sábado, 6 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LI

    A ascensão de Robert. A estação 51 traz a amenidade perigosa de se negligenciar o foro íntimo. Façam agora as pazes consigo mesmos e embarquem, o trem não vai se atrasar.


A coletiva tem o maior contingente de jornalistas e imitações que eles já enfrentaram. Estão todos querendo saber o que aconteceu dentro do Palácio de Monte Carlo. Enquanto se ajeitam, disparam a rir de uma tira de jornal, que mostra Patrícia chegando em um Fiat 500, saindo pelo teto solar e depois o carregando como uma bolsa a tiracolo (...) vão os dezoito para a coletiva, os seis fazem questão; são mais alvos para o tiroteio. E mal entram a saraivada de perguntas começa, Matthew precisa ser grosso para organizar todo o pandemônio, avisando que a coletiva durará duas horas, tempo suficiente para todo mundo fazer a sua pergunta (...) logo os novatos são inquiridos sobre o trabalho com a banda. Patrícia responde sobre se conhecem algum cantor italiano, e ela destaca alguns em quem apostaria suas fichas...

- Rita Pavone, Jimmy Fontana, Anna Identici, Peppino di Capri e Gigliolla Cinquetti; Meu Deus, que voz é aquela! Eu ouviria ela o dia inteiro, se pudesse!

Quase como um professor linha dura, Matthew evita que um atropele as perguntas do outro (...) Alguém decide cutucar a solidão de Robert...

- Solteiro, sim, estou. Sozinho? Não, não mesmo! Sou um Dead Train.

Voltam ao hotel, para fazer a lição de casa. Matthew sempre diz isso e quase ninguém acredita, terão que ver a edição de fim de ano para talvez acreditarem.

O dia seguinte é de ensaios (...) Eles só admitem a presença do fã clube local. O que aprenderam em Mônaco é posto em prática, o estádio está repleto de pequenas árvores ornamentais (...) Por fim, vão descansar, que hoje têm serviço pesado e amanhã terão Paris.
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           Encontram Zigfrida no vôo para Paris (...) providência tomada após o incidente camuflado (...) Ela sabe que sua paciente preferida está com tudo quicando dentro de sua cabecinha juvenil. A sueca avisa que aquelas turnês que não fizeram na África do Sul e algumas ditaduras, os colegas de colégio deles estão fazendo...


- Eu acho maravilhoso! Quem sabe eles gostam, começam a babar e seus regimes idiotas caem mais depressa!

O vôo noturno não é longo, mas o suficiente para ela perceber que não houve prejuízo algum (...) Ela reitera que confia piamente no pai, nas pessoas esquisitas que pipocam a todo momento, é outra conversa. Deborah começa a rir, acha muito engraçado alguém de Sunshadow falar em gente esquisita.

Em Paris, como em todas as cidades que visitarem (...) Terão passeios e sessões photográphicas (...) também para melhorar a imagem de seu país, que o americano médio não sabe que anda bem ruinzinha. Ronald avisa de cara para não se escandalizarem com a intimidade dos cumprimentos, especialmente se ficarem amigos de alguém.

Como toda cidade diuturna, Paris os recepciona com uma comitiva de fãs que esticam a noite como hábito arraigado. Vão ao hotel e são surpreendidos com uma recepção especial para Ronald, herdeiro do condado. Os outros já dão sinais de que isso será motivo para piadas (...) assim que se instalam, fazendo reverências caricatas...

- Eu não imaginava que eles ainda se lembrassem de nós!

- Provavelmente não mesmo, Ron. O mais certo é que a nossa fama ressuscitou a sua.

- Ainda assim, Bobby, meu pai vai ficar feliz em saber disso.

E fica mesmo. David quase chora pela perspectiva de sua família voltar a ter o prestígio de outrora em sua terra natal. Decide finalmente pendurar o brasão acima da lareira, quase três séculos depois.

Estão no dia seguinte, bem cedo, estudando o local do show (...) chegam flores para as moças, com rosas vermelhas especialmente para Renata (...) Ela mima o namorado até ele desfazer a carranca, esvair o repertório de reclamações e retoma o foco no trabalho. Os comentários sobre seus glúteos e sua beleza rara (...) ela não mostrou ao ciumento. Até os novatos receberam flores e bilhetinhos, só Robert parece ter sido esquecido pelos galanteadores da cidade, apesar de os fãs reiterarem seu carinho a todo momento. A banda notou isso.

Chega a hora da coletiva. O de menos é não terem que se deslocar (...) os jornalistas ficam na plateia e eles no palco. Hoje Ronald ganha destaque, as perguntas vão desde como está a família a se pretende manter uma residência nos arredores de Paris (...) se realmente pretende se casar com Rebeca ou é só um impulso juvenil, arrancando rugas no cenho da garota. Mas a curiosidade acerca do sucesso tão repentino quanto estrondoso da banda, os faz focar novamente Patrícia...

- Na realidade a banda não surgiu da noite pro dia, foram uns cinco anos de gestação, dois dos quais em regime de internato. Nos submetemos a uma rotina severa de estudos e prática, além de aceitar as broncas de um crítico de música que se mostrou mais ácido do que eu presumia.

- Quem é esse crítico tão rigoroso?

- Meu tio Fester, é ele o responsável pelo padrão de qualidade das nossas canções.

- E a que mais a mademoiselle atribui esse sucesso?

- Primeiro aos fãs, são eles que decidem quem sobe e quem desce. De nossa parte eu posso resumir em quatro palavras: Trabalho, persistência, humildade e disciplina.

- Disciplina incluiria a dieta rígida de que os hotéis tanto falam?

- Nós não estamos viajando de férias, estamos trabalhando. Precisamos estar em nossa melhor forma o tempo todo. Claro (...) ninguém vai adoecer por causa de um chocolate ou uma taça de vinho, mas nosso trabalho vai muito além das apresentações públicas, precisamos estar lúcidos e saudáveis o tempo todo. Nas folgas a gente come besteiras, acorda tarde e anda de biquíni pela casa, mas em uma turnê a disciplina é imperiosa.

- Oh la la! Vocês têm photos disso?

Eles respondem negativamente com as mãos, não segurando os risos. Mas é tarde, todos lá, imprensa, operários e fãs, ficam imaginando os seis em trajes sumários (...) com a imaginação alçando vôos mais altos e sensualizando as poses. Claro que os cartunistas compram a idéia na hora.

Após uma revisão nas apostilas, vão ao passeio agendado. Pegaram um ônibus acidentado e o deixaram aberto no andar superior, só com a estrutura dos para-brisas (...) e uma longa capota de lona com alguns arcos no bagageiro, para o caso de chover (...) Mas o céu hoje está bonito, com algumas nuvens refletindo de volta a luz solar e vento moderado. Cercados de Citröen 2CV por todos os lados, eles photographam e se deixam photographar, faz parte da turnê. A grandiosidade e o rebuscamento marcam a paisagem. Renata faz questão de permanecer abraçada a Matthew, para dar o devido recado a quem cabe, Rebeca e Ronald os seguem, Patrícia e Enzo acabam suspirando por seus pares, enquanto Robert se sente isolado. Patrick cutuca Richard...

- Eu vi. Sabe que às vezes me dá vontade de fazer umas correções nas teorias de Darwin? Tem gente que não é inteligente o suficiente para ter um ancestral em comum com os chimpanzés. Se a Patty tivesse escolhido o Bobby, eu teria ficado muito feliz!

- Eu bem que queria ajudar, mas não sou mulher!

- Eu agradeço pela intenção. Coisas assim me fazem acreditar com mais força que o mundo não gosta de pessoas boas, ao menos não por perto.

Param perto da Torre Eiffel, onde alguém colocou um disco de Charles Aznavour. Robert novamente chora cantando, é de longe o membro mais romântico da banda. Acompanha o disco e canta Que c’est triste Venise (...) só vê a torre, de mãos nos bolsos das calças jeans, o vento roçando seus cabelos cortados bem rentes (...) Ele só acorda e percebe quando se sente espremido, e vê a irmã lhe abraçando com força. Para a surpresa geral, as balzaquianas começam a assediar o rapazote. Ele tem se mostrado um perfeito cavalheiro desde que a banda estreou, seu romantismo crescente acabou por angariar a simpatia de mulheres bem mais velhas, que com o tempo passaram a ser seu público particular (...) Ele trata todas elas com carinho e polidez, quando se dá conta está com marcas de batom do pescoço à testa. Rebeca faz a festa, os paparazzi também. O facto de conhecer de cor as canções de Aznavour, contou pontos a seu favor.

Ele gostou do assédio, mas um bando de fãs beijoqueiras não dá conta do que ele perdeu. Voltam ao hotel para suas tarefas escolares. A imagem de pelo menos dez francesas atacando Robert chega a Sunshadow (...) pelo menos duas lhe beijaram a boca, (...) Josephine assiste à cena boquiaberta, pensava que isso só pudesse acontecer em filmes de comédia. Liga para Zigfrida, quer esclarecer os pormenores do episódio...

- Ele cantou e foi atacado por aquelas mulheres? Só isso?

- Acha pouco? Ele tratou cada uma como se fosse a única mulher do mundo, eu estava lá e vi!

- Ele pelo menos está melhor?

- Muito melhor! Melhor e em ponto de bala se é que me entende, mandei ele se fechar no banheiro e aliviar (...) Maldita hora em que me indexei a essa ética! Ok, ossos do ofício. Ele está mais alegre, por conseqüência a Rebeca também e o incidente rendeu uma baita publicidade.

- Imagino! Conheço dezenas de canastrões que pagam fãs para simularem ataques que não dão metade do que ele conseguiu. Tenha uma conversa reservada com ele, assim que puder, e evitem deixa-lo sozinho com uma mulher estranha, ainda há muito chão pela frente nesta turnê.

Os telejornais franceses destacam o fenômeno do “amorzinho das balzaquianas”. Algumas das desinibidas concedem depoimentos, dos quais saem pérolas como “Másculo e gostoso”, “Não é um garoto, é um homem desabrochando”, “Boca deliciosa”, “Loucamente cheiroso”, entre outras que não cabem em qualquer horário (...) as novatas olham com sorrisos largos, pela inexistência de impedimentos. Zigfrida fica espantada com a eficácia da propaganda, com o perdão do trocadilho, boca a boca.

A noite seguinte é de histeria, o sucesso que Enzo e Ronald fazem juntos com moças até um pouco mais velhas, Robert faz sozinho com mulheres maduras. Ele se torna um símbolo sexual para elas, se tornando também odiado por uma parcela grande dos homens de meia idade.

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