sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LVII

    Ohayô, Japão. A estação 57 traz a cura de uma ferida precoce, porque mesmo o pior mal é passageiro, que não tem bilhete e será jogado para fora do trem.


Desta vez se hospedam em um transatlântico ancorado (...) por insistência da agência dona do navio, que queria muito essa publicidade. A cidade tem jeito de interior bem desenvolvido, mas é a capital do Líbano. Vão à arena do show, fazer o reconhecimento e ensaiar um pouco. Há um pequeno buffet no local (...) o capitão do navio alardeia que o Dead Train está hospedado na nave, e seguirá com eles à Paris. Repleto de turistas americanos, a embarcação vira uma muvuca. Quando eles voltam do ensaio, o assédio começa. É quase como estar em solo americano, pelo menos os novatos ficam mais à vontade.

Um aviso na porta do camarote informa “Não perturbe, estamos estudando”. Custa (...) acreditar que alguém a bordo não seja tripulante e esteja trabalhando. Os adultos se revezam em duplas, inclusive os novatos, para garantir que não serão mesmo perturbados. As horas de estudos finalmente terminam e eles podem descansar as mentes. Patrícia encontra o pai na ponte (...) que photographe o que quiser para ter boas recordações, porque tudo aquilo está no meio da guerra fria, e entidades religiosas radicais se aproveitarão disso para gerar o caos e forçar as pessoas a se converterem. É como a maldição de Cassandra, as pessoas comuns não vão acreditar mesmo que conte com detalhes; uma frustração comum entre agentes.

Pois o show é feito como um presente de despedida (...) Tudo feito com carinho, com direito a candores descendo do palco e indo cantar no meio do público. Estendem o espetáculo por meia hora para só então voltarem ao navio, que parte amanhã cedo para Paris. De agora até o desembarque poderão usufruir de um descanso, embora tenham concordado em cantar para os passageiros, quando estiverem refeitos. Passam para mar aberto, mas não muito longe da costa do Mediterrâneo. Por alguns dias, os garotos voltam a ser garotos (...) Patrícia tem o estranho hábito de visitar a casa das máquinas, para entender o funcionamento da embarcação, coisas de mecânica com vocação para o ofício. A imprensa que a acompanha não deixa de registrar esse bônus para a matéria. Daqui até Tóquio, nenhuma responsabilidade além dos estudos.

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Em princípio pareceu loucura fazer dois shows em época de olimpíadas (...) mas há muitos japoneses insatisfeito com os gastos que elas demandaram, principalmente após as desapropriações que causaram, muita gente está disposta a gastar os tubos com souvenires da banda só para mostrar que não colocou um iene do próprio bolso naquela “ofensa ao japonês honesto”. Os ingressos se esgotaram rapidamente em Tóquio e Nagoya. O governo, para não dar o braço a torcer, prefere não dar a atenção diplomática que todos os outros países ofereceram. A imprensa prefere seguir a mesma linha, ficando a poucas publicações a tarefa de cobrir os cinco dias em que a banda ficará no Japão, inclusive a que trabalhou para eles virem...

- Já terminou?

- Sim, terminei. Não demora muito para mandarem resposta.

- O senhor Suzuki está arriscando muito, como um salmão subindo a correnteza.

- Eu sei, senhorita Watanabe, mas não teríamos chance alguma entre aquelas empresas grandes, cobrindo as olimpíadas. Se vocês quiserem sair, ainda há tempo, eu compreenderei.

- Não, eu fico.

- Eu também. Vamos fazer o melhor que pudermos, né!

- Obrigado! É uma honra ter empregados como vocês. Agora vamos trabalhar.

Watanabe. Watanabe Mikomi. Miko para os amigos. Expulsa de casa por ter flertado com um italiano (...) sua família é das que ainda hoje alimentam a xenophobia, especialmente contra ocidentais. A jovem passou fome, até ir para Tóquio e arranjar um emprego de faxineira na redação da revista. Dormia lá mesmo (...) até ser promovida e poder alugar seu apartamento, onde mal cabe sua moradora. Foi uma das primeiras japonesas a cair nos encantos do Dead Train, e ficar caidinha por Robert, foi ouvindo seu disco que Suzuki Soishiro enxergou a tábua de salvação (...) o nome de família vem antes do pessoal, no Japão. Mikomi é a encarregada de ciceronear a banda, é a única que fala inglês entre eles.

Embora focada nos jogos, a televisão não pode ignorar a multidão que se forma para recepcionar a banda no aeroporto. Por conta da diferença gritante de dicção, só Enzo é chamado pelo nome, os outros o são pelos apelidos, assim, após Matthew e Richard, descem Patty, Rê, Rebby, Bobby, Ron e Enzo. Histeria aqui não existe, ainda, os fãs balançam faixas, pôsteres, discos e cantam como podem algumas obras.  Mikomi está lá, de coração na mão, com Soishiro e mais dois colegas. A timidez faz parte da cultura, então (...) Deixam os nativos à vontade, permitem abraços, photos, dão uma canja e vão para o ônibus.

Reconhecem os ocidentais de cara, são os paparazzi (...) Alguns japoneses até apontam, pois viram sua chegada pela televisão, mas a maioria está muito entusiasmada com as olimpíadas. Não foi fácil para a organização dos shows encontrar um hotel disponível, mas os fãs ajudaram na empreitada, alguns até ofereceram suas casas, caso não conseguissem. O hotel foi todo decorado com as cores da banda, com um pôster enorme tomando uma parede do hall. Todo mundo muito simpático, mas sabem que japonês (...) aplaude até mariposa levantando vôo. Mikomi reitera ao gerente as recomendações, inclusive sobre os horários de estudo dos garotos...

- Então eles estudam e trabalham? Isso é muito bom!

- Sim, muito bom e um bom exemplo para os jovens! Por isso sou fã deles. Patrícia e o senhor Gardner são praticantes de caratê. Poderá vê-los treinando de manhã cedo, durante os exercícios matinais.

- Oh! Arigatô! Gostarei de ver esse treino!

Se traduzido literalmente o japonês faz pouco, até nenhum sentido nos idiomas ocidentais (...) A banda por sua vez, aguarda sua cicerone para se comunicar a contendo com os empregados do hotel, tão tímidos quanto encantados com as “moças altas e de olhos vivos” do ocidente. Ela chega e dá as instruções, então vai ter com eles. Richard se antecipa...

- Muito obrigado pelo convite e pela recepção, senhorita Watanabe.

- A honra é toda minha, senhor Gardner. Temos muitos fãs que ficariam tristes se vocês não tivessem aceitado nosso convite. Eu estou à disposição de vocês.

- Poderia começar nos dizendo quem é essa moça tão simpática.

- Qual moça, Patty?

- Você.

Matthew registra tudo. A edição de fim de ano vai ficar melhor do que esperavam. A japonesa encabulada fala um pouco de si (...) mas ela sozinha moveu toda a máquina gigantesca que possibilitou a vinda da banda ao Japão, o que acabou sendo a diferença entre o sucesso e a falência da revista em que trabalha.

Meia hora depois, lá está a plaqueta em japonês: Não perturbe, estamos estudando (...) os adultos têm uma conversa informal com a anfitriã, após saberem de sua história triste. Ela alerta para não tentarem entrar em qualquer lugar, pois alguns não aceitam quem não for japonês, a presença de negros, então, causaria horror aos mais tradicionalistas...

- Mas não se preocupem, eu estarei com vocês e direi onde serão bem recebidos, há muitos lugares que recebem bem os estrangeiros.

Na suíte (...) entregam o que resolveram para ser copiado e enviado a Sunshadow. Descem ao deck da piscina para encontrarem os adultos, a moçoila chega por detrás do pai e se aconchega abraçada a ele, carinho retribuído prontamente. Mikomi lamenta avisar que esse comportamento (...) não é bem aceito em qualquer lugar.

A arena montada para o show impressiona. É provisória, mas não parece. Tudo muito bem encaixado, acabamento esmerado, materiais de boa qualidade, não dá para acreditar que contêineres marítimos velhos foram usados para montar tudo (...) Há espaços para lojinhas, lanchonetes, um ambulatório e o camarim. Richard pede que os operários subam ao palco (...) eles sobem sem medo e então são encabulados, a equipe da banda os aplaude e ovaciona vigorosamente, com tradução de Mikomi, afirmando que nunca viram um serviço tão bem feito e rápido em suas vidas. Fazem questão de apertar a mão de cada um, antes de iniciarem o primeiro ensaio.

O esmero do trabalho da banda também rende elogios, especialmente da fã ardorosa que vê um ensaio pela primeira vez...

- Um pouco... Mais um pouquinho só... Está bom. Vamos tentar de novo. Enzo, manda ver!

O ensaio termina já quase anoitecendo, quando os operários vão embora, encantados, e espalham a boa impressão que tiveram (...) não cansam de dizer que foram aplaudidos pelos astros do show por causa do bom trabalho que estão fazendo, para um japonês é uma honra enorme. Isso vai para ambas as revistas.

O hotel pára para ver. Patrícia e Richard descem para os exercícios matinais diários, se aquecem, se alongam, malham pesado e se concentram. Mal começam e os japoneses passam a ter pena de quem se puser no caminho do mecânico. Não fazem idéia de em que lugar do ocidente ele possa ter aprendido um caratê tão bom (...) A combinação do caratê de alto nível com uma força bruta muito acima da média chega a assustar, mas fascina os espectadores. Só Rebeca não se assusta, fica ansiosa por aprender aquilo, já prestando atenção aos movimentos. Assim que terminam a baixinha vai a eles e ataca Patrícia, que se defende, ela ataca novamente várias vezes e em todas há boas defesas, até se dar por satisfeita...

- Por que isso?

- Adiantando meu aprendizado. Já saquei alguns macetes.

- Ah, não! Você me enganou!

- Eu?! Eu avisei que ia prestar o máximo de atenção! Você sabe que eu aprendo rápido.

- Mesmo? Mostre o que sabe.

Ela mostra (...) Patrícia instintivamente corrige a postura, os movimentos e centra o corpo da encrenqueira. O resultado melhora muito, mas ainda falta-lhe disciplina. Por hoje chega (...) têm trabalho a fazer. Não há coletiva, mas darão uma entrevista à revista de Mikomi, cujo nome faz Renata soltar risinhos sempre que ouve. Matthew vai ter com ela...

- O quê?!

- “Mikomi” em português soa como “me come”, que é “eat-me”, que tem conotação sexual. Quando a gente se casar, você me come, entendeu?

- Agora eu estou entendendo! Essa mulher não pode nem pensar em ir pro Brasil!

- Quem?

Pronto, Rebeca trata de espalhar a piada (...) A piada só dura até eles serem a piada, quando vão aprender a comer com hashi. Ossos da diplomacia. Usar como palito não vale, tem que ser como pinça, com os dois pauzinhos juntos. Quando pegam o jeito, sentem-se idiotas por não terem conseguido antes.

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O passeio por Tóquio fascina, construíram rapidamente uma cidade futurista onde havia escombros de guerra (...) foco na eficiência e na necessidade de errar o mínimo possível (...) A fauna automotiva é endêmica, volante à direita, carros de tamanho europeu, mas alguns modelos inspirados claramente nos americanos; Honda, Kawasaki, Mazda, Mitsubishi, Nissan, Subaru, Suzuki, Toyota... A quantidade de marcas fortes atesta a recuperação econômica do país. Mikomi se prontifica a identificar todos, prometendo arranjar periódicos especializados para Patrícia, de vez em quando perguntando a Robert se ele gostou de algum, e ele dizendo que o preferido dela seria também o seu. Sim, tem pilherias a bordo por isso.

A entrevista é íntima. Fora a equipe da revista, só a que acompanha a turnê está lá. Algumas perguntas beiram a ingenuidade, mas eles ajudam (...) O que eles esperam do show? Que valha cada centavo e cada minuto que o público tiver empregado. Às vezes um deles se senta bem ao lado do nativo que fez a pergunta, então as questões ficam mais interessantes, tomam coragem e falam dos namoros dos integrantes, do sucesso de Bobby com as mulheres maduras, do deslumbre dos novatos, a onipresente figura de Richard, quando vêem têm muito mais material do que pretendiam, de texto e photographias. Agora vão ao hotel, rever alguns planos e se preparar para a noite do show.

O sucesso dos shows dirá se a revista terá os patrocínios que pleiteia para sua matéria, e se tira corda do pescoço. Se depender dos fãs, eles podem começar a montar o próximo número, porque há um início de congestionamento na via de acesso à arena. A televisão vai ver do que se trata e dá involuntariamente publicidade para a banda, de quebra à revista (...) Os fãs que ainda chegam fazem barulho, ajudados por soldados americanos que conseguiram ingressos. Quando o ônibus aparece, os astros descem e trocam figurinhas com seu público, então entram. O cinegrafista e o repórter da televisão ficam espantados com a intimidade, é algo que vale à pena mandar para a edição do telejornal de hoje.

A manhã seguinte é de festa na redação da revista (...) O jornal matutino repete a matéria e Mikomi traduz (...) Os cabelos curtinhos e volumosos a fazem lembrar um pouco Rebeca, só que bastante recatada; as duas até se dão bem, têm quase a mesma estatura, são ambas as mais voluntariosas de seus grupos, já tiveram conversas sérias com seus pais por causa de relacionamentos apressados, embora Rebeca tenha se dado bem, enfim, até dividem um dos assuntos preferidos...

- Ô, Miko, me fala uma coisa, você tá de olho no meu irmão?

- “De olho”?

- A fim dele, gostando dele pra namorar, se é que me entende.

- Eu sou uma fã e... Você é mais esperta do que parece, Rebby. Mas certamente há milhares de outras que também...

- Só não magoa ele, tá? Só isso. Bobby, vem aqui. Até parece que eu sou a irmã mais velha... A Miko quer ter uma palavrinha contigo.

Deixa-os a sós, vai ligar para Sunshadow (...) Ninguém atende, então liga para o hotel onde sempre se hospedam, quando vão para Los Angeles. Fala com Josephine a respeito, avisa que a moça também tem seu histórico de desilusão amorosa, que pagou caro por isso, que é bonita e tem vinte anos...

- Você está muito esperta, para a sua idade!

- Foi mal, defeito de fábrica. Então, acha que a gente pode esmiuçar a vida dela?

- Como você sabe que é uma paixão e não uma... Ok, você sabe diferenciar... Eu estou ouvindo suas risadinhas. Rebeca, se tudo der certo para isso, eles ainda terão um grande problema.

- Eu sei, um oceano gigante separando os dois, mas vamos por partes... Um instante... Uhuuuu! Eles estão se beijando! A Frida vai ter mais trabalho!

- Mon dieu... Tragam essa moça. Na pior das hipóteses ela terá uma boa matéria para sua revista, mas eu quero conhecê-la assim que vocês descerem em Los Angeles.

- Falou, Mamãe Urso II. Acho que ela vai infartar quando souber que vai te conhecer, mas vou tentar ser sutil. Te mando respostas.

Mas ela não espera, liga para o hotel e manda chamarem Richard, usando um cognome é claro. Ele confirma, diz que gostou da moça, que é o tipo de gente que se daria bem em Sunshadow e garante que ficará de olho nela. Desliga quando ouve um corpo caindo no chão, depois vendo Robert carregar Mikomi desmaiada, nos braços. Saber que Jose De Lane quer conhecê-la foi demais para ela.

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