sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Ninguém contava com sua astúcia





  Todo mundo vai embora algum dia. Não porque não nos ame mais, não porque tenha se magoado, não porque não se importe mais. As pessoas vão quando é hora de ir, e quando é hora elas precisam ir. Às vezes porque seus papéis em nossas vidas acabaram, às vezes porque nosso papel nas delas acabou, mas por algum motivo elas precisaram ir.


  O problema não é a despedida, é o apego. Parece que estamos chorando por quem se foi, quando na verdade choramos por nós mesmos. O apego traz consigo a acomodação, que o tempo se encarrega de alimentar, com isso começamos a não acreditar mais que a pessoa um dia vá embora. Não desejamos perdê-la, relutamos em aceitar a mais remota idéia da perda, mas nos esquecemos que aquela pessoa nunca nos pertenceu.

  Por não nos pertencer, a dor da perda na realidade é uma ilusão tanto maior quanto mais longa tiver sido a convivência. Não que não doa, ela dói, mas dói mais porque não perdoamos a pessoa que se foi, nos sentimos abandonados por ela, às vezes traídos. Mas nós é que nos traímos ao nutrir a mentira de que alguém nos pertence e não tem o direito de ir embora. Não que não choremos pelo sofrimento que o outro porventura tenha sentido, mas a maior parte do choro é pelo rompimento do cordão umbilical, que de mal acostumados estendemos até o outro.

  O sentimento de perda é proporcional ao valor que demos a quem partiu, e ganha força se a afeição for compartilhado por um grupo, tanto mais quanto maior ele for. Então o sentimento de perda ganha sobrevida, porque já não é uma pessoa a ser consolada, é um grupo de pessoas pedindo consolo umas das outras, dificilmente alguém dá o que pede. Não é maldade, é inconsciente, mas mesmo assim os danos se materializam cedo ou tarde, às vezes na somatização de doenças.

  Quando se pergunta a alguém o motivo de o outro não poder ter partido, quase sempre ouve-se a primeira pessoa comandando a maioria dos parágrafos da explanação, "eu queria tanto" e "seria muito legal se um dia eu" costumam ser âncoras da argumentação. Não é por maldade, é inconsciente, a pessoa raramente está preparada para reconhecer e tratar seu egoísmo e suas fragilidades emocionais, então projeta no luto aquilo que não quer assumir. Somos todos egoístas, em menor ou maior grau, inclusive eu.

  Digam, taleitores, por que Roberto Bolaños deveria continuar vivo? Ele queria estender sua sobrevida biológica? As mazelas em sua fragilizada saúde não o faziam sofrer o suficiente? Foi um sofrimento prolongado!

  É digno e legítimo lamentar a perda de um profissional do humor, que dificilmente terá substituto, certamente não pelos próximos cinqüenta anos. É compreensível e até saudável, até certo ponto, lamentar a ruptura de uma obra muito bonita, que nos ligava fácil e rapidamente a períodos em que a humanidade ainda tinha esperanças de um mundo melhor, que em que as atrocidades que nos aterrorizam hoje não eram vistas como "atitude" ou "militância legítima". Eu conheci as décadas finais desse período e reconheço que é verdade, mas só até aí.

  De resto, dignos seguidores do Corcel Azul Calcinha, vamos simplesmente chorar de uma vez o que temos a chorar e depois tocar nossas vidas. A obra que ele deixou está viva, registrada e preservada, pronta para apreciação e ataques de dores abdominais por excesso de risos. ainda que o luto prolongado revertesse algo, mas não reverte e ainda piora tudo. Absolutamente tudo.

  Aqui é Nanael Soubaim encerrando esta conversa, dizendo "TINHA QUE SER O CHAVES MESMO"!

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

A Princesa e o Plebeu


Este texto é um pedido da leitora Iza Pinheiro.

  Um dos maiores clássicos do cinema mundial, rodado em 1953, que fundamentou em definitivo a carreira de Audrey Hepburn. O tripé do filme tem Audrey como a Princesa Ann, Gregory Peck como o repórter Joe Bradley e Eddie Albert como seu leal escudeiro photográphico Irving Radovich.

  Uma das lições do filme é o que Stephanie Elizabeth Marie disse certa vez, que princesas de contos de fadas não existem. Pelo contrário, apesar de todo o luxo e conveniência, é uma posição opressora, que exige uma grande dose de abnegação e resignação. Princesas de verdade nem sempre conseguem ser pessoas, muitas vezes acabam engolidas pelos deveres e se tornam uma extensão do Estado. É esta situação asfixiante que dá o pontapé na trama. Aliás, o título original "Roman Holiday" é porque ela realmente faz dessa aventura um feriado de sua realeza.

  Acompanhando seu pai o rei em uma visita oficial à Itália, a princesa Ann surta e consegue fugir às escondidas do palácio. O facto é que ela esteve em Roma pela última vez quando criança, poucos a reconheceriam, e um desses poucos é o sem-vergonha do Bradley. Ele a reconhece mesmo após ela ter cortado sua longa cabeleira real pelas mãos de um cabeleireiro comum; Sim, aquela cena em que o prícipe Akim (Eddie Murph) corta seu rabicho real foi (mal) inspirada aqui.

  O facto de ser culta e bem educada, como convém às princesas de verdade, não assegura que conheça a vida, e ela cai direitinho na lábia do jornalista. Os dois tiram a barriga da miséria, no decorrer do filme, acumulam material para serem lançados à elite da imprensa mundial, mas Lady Murph nunca dorme em serviço e algo foge ao controle deles. Ann, ao contrário das celebridades vazias e das socialites fúteis com que já lidaram, é uma moça ingênua, de bom coração, autenticamente educada e interessada pelas pessoas.

  Não precisa muito para se apaixonar por uma mulher assim. Para a desgraça de Bradley, ele se apaixona por sua vítima. Eles namoram durante a aventura, que tem direito até à princesa pilotando pela primeira vez uma Vespa, tresloucadamente pelas ruas estreitas e movimentadas da antiga capital do mundo. Ver aquela carinha sapeca de Audrey animando a realesca personagem mostra algumas coisas que depois ficam claras, primeiro que o imenso sucesso da fidalga (Audrey era filha de uma baronesa) era inevitável, segundo que o Oscar era mesmo inevitável, terceiro que Elizabeth Taylor e Cary Grant fizeram um favor em recusar os papéis, que se encaixaram como luvas para Audrey e Gregory, quinto e último, mas não menos importante para quem conhece a diva, Ann era Audrey interpretando a si mesma.

  Na cena final, a estreante Audrey Hepburn, nervosa, só conseguiu chorar como mandava o roteiro porque o director William Wyler ficou bravo com ela e a fez chorar de verdade. O público não ficou sabendo, claro, ou o risco de morte prematura seria real, porque ela arregimentou fãs ardorosos desde muito cedo. O desempenho de Audrey foi tão bom, que Peck tinha certeza absoluta de que ela levaria o Oscar, então exigiu que o nome dela encabeçasse o elenco nos cartazes do filme.

  Agora vocês devem estar se perguntando como o filme termina? Bem, asseguro que o final é lindo, realmente lindo, mas não tem absolutamente nada de óbvio. chega a ser surpreendente, até há um início de suspense. É um filme para rir, chorar e meditar, às vezes tudo ao mesmo tempo. Foi rodado um remake muito bom em 1987 e um ruim mais tarde, mas meus amigos, ninguém ainda hoje fez a Princesa Ann como Audrey Hepburn.