...) O melhor de tudo, para os
doze, é serem considerados parte da banda. Embarcam alguns minutos antes do
prazo, para irem com calma e poderem se concentrar para a apresentação. A
disciplina e o perfeccionismo da banda encantaram os alemães, acostumados a
ouvir horrores disciplinares sobre os americanos.
A recepção dos fãs, quando vêem o ônibus, é
bem mais contida (...) mas a reação da
presidente do fã clube desmente o mito de frieza e indiferença. Rebeca tira
meio corpo pela janela e os atiça, então eles se assanham. Está tudo como
pediram, tudo simples, sem distrações (...) A sofisticação fica
na assistência médica e de massagem. Se alongam e aquecem as vozes, até serem
chamados. Quando a hora está próxima, os novatos vão ao palco e tocam um jazz
para aquecer o público. Os seis se aproximam da entrada de mãos dadas, como já
é tradição, aguardando serem chamados. Rita vai ao microphone
e anuncia...
-
Meinne damen und herren, wird die show zu starten. The Dead Train!
A plateia vai ao delírio. A negra ensaiou
dezenas de vezes para pronunciar correctamente. Eles sobem ao palco e o estádio
vem abaixo. Começam com “Dead Train”, depois “Resignation”, então vem a
preferida dos alemães, “Forgotten”. Conversam um pouco com o público,
interagem, voltam a cantar e vão para o intervalo. Deborah entra em ação
preventiva...
- Você está cada vez mais parecida com a sua
avó materna, parece que olha todos os músicos como se fossem seus alunos.
- Levarei isso como um elogio.
- Nem tanto, sobrinha, nem tanto. Naomi
sofreu muito por isso, acabou se sentindo responsável por todo mundo em cada
drama que as pessoas viviam.
- A Frida me alertou sobre isso.
- E eu reitero. Tome cuidado, alguns daqueles
músicos poderiam ser seus pais, trate eles como adultos.
Passa para Renata. Patrícia vai à fruteira,
comer algumas uvas, pensando no caso e sendo observada pelo pai (...) decide passar o restante do intervalo descansando a
cabeça no ombro do genitor. Voltam em cinco minutos e cantam sem intervalos, só
tomando cuidado com o tom, porque amanhã e depois têm mais shows.
&
Em Berlim, eles se deparam com um estranho
carrinho fumacento (...) Richard se inteira, é um Trabant,
seus ocupantes devem ter acabado de escapar da Alemanha Oriental. Ele vai aos
fugitivos, conversa um pouco e consegue informações fresquinhas, que repassará
imediatamente. Lhes consegue um teto temporário e alguém que lhes ensine as
artimanhas e os perigos de um país de economia capitalista. Ficou horrorizado
com o tanque de combustível na frente (...) é mais perigoso até do que as motocicletas, onde pelo menos há
ventilação permanente.
Volta para o ensaio com as pilhas de revistas
que a filha pediu, e photographias do carrinho comunista. A moçoila adora a
novidade e ele promete lhe conseguir maiores informações técnicas. Elas chegam
em algumas horas e são de arrepiar os cabelos, o carro é praticamente feito de
restos de qualquer fibra que esteja disponível (...) e absolutamente nenhuma noção de segurança, ao
contrário dos carros de luxo que os membros do alto escalão do governo usam,
mas tem sido a mula de escape de muitas famílias, já que é proibido sair de lá
sem uma autorização que está além dos direitos do cidadão comum.
Voltam aos ensaios, para depois se pouparem
até a hora do show. Lá fora, vendedores de bugigangas relacionadas à banda, por
“coincidência” o primeiro trabalho do homem que trouxe a família à República
Federativa da Alemanha. Ele fica impressionado com a canção “Forgotten”,
poderia colar a letra em todos os postes da Alemanha Oriental, se isso não fosse
lhe custar a vida.
A banda descansa no local (...) preparado para isso. À noite eles têm até mais tempo para a
arrumação e tratar da afinação. A estratégia é acertada e repetida em Stuttgart,
onde se despedem de um país que pagou com uma amputação dolorosa, o erro de um
passado recente. Voltam para Frankfurt, exaustos, mas aptos a um dia de
descanso que precederá os trabalhos em Berna. Renata já está fazendo um
trabalho de meditação coletiva, para que resistam à tentação dos chocolates
suíços e não comam mais do que um tablete por dia.
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