terça-feira, 2 de outubro de 2018

Dead Train in the rain XLVII

    Eles vão conquistar o mundo. A estação 47 traz o avesso como o lado certo de muitas vidas. Não temam as mudanças e embarquem, o trem mudará de estação.

Voam para Los Angeles, com todos os músicos de apoio, que então passam a integrar a turnê. Eles querem ver do outro lado a recepção eufórica dos fãs (...) vêem e se assustam, têm a impressão de que um tsunami humano vai invadir a área de desembarque e carregar o avião (...) alguns panfletos (...) fazem campanha contra a banda, avisando que são satanistas, que dão maus exemplos para os jovens...
- “Maus exemplo para os jovens”?
- Esses garotos estudam durante as turnês e eles acusam de dar maus exemplos??
Os músicos se indignam, mas Rebeca logo avisa para relevarem, que seus detratores nunca primaram pela coerência. Sabem mais sobre passagens dimensionais e teoria da relatividade, do que sobre eles.
Desta vez o ônibus é maior, o caminhão também. Vão todos para o Jose’s Hotel, onde artistas amigos querem rever o sexteto. Ah, sim, os músicos de apoio não sabem que vão para lá também, os seis decidiram fazer uma surpresa. Eles ficam tão animados (...) que nem notam a plaquinha “Beverly Hills” se aproximando e depois ficando para trás. Só se dão conta de que algo está estranho quando vêem Renata acenando para Audrey Hepburn e combinando uma visita para mais tarde. Mais adiante um dos Beach Boys lhes dá as boas vindas. Se vêem cercados de mansões e carros caríssimos...
- Mr. Gardner, para onde estamos indo?
- Jose’s Hotel, Patrick. Vocês vão gostar de lá.
- Turma, a gente está indo para... o...
Ele se volta para Richard, com os olhos esbugalhados, arrancando gargalhadas, quando chegam aos portões do palacete, com uma turba de repórteres e paparazzi disparando para tudo o que se mexer naquele ônibus. De vestido branco, longo, esvoaçante, com mangas levemente bufantes e um fino laço na gola, lá está ela com seus longos cabelos ao vento. A diva de milhões, a musa de gerações, sua majestade artística...
- Jose De Lane!
Ele arranca mais uma carga de risadas (...) Ele foi o mais engraçado, mas todos os outros onze compartilham do espanto, estão tímidos, com medo de serem calcinados pela luz estrelar da musa. Matthew e os repórteres (...) vão publicar isso. A porta do ônibus se abre e Patrícia corre para o abraço, causando mais espanto aos músicos...
- Mon Dieu, como você está linda! Nem parece que passou por tantas tristezas! Apresente-me seus amigos!
- Eles não sabiam que viriam pra cá, estão tremendo como vara verde!
- Então é porque são verdes no estrelato. Bom jour, mes amis. Bienvenue a mon Maison.
Assim que ela se aproxima, uma vocalista desmaia. É levada para dentro nos braços por Richard, com a imprensa se deliciando com cada passo, acordando uns quinze minutos depois, sob os cuidados de enfermagem da diva...
- Mademoiselle Rita? Você está bem?
A negra olha para os lados, pergunta pela mãe, depois pergunta se está morta (...) Diz que teve um sonho lindo, onde conhecia...
- Jose De Lane!
- Em carne e osso, como você. Venha, estamos te esperando para o lanche.
Josephine a pega pela mão esquerda e a leva ao seu lugar à mesa (...) E àquela mesa enorme a cantora ainda vê meia dúzia de representantes da elite mundial do cinema. Ela olha para os outros, eles também estão meio abobalhados, (...) a turma de Sunshadow está à vontade, até namorando à mesa, com Gregory colocando pudim de queijo na boca da amada...
- Aceita um biscoito de mel, fraulein? Eu mesma fiz.
- Não recuse a oferta da Hedy, Rita, pegue um biscoito.
Ela pega, agradece e come ainda incrédula. Até a semana passada era uma soprano desempregada, que ganhava a vida cantando em bares e festas (...) Mal acreditou quando foi aceita para o teste no show do Dead Train, menos ainda quando, ao fim do show, Matthew a confirmou na turnê e mandou que arrumasse as malas (...) Agora é servida por nada menos do que uma das maiores actrizes e mais lindas mulheres da história.
Fora os doze, estão todos muito à vontade à mesa (...) evitando temas pesados que não sejam absolutamente necessários ao momento. Ainda hoje Renata é solicitada para falar do Brasil, embora jamais tenha saído de Goiás, seus parentes são viajantes vorazes e lhe contavam muitas histórias de rincões esquecidos...
- Infelizmente há lugares no Brasil que ainda hoje estão na idade média, com senhores feudais decidindo a vida e a morte em seus territórios. E as convulsões dos últimos meses não vão ajudar a melhorar o quadro. Em contraste, temos Rio de Janeiro e São Paulo que vocês já conhecem bem.
- E a sua cidade?
- Uma capital pequena, Audrey. Foi fundada em 1933 e ainda hoje carece de muita infraestrutura.
- Jose tem razão em se preocupar com você, mas não dá para negar que seu “problema” é encantador! Tão jovem e tão lúcida!
- A adversidade forja o caráter, você sabe disso melhor do que eu. Aliás, nossa novata Rita sabe bem disso, eu conheço a sua história, nós nos inteiramos a respeito de vocês.
Horror! Horror! Todos olham para ela, esperando que diga alguma coisa. Ela olha para os outros novatos e eles devolvem o olhar, ela se volta para Renata e solta o que lhe vem à cabeça, esperançosa de que não lhe custe a mesma...
- Posso ficar neste emprego pra sempre? Trabalho até de graça.
Novamente um ataque de risos coletivo. Os doze músicos de Detroit estão se mostrando humoristas natos. Há dois à mesa (...) avisando que vão aproveitar a piada em um filme.
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Enquanto os novatos se instalam, embasbacados com o requinte de suas suítes, os veteranos permanecem lá em baixo, revendo o planejamento e actualizando os dados. Zigfrida observa seus pacientes, especialmente Patrícia (...) Olha para Gregory e se pergunta se ele sabe realmente o alcance do que fez para ela. Decide cutucar...
- Rapaz, você me poupou um trabalho hercúleo!
- Eu? Como?
- A Patrícia que está à minha frente não tem um por cento do peso da que deixei em Dallas! Você está fazendo um bem enorme a ela!
Ele sorri. Isso lhe serve de blindagem contra as sabotagens dos despeitados. A sueca pormenoriza o que diz (...) da garota. Ela enche o namorado de afagos, durante a explanação da sueca...
- Mas você sabe que há outro lado, não sabe? Ter sido responsável por essa melhora gigantesca, fará os outros te cobrarem a manutenção.
- Ah, isso! Já me cobraram! Já apareceram fãs de joelhos, me pedindo que não estragasse o bom serviço que fiz.
- Você não me contou isso! Te constrangeram?
- Não. Eu disse que entrei nessa pra casar e que só dependeria de você.
- Greg! Eu aceito!
A sala de reuniões vira uma festa (...) Só embaça um pouco o brilho da ocasião, as caras de Rebeca e Ronald. Pela lei, eles jamais poderão se casar. Josephine os fita longamente e os abraça por trás...
- As leis da física são as únicas imutáveis. Essa lei estúpida vai cair, só esperem.
Diz com a certeza de quem sabe que um dos principais pilares já não existe (...) Está pessoalmente empenhada para que a obra da Cascavel Branca não sobreviva muito mais do que ela. O argumento de que a família tradicional americana será destruída pela miscigenação, está perdendo força rapidamente. Os novatos descem pegando a conversa pelo fim (...) Também participarão da entrevista de hoje à noite, no Boa Noite Mundo. Tobby está ansioso para ver de perto a evolução da banda.
Novamente os novatos tremem feito varas verdes. No auditório, o fã clube domina. Se isso é um incentivo, é também uma pressão (...) Meia hora e a histeria dos fãs invade o estúdio, e muitas famílias em Detroit ligam para parentes, mal acreditando no que vêem. Todos riram dos doze (...) Especialmente a família de Rita, que já se conformara em vê-la pelo resto da vida cantando em bares e festinhas de guetos. Agora a mãe da moça esfrega nas caras dos descrentes a imagem da filha ao vivo (...) entrevistada por Tobby McGinnes como uma estrela do rock.
&
A primeira fase da turnê não traz problemas, não além dos decorrentes da própria natureza do ofício (...) Voltam para Sunshadow com uma pequena multidão a tiracolo, inclusive Gregory dando satisfações a Nancy, já tendo sido providenciada acomodação para todos os músicos, na propriedade de Mr. Fischer. Ele, aliás, é a surpresa de que Richard falou à irmã. Eles conversam no escritório, em poltronas, enquanto Richard apresenta os quartos aos novatos...
- Eu te conheço desde que você era um toquinho de gente, não imagina a alegria que senti, quando Richard te trouxe de volta.
- E o senhor não imagina a minha!
- Decerto! Eu quero te propor uma coisa, Deborah. Você soube da debandada que houve aqui, quando minha esposa faleceu. Então sabe que cada um pegou um naco do patrimônio (...) nunca mais deram notícias! Por isso eu quero evitar que eles coloquem as mãos no que me restou, e ponham a perder todo o trabalho que eu tive para montar uma atração apresentável para a cidade, com a ajuda de seu irmão.
- Está me propondo casamento, Mr. Fischer?
- Estou. Você sabe que eu não (...) quero isso para ser visto com uma mulher que poderia ser minha filha. O que eu quero é uma companheira em quem eu possa confiar e que impeça os ingratos de destruírem meu trabalho. Amor, a Naomi já dizia, basta nós deixarmos que ele nasça, e ele nascerá.
- Ritchie, eu sei que você está aí atrás. Apresente-se!
- Pô! Todos esses anos longe e você não esquece minhas manias??
- Desde quando você tem esse emprego de cupido?
- Desde agora.
- Foi ele quem te pediu para intermediar?
- Sim, foi ele. Eu tinha outros caras em mente, mas ele me chamou para uma conversa e eu prometi interceder. Vai, casa com ele, vocês dois não têm nada a perder, além das noites solitárias.
- O senhor sabe que eu fui prostituta?
- Sim, eu sei. Mais da metade de nós é descendente de ladrões e prostitutas, foi esse tipo de gente que deu início a Sunshadow!
- Ritchie, traz as minhas coisas? Eu já vou ficando aqui e pegando intimidade com o Gerald.
- Ahahahahahahahaha! Vou trazer suas coisas, também.
Em meia hora a propriedade está cheia de gente (...) vão directo ao cartório e lá assinam os papéis. A festa se dá de improviso, na praça do trem morto, com cada um levando um quitute para a comemoração. Gerald Fischer nem é tão velho (...) o matrimônio durará uns quinze ou vinte anos. A animação é by Dead Train. Tudo, claro, registrado por Matthew, pela revista, pela imprensa e pelos paparazzi, que também entram na boca livre.
À noite, a sós com o marido em sua suíte, Deborah faz sexo de livre e espontânea vontade pela primeira vez na vida (...) Na manhã seguinte, Gerald estranha a facilidade com que urina, a agilidade súbita e a pele menos enrugada. Olha para a cama e vê sua jovem esposa ainda despertando (...) terá de volta uma experiência da juventude, suspirar pela amada distante (...) Está apaixonado, irremediavelmente apaixonado. Tem pena de quem não consegue sentir isso.

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