sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Um blog de quadrinhos

Houve época em que eu queria fazer um blog de quadrinhos e afins, mas conseguir material interessante no Brasil é triste. Fora a falta de verba para comprar material para escanear, revista por aqui é muito cara!

Primeiro que as revistas nacionais estão cada vez piores, altamente contaminadas com o politicamente patético, com medo até de reeditar "Reco-Reco, Bolão e Azeitona", temendo serem processados por racismo, etnocentrismo e outras cousas que só deveriam ser usadas em casos realmente sérios. É triste ver as pessoas confundindo "conviver com diferenças" com "temer falar em diferenças".


Mas felizmente existem blogs estrangeiros que preservam o acervo de seus países. Alguns mantidos por gente que trabalhou no ramo, ou mesmo artistas que ajudaram a fazer aqueles belos quadrinhos.
A estorinha que vocês vêem é "The Kilroys", que trata da vida em família dos anos 1940/50, no qual se pode ver muito de semelhança com os dias de hoje. Foi pêgo no blog Pappy's Golden Age. Que tem um acervo invejável.

Há nele desde os heróis mais bobinhos, como o Fruitman, que vira frutas variadas para combater o crime do modo mais ingênuo do mundo, até quadrinhos de terror para maiores de idade, com boa carga de erotismo. Vale à pena clicar no nome-link e se deleitar com os originais até mesmo de títulos que já tivemos, como a recém falecida Luluzinha. Há também links para outros blogs correlatos, alguns loucos que vocês nem imaginam.

Vão lá, vocês verão uma riqueza pop-cultural que não se encontra no país que louva os coitados, mas está disponível para uso pessoal. Dá até para aprender inglês, para quem tiver tempo disponível, embora as situações permitam que se precise de bem pouco conhecimento do idioma para compreender o episódio aqui publicado.

Este texto é exclusivo do blog Talicoisa.
P.S: pode haver problemas de visualização com o firefox.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Só aparências

Vamo comer uma pizza, meu.
Todos a viam desfilar com sacolas de marcas caras ao menos três vezes por semana.
Os grandes amigos de outrora não sabiam explicar como ela conseguia, esperavam vê-la aos pandarecos, deprimida e completamente humilhada. Mas não, ela fazia questão de desfilar naquele Mercedes-Benz conversível em baixa velocidade, esfregando nas suas caras a boa situação que exalava. Pelas regras da hipocrisia diária, eram obrigados a cumprimentá-la e desejar-lhe bom dia, embora a vontade fosse roubar seu carro e a atropelar com ele.
No shopping, era sempre vista pagando contas no caixa electrônico, para depois entrar nas lojas e lanchonetes. Os vendedores reconheciam a cliente exigente que era, quase nunca tinham o que ela procurava, mas viam sua persistência quando, no estacionamento, colocava as sacolas no porta-malas. Seletiva, já tinha banido algumas marcas de sua lista.
Não bastasse tudo isso, era vista dando um show de civilidade no trânsito, sempre respeitando a sinalização, dando a vez aos pedestres, nunca buzinando e se mantendo à direita. Se tivessem um pouco de vergonha, se envergonhariam. Mas só têm despeito, arrogância, egoísmo. Já mandaram toneladas de fofocas e calúnias para as colunas sociais e ela nem demonstra contrariedade. Se mostra altiva, superior, andando firme e a passos largos, estampando "PODEROSA" nas legendas e pensamentos alheios.
Quando a abordavam ela cumprimentava civilizadamente, mas mantendo a devida distância. Foram meses calando bocas e baixando cristas até que um dia sumiu. Mudou o e-mail e migrou o blog sem avisar a ninguém. O celular caríssimo, com a linha, foi dado de presente para uma empregada fiél, mas que não pôde acompanhá-la por causa da família.
Vendeu as empresas por bem mais do que pensavam que valessem. Queriam comprá-las a preço de banana e demorar a pagar por elas, talvez até enrolando para que nunca precisassem pagar. Em um meio onde todos se toleravam por conveniências, ela parecia ter se tornado desinteressante quando o marido morreu. A cena que os jornais mostraram era para fazê-la dar cabo de si; ele e dois garotos de programa nús, em um motel de quinta categoria, com sintomas de overdose, os três mortos. Nos primeiros dias ela até que sofreu um recolhimento forçado, mas depois emergiu diante de olhares incrédulos. Não conseguiram encontrar um só podre que justificasse sua boa fase, nem mesmo um amante socialmente inaceitável. Nada.
O que ninguém sabia porém, era que tudo não passava de aparências. No primeiro mês, para preservar a própria sanidade, colocava suas próprias roupas em sacolas de grifes caríssimas, preferencialmente daquelas que não perguntam e não dão informações sobre sua clientela, e saía pelos centros de consumo mais caros da cidade. Não sabia até quando o dinheiro que tinha duraria, então parou de gastar com supérfulos por puro instinto de sobrevivência, mas não poderia dar àqueles hipócritas o gosto de verem-na na sarjeta. Passou a andar bem devagar com o SL600 para poupar combustível e peças, mais que para respeitar o limite de velocidade. Redobrou os cuidados com a condução para evitar acidentes, bem como para não receber as multas que já não poderia pagar. Civilizou-se na marra.
Comprava pouco, mas não comprava peças baratas, comprava peças duráveis e do melhor acabamento, no fim das contas economizava. A alimentação ficou natural também na marra, fez a contas e descobriu que assim economizaria com cosméticos, pois para dar andamento aos seus planos não poderia descuidar da boa aparência. Dormir e acordar cedo fazia parte da nova rotina.
Tudo o que exibia não passava de aparências, tão somente aparências. Mas não foi isto que lhe ensinaram para fazer parte da "sociedade"? Pois aprendeu e se tornou melhor do que os mestres da hipocrisia. Ninguém podia imaginar que ela passava o dia fazendo contas, remanejando despesas e cortando supérfulos. Aprendeu a usar as revistas de sodoku para fingir que se divertia, quando estava era calculando o orçamento do mês. Estava vivendo muito modestamente, na verdade, mas dando a entender que nunca estivera em melhor situação financeira. Desfilar e sumir repentinamente lhe dava um ar principesco.
A bem da verdade, quase que deu cabo de si, realmente. Foi proibida pelo marido de trabalhar, teria que ser a "rainha do lar", e na sua concepção uma rainha era uma peça meramente decorativa. Sua inteligência era sumariamente ignorada, preferiam vê-la a ouvi-la. Todos a incentivavam ao casamento por interesse. O ex-namorado, hoje casado, vive bem, sem problemas e a esposa não passa pelos sufocos que foi obrigada a engolir calada. Ninguém aceitava ouvir que ela não era feliz, já que a parte material estava suprida e é só o que lhes interessava. Amor não valia nada, afinal não enche barriga. Só o que não levavam em conta, e viu de perto, era a infelicidade generalizada de pessoas que se vendiam umas às outras diariamente, para dar satisfações ao terrível "deus sociedade". Suicídios de "amigas" que foram abafados e registrados como taquicardias, derrames e outras doenças corriqueiras eram comuns, afinal tinham os donos de jornais nos bolsos e precisavam iludir a si mesmos para que não fizessem o mesmo. Precisavam e ainda precisam que o mundo acredite que suas vidas são felizes e perfeitas, para que possam ouvir isto de quem não conhece suas realidades e assim programar seus cérebros para acreditarem na mentira. E quer mentira maior do que o colunismo social pago?
Sim, ela soube de ricos felizes, mas eram poucos. Fizeram algo que eles jamais cogitariam, temendo o que os outros pudessem pensar: desceram do pedestal. Não admitiam não serem vistos como seres superiores.
As photographias de jornal, as matérias de televisão, tudo falso. Era constantemente ameaçada pelo marido para que não desse vexame, especialmente quando começou a desconfiar de seu gosto por rapazes. Ele não podia deixar a fama de machão cair por terra, era o seu status. Ser homophobico em nome da sua religião era o que mais lhe dava aceitação social em seu meio. Com esta aceitação conseguia obter negócios e negociatas mais vantajosos. Precisava ser cada vez mais agressivo diante da esposa para preservar seus porões. Não era à toa que raramente visitava a família, nunca sem ele por perto. Foi obrigada a abortar porque ele acreditava que a criança não seria um menino. Tudo acobertado. A fiscalização não aparecia, pois sempre havia um deputado para "defender a moral da família brasileira" e evitar um escândalo, não raro com capangas.
Sem filhos, apesar do sofrimento, tudo ficou mais fácil. Sem que os outros vissem, cuspiu no caixão e ficou lá até ter certeza de que estaria bem enterrado. Mandou colocar duas placas de cimento para que não houvesse a mínima chance de ele conseguir sair, se aquilo fosse apenas catalepsia. Foi para casa ver o que faria da vida. Ficou vários dias se informando, estudando e tomando ciência de tudo o que ele não lhe permitia saber. Conseguiu saber o suficiente do patrimônio para traçar sua estratégia. Por ironia, a tragédia seria sua tábua de salvação. Viu seu algoz ali, morto, frio. Viu o caixão ser fechado e não saiu de perto até ter certeza de que estivesse bem travado. Não deu no pé até ver as mudas de guiné serem plantadas no túmulo. Seu trauma estava morto e enterrado. Fora o que lhe ensinaram não fora? Estava agindo por interesse pessoal, e seu interesse era se livrar daquele mundo falso, daquela bolha de aparências que ajuda a manter o país no terceiro mundo. Desde a viuvez que suas imagens na mídia eram ignoradas, de "dama da sociedade" passara a ser apenas uma figurante sem importância. Admirou ainda mais os cães desde então.
Pediu segredo aos pais, contou tudo pelo que passara e o que pretendia. A família toda recomeçaria a vida em São Paulo, onde o anonimato do indivíduo garantiria sua retomada. Eles foram primeiro, para a casa de uma parente distante, até a mobília chegar ao apartamento comprado.
Parte de sua estratégia foi não mais publicar balanços das empresas, que iam mal, mas não como se pensava. Abriu perfis falsos em redes sociais para sondar possíveis compradores, em quem concentrou esforços e conseguiu os frutos devidos. Enquanto os chacais sociais idolatrados pelos jornais esperavam com as moedinhas em mãos, ela desmembrava e vendia cada empresa, tendo o cuidado para só oficializar tudo na última hora. Nem mesmo seus gerentes, tão más figuras quanto o falecido, souberam até ser tarde demais. Foi deles que partiu o alarme tardio que pegou a todos de surpresa.
E lá ia ela, exibindo uma prosperidade que não havia, uma civilidade forçada, uma vida ainda mais falsa do que a daquela gente. Tão falsa que parecia verdadeira. A única cousa verdadeira estava de mudança para São Paulo, próximo à subprefeitura de Pinheiros. Lá ninguém lhe conhecia, ninguém sabia de seu passado nem estava interessado em sua tragédia. Ninguém além da família. Tanto melhor, estava conseguindo superar tudo sozinha. Sempre esteve sozinha, não era a presença daquela bicha troglodita que coçava as partes a toda hora que revertia a solidão.
São Paulo gosta de quem trabalha. Ela estava entrando de sócia em uma pizzaria vinte e quatro horas, que só precisava desse investimento para deslanchar. E foi tão bem recebida nas vezes em que esteve lá, os nativos desmentiram na prática tudo o que se falava da cidade. E o que ela fazia naquele casamento de araque nada menos era que trabalho árduo, em regime de semi-escravidão.
Mas acabou! Deu tudo o que não vendeu de presente para as empregadas, inclusive as casinhas em que moram, viajou pra Brasília, lá vendeu o Mercedes e voou para São Paulo. Os pais a esperavam ansiosos em Guarulhos, onde o choro típico do nascimento delongou por quase uma hora. Vida nova.
Acabou! A vida de aparências acabou! Está livre! Nunca mais quer rever aqueles arremedos de pessoas. Nunca mais precisará dar beijinhos em açougueiras que posam de boas cristãs. Nunca mais terá que aparecer ao lado de políticos que acabaram que vender seus eleitores para quem pagou mais. Poderá tacar tomate podre neles sem medo. Plantará e cultivará amigos de verdade, companheiros para assegurar sua sanidade mental, fará o que aquela vida falsa não lhe permitia. A vida começa hoje, e o que é melhor, pizza grátis todos os dias.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Outubro é festa!

Pois é, estamos naquele mês do ano em que os professores já querem trucidar seus pestinhas um milhão de vezes cada um (eu ouvi o termo outubrite e já adotei pra vida) e que a mídia inicia o bombardeio que se seguirá de verão-natal-carnaval. Nesse ano, ainda convivemos com as eleições e as muitas artimanhas dos marqueteiros políticos, como disse no meu último post.
É também o mês de aniversário do nosso querido Talicoisa, que já teve festas bem mais efusivas, mas isso não quer dizer que a gente o ame menos.
Em homenagem ao mês, vamos à famosa pesquisa arqueogoóglica para saber a que nos remetem, naquele estilo o primeiro colocado e as associações, como é de praxe.
Outubro, segundo o gúgou, começa com a expressão "outubro rosa", homenagem à campanha contra o câncer de mama. Bela remissão, mister Gugou!
Rosa, então, talvez tivesse umas ligações bacanas, mas as duas primeiras são propagandas. Apenas na terceira aparecem o termo, mas no plural, e nesta, os dois primeiros colocados são relacionados a imagens e recados virtuais. Sim, aqueles cheios de imagens e bichinhos e etecétera.
Tanto que a expressão Recados remete imediatamente para isso, tanto que a palavra Orkut aparece em quatro dos dez primeiros resultados e os dez primeiros resultados da palavra "recados", sozinha (segunda colocada na busca de auto-preencimento) remetem novamente ao site. Fica até difícil fazer remissão assim. Então, em vez de procurar no nome do dito-cujo, até porque não ganho nem um centavo pra isso, vou tentar burlar e buscar pela palavra virtual pra ver o que acontece.
Nessa, a primeira indicação foi para o Disck-Jockey virtual, um aplicativo para você que, como algumas celebridades e sub-celebridades, quer atacar de DJ. Os DJ´s profissionais talvez remetam o termo a atacar realmente no sentido bélico da palavra, por raoes óbvias.
Aliás, a busca pelo verbo do conflito vai direto no significado dele, logo depois, é claro, da propaganda.
Usando uma das acepções do verbo, boto o bolinho abaixo e, em homenagem ao nossa aniversário, neste mês de outubro, eu digo:


Atacaaaaaaaaaaaaaaar!!!!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Sing for me, Karen


Mais um aniversário difícil de celebrar, Karen. Teu silêncio lugubre me gela o peito e a espinha. Você não me responde mais, nem com uma malcriação.
Faz tanto tempo que não ouço tua voz, que praticamente só me lembro dela. Ainda a tenho cristalina e sedosa como sempre fora, enternecedora de tal modo que só mesmo você poderia ter assim cantado. Me lembro melhor do que me cura que daquilo que me fere, foi assim que perdoei tudo quanto aprontou comigo e nossos pais, Karen. E sua voz não escondia o anjo detrás das malcriações. Quem te conhecia como nós te conhecíamos, sabia quem você realmente era.
Eu deveria ter ficado mais atento, ter cuidado de você como prometi para mamãe.
Está tudo gravado, mas não é você. Posso ouvir e re-ouvir tantas vezes quantas quiser, mas mesmo hoje nenhuma tecnologia de gravação faz juz à tua cantoria. Hoje é fácil ter vídeos a qualquer momento, mas eu não posso conversar com um vídeo. Com você eu ria, chorava, bradava ou ficava perplexo; nossos vídeos só me deixam triste. Deve ser uma doença, porque eu sempre quero ver de novo. Às vezes fecho e saio, mostrando que está tudo bem, mas a minha vontade é de entrar no vídeo e te abraçar de novo. Uma vez só.
É triste lembrar que hoje é meu aniversário, Karen. Estão todos à minha volta, querendo me ver sorrir, saber do carro que adiquiri para minha coleção, da melodia que compus ou em que tenho trabalhado. Mas eu só quero chorar, Karen! Eu só quero chorar!! Mas tenho que manter a armadura para que os outros também não fiquem tristes.
Eu tinha que ter cuidado melhor de você, mas você não deixava! Orgulhosa, sempre disse para não nos metermos, que estava tudo sob controle, que sabia o que estava fazendo! Você demorou demais a perceber que precisava de ajuda, Karen!
Você não era só uma irmã para mim, era mais como minha filha! Eu tinha que ter cuidado de você!
Hoje estão todos à minha volta, me felicitando, me abraçando, querendo que eu cante o que cantávamos juntos! Não havia e-mail na nossa época, tem a ver com computadores e linhas telephônicas de alta velocidade. São milhões de fãs, Karen! Até hoje me mandam e-mails, cartas, presentes, dizem que nossas canções mudaram suas vidas. Até hoje muitos escrevem chorando e eu tenho que consolá-los, quando eu mesmo mal me agüento em pé, mal consigo digitar enquanto minhas lágrimas molham o teclado!
Já são quase trinta anos. É uma vida. Uma vida inteira sem você.
No meio de tanta gente esnobe, com pretensões de parecer intelectual, moderna, descolada, você era uma caipira convicta e assumida. Ser tão verdadeira não é bem visto por este mundo cretino, Karen. Com você as meias-palavras eram papel-higiênico, mandava passar naquele lugar e "ai" de quem achasse ruim. Eu ficava bravo, mas depois ria. Você falava o que ninguém tinha peito para tanto. Eu gostava de te ouvir.
Por que você fez isso comigo? Por que não aceitou ajuda quando oferecemos? Eu nem posso mais ficar puto com você, porque cada vez que começo a ficar, fico também com saudades e choro!
Você não era só sua, Karen. Você tinha um pedaço meu também, um pedaço grande do meu peito! Hoje eu falo e você não responde, nem com uma malcriação! Nem com a língua de fora! Nada!
Hoje é meu aniversário, Karen, e eu só queria te ouvir de novo. Hoje fiquei mais velho e você não ligou nem para zombar da minha careca crescente. Não disse que estou ficando gagá e esclerosado, que só posso comer papinha.
Quando quis, você sempre foi carinhosa, com com aquelas crianças no Japão, cantando em japonês... Quantos cantores americanos sabiam balbucear, quanto mais cantar em japonês? Só você mesma para se dar a tanto trabalho. Eu me lembro, mas perdi as contas, de quantas vezes foi comigo também. Eu compreendo, o mundo não era bom o bastante para você e hoje, acredite, consegue ser bem pior em muitos aspectos. Foi bom... Foi este o problema, ter sido bom.
Foi bom demais, Karen. Apesar de tudo. Tão bom que me viciei e sinto falta. Eu ando para frente, mas sempre olhando pelo retrovisor. Não é excesso de cautela, é para tentar te ver.
Você levou muito de muita gente consigo. Não deu para ser o mesmo depois que você foi embora, ninguém é o mesmo desde aquele dia. Há momentos em que eu penso que a dor vai me matar, talvez fosse melhor ter um câncer, que me daria a certeza de que tudo acabaria em breve.
Eu agüento, você sabe. Tenho responsabilidades e pessoas dependendo de mim, preciso agüentar firme até o fim. Mas você me conhece, sabe que não é tão fácil quanto faço parecer. Minha vontade era cair da cama e acordar, então te ligar e ouvir você me xingando por ter te acordado tão cedo por uma bobagem... Mas eu sei que estou acordado. Durmo todas as noites e acordo sem que algo tenha sido só um pesadelo.
Give-me a last wish, please... Sing for me, Karen!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Sacrifício

Ajude sem pedir retorno.
Foi chamada a depor. Já era conhecida da polícia, mas nunca tinha se envolvido em encrencas. Na verdade nem agora, a envolveram no escândalo que fez muitas autoridades saírem de cuecas daquele motel.
Sempre foi a meretriz mais discreta e, pasmem-se alguns, mais elegante da região, mais elegante do que a maioria das esposas dos figurões envolvidos. Eles não podem alegar nada, deram azar de a imprensa estar lá, transmitindo ao vivo uma matéria sobre acidentes na rodovia, onde fica a região dos motéis.
Mas não importam os figurões, os deputados, o capitão da polícia, a desembargadora que hoje se sabe ser lésbica, o eminente e moralista empresário, nem o pastor com gosto por garotões tatuados. Nos importa Anna Elisa de Albuquerque Silva e Lima, a Téia, como é conhecida.
Um juiz que foi socorrer a colega, após uma conversa com o delegado, concluiu que Anna era a única em condições de falar sem constrangimentos, e os policiais já disseram que é de confiança...
- Então, meritíssimo, como eu já disse ao delegado, estava livre naquele momento e presenciei tudo. Estou à disposição da justiça para os devidos fins.
- Óptimo. Primeiro, quanto à minha colega de fórum...
- Ela está limpa. Ela e a outra moça encontraram o vereador por acaso e a esposa dele as confundiu com amantes.
Continuam com o depoimento, a moça impressionando pela fluência, pela eloquência e pela vasta e profunda cultura que demonstra. Já de manhã, após o juiz ter gentilmente retribuído a cooperação com um desjejum a três, passam para ela a coroa do tópico...
- Os policiais me disseram que você é enfermeira, é verdade?
- Sou. Sou formada em enfermagem pela UFG e tive pós-graduação trabalhando com o Exército.
- Uma pessoa com as suas qualificações (me perdoe se pareço preconceituoso, não sou ) não consegue uma boa colocação no mercado de trabalho?
- Não. Na verdade eu não estou nesta vida tanto por mim, mas pelas pessoas das quais eu cuido. Sou voluntária em um asilo de idosos e eles precisam do dinheiro que ganho desta forma.
- Compreendo. Vida dupla então.
- Já me falaram disso, por alto, mas a diferença entre o que você ganharia em um hospital e o que ganha tolerando esses canalhas é tão grande? Porque eu sei do asco que vocês sentem, as suas colegas já me relartaram.
- O asilo é uma instituição de caridade, depende muito das verbas estatais, que são escassas e burocratizadas. Eu já tentei sair da prostituição, mas enfrentei resistência e até ameaças. Aquele deputado, do Partido da Moral Ilibada, ameaçou fechar todas as portas se eu não o servisse mais. Com o que ganho supro parte do que a ajuda oficial não cobre. Eles usam medicamentos caros, é uma barganha para que tenham um mínimo de dignidade.
- Por que não o denunciou?
- E quem acreditaria em uma meretriz, delegado? Agora, pego com a boca na botija, talvez ele seja punido, mas mesmo assim eu temo pelo que ele pode fazer com o asilo. Ele pode acreditar que foi armação minha e impor represálias.
Os dois se olham, infelizmente não têm poderes para impedir isto, é outra alçada. Já viram prostitutas que usavam da profissão para angariar fundos e mover recursos para causas nobres, mas este caso é mais interessante ainda, ela fala do asilo como de uma família. Tem um filho de pai desconhecido, fruto da profissão...
- Não, nunca abortei. Conheço a maioria das garotas, quase todas já abortaram, mas eu tenho um código de ética muito rígido. Fiz uma promessa na formatura. Mas no meio já é algo banal, se nós mesmas somos banalizadas, coisificadas.
- Mesmo sendo... desculpe.
- Tudo bem, delegado. Eu estudei o corpo humano durante o curso. O facto de o feto não ter um cérebro formado não significa que ele não seja uma vida, plantas não têm cérebros. A maioria só quer mesmo se safar das conseqüências de seus actos; comer o peixe sem molhar a patinha, como se diz. Há uma diferença de um óvulo e um esperma para um embrião, são aqueles os ingredientes para este se formar.
- Você é contra o aborto?
- Sou, meritíssimo. Mas deixo claro, contra o aborto, não contra a mulher que se vê obrigada a abortar. Sou adulta, não confundo as coisas. Matar uma criança para antecipar a próxima relação não é uma "conquista da mulher", é tornar natural eliminar uma pessoa que lhe seja incoveniente. Ninguém se torna mais emancipada com isso.
- Mesmo com a ciência dando brechas...
- Se eles ousarem admitir que um óvulo fecundado é uma vida, logo terão que admitir que o cérebro não é a pessoa, que existe algo mais e teriam que deixar seu orgulho materialista de lado. Eu poderia ter conseguido um emprego na faculdade mesmo, mas entei em atrito com um ateu radical e um fanático fundamentalista, ambos gente influente lá dentro.
- Ouça, eu vou ser sincero... Estou escrevendo um livro sobre a minha magistratura e vou acabar aproveitando essa sua história...
Conversam e ela aceita passar na residência do juiz, com a família toda adulta já presente, para continuarem a conversar a respeito.
Após os serviços no asilo, e ter que correr à emergência com um velhote que não viu o desnível da escada, ela chega à casa do magistrado. O belo rosto a faz ser reconhecida, mas o vestido médio cinturado, a maquiagem leve, os cabelos em rabo-de-galo e a enorme bolsa feminina destoam do que ele viu no dia anterior. Como ele advertiu, o nível cultural dela consegue constranger. Reiniciam a conversa, em uma varanda à sombra de um bougainville de flores amarelas, com suco de melancia e petiscos...
- Os homens geralmente preferem seus prazeres às suas necessidades. Conheço casos de meninas que foram para a prostituição após serem estupradas pelos pais e expulsas de casa pelas mães. Para esse tipo de homem, é necessário que alguém vá par a sarjeta, para que eles se sintam bem. Esses homens querem que a prostituição continue existindo, mesmo que para isto alguém tenha que amargar um sofrimento pelo resto da vida.
- Foi o seu caso?
- Não. Eu sou órfã, nunca conheci uma família. Mas fui muito bem educada no orfanato. Aprendi tudo de que precisei para me virar até me formar, mas depois todas as portas se fecharam e eu tive que apelar para o sexo.
- Quem fechou as portas?
- Desafetos. Gente que teve seu orgulho ferido. Como eu já disse, eles preferem o prazer à necessidade, e o prazer pode ser muito bem ver o inimigo na lama.
- Olha, no seu caso então se deram mal, porque você tem uma dignidade difícil de encontrar. O que você faz no asilo, exactamente?
- Tudo. O que for preciso eu faço. Sou uma provedora.
- Então é esse o peso que essas ameaças têm. Você não tem medo de vir a faltar por causa de alguma doença, ou um atentado? Sabe que essas regiões ermas são perigosas.
- Se eu tivesse escolha, eu a faria. Mas as pessoas que poderiam ter ajudado, preferem pagar cem reais por um rápido rogasmo a dez reais por hora para alguém ajudar os outros. Não falta dinheiro no mundo, se faltasse, a prostituição não seria tão próspera. Para seus egoísmos o homem tem dinheiro. Como o sujeito que gasta o salário na bebedeira enquanto a família tem que se virar com os vencimentos da mãe, que quase sempre ganha menos, ainda que faça o mersmo trbalho.
- Mas você não demonstra ser amarga, ou infeliz com  avida que leva.
- Não tenho tempo pra isso. É muita gente dependendo de mim para eu me preocupar com a crueldade do mundo e as injustiças do sistema. Sim, por causa disso já me tacharam de alienada, de pelega, mas é gente que nunca estendeu a mão para quem precisa, só para os do seus grupos. Mas já disse que não tenho tempo para isso, as retóricas ululantes de protesto contra ou a favor do governo não vão abastecer a despensa e a pharmácia do asilo. Ideologistas então, nunca contei com eles.
- Olha, nos meus trinta anos de juiz eu nunca tinha visto isso. Essa sua atitude é rara. Você não gosta do que faz, isso já deixou claro.
- Quase ninguém gosta do que faz, mas todo mundo precisa viver. Eu procuro ser discreta, não ponho anúncios nos jornais, não participo de eventos afins, embora mingue meus ganhos isto preserva o asilo de assédios. Não é pra mim que eu trabalho, se fosse só por mim eu me viraria numa banquinha de camelô. Mas as pessoas doam pra caridade, em um ano, menos do que gastam em uma noite de cervejada. Sabe aquela frase "Se for pedir pão, ninguém tem um tostão, mas se for pedir cachaça tens amigo em toda praça"? É a mais pura verdade.
A família ao redor apenas ouve. Alguns ficam constrangidos com a carapuça justa. Dão uma nota das menores à cestinha da igreja e ainda pedem troco, mas nada é caro o suficiente para os amigos em um bar. Pararão de pedir troco. Tomam um ponto menos tenso, falam de sua "condição como mulher"...
- Sou feminista até certo ponto. Houve uma distorção do que é o feminismo, o azedume tomou conta de algumas de tal forma, que até parecem homens. E quase me batem quando eu digo isso. Houve tamanha repressão no passado, que tem gente querendo recuperar os milênios de abstinência de suas ancestrais numa vida só. Certa vez, uma mulher em um carro me disse que invejava minha profissão, porque eu ganho a vida com orgasmos. Ela saiu tão decepcionada quando eu contei o que é realmente ser prostituta! Eu falei do nojo, dos maus tratos, dos sujeitos que acham que eles é que deveriam ser pagos de tão gostosos que se acham. Mulher ainda é objecto para os homens, e muitas estão vestindo a carapuça como se realmente servisse direitinho.
- Mas você concorda que sexo é uma necessidade natural.
- Discordo categoricamente. Sexo é uma imposição genética para fins de reprodução. Só que hoje não precisamos mais nem nos tocar para assegurar a continuidade da espécie. Sexo é necessário à vida selvagem, não à civilização. O dia em que as mulheres passarem a ver o sexo como artigo supérfulo, então sim o feminismo dirá a que veio.
Todos engolem seco. Agora entendem porque seu pai fez questão de que estivessem presentes à visita. As saídas para a balada ficam para outro dia, querem ver até onde a conversa vai...
- Sexo traz prazer, vontade de viver, et cétera.
- O "obrigado" que costumo ouvir de meus velhinhos me dá prazer, me encoraja a continuar vivendo mesmo nas condições em que vivo. Se for isto o argumento, então não preciso dele. E antes que toque no assunto, conheço casais que estão há muitos anos sem sexo e vivem muito bem, com maturidade.
Agora a esposa do juiz é quem dá um sorriso largo, ele terá doravante que compreender quando ela não estiver disposta. Já parou de ler certas revistas que chegavam a dar dicas de como se tornar insaciável, para ter sucesso com os homens. Toca o celular de Anna, é o tal deputado exigindo sua presença, para aliviar a humilhação pela qual passou. A moça fica constrangida, tensa, depende deste contacto, mas o juiz se adianta e pega o aparelho...
- Aqui é o juiz Vasconcelos e vou te dar voz de prisão se me desacatar de novo. Ouça que direi uma única vez, ela está em um depoimento seríssimo e o senhor está todo enrolado. Tenho aqui gente da polícia federal anotando tudo em um lap-top. Tenha a certeza de que meus colegas do Tribunal Superior Eleitoral receberão o material, então vê se não complica ainda mais pro seu lado. Tá anotando tudo aí, Lúcia?
- Via Skype, pai. O Ministro está ouvindo tudo.
- Essas tecnologias novas me assustam. Está avisado. Anna, eu vou te fazer uma proposta. Tenho um conhecido que inspira cuidados. Ele tem um belo patrimônio, é antigomobilista renomado, mas a viuvez fez muito mal a ele. Casa com ele. Ele pode dar conta sozinho do asilo e você poderá se livrar dessa vida de que não gosta. Ele tem a saúde frágil, precisa de uma esposa-enfermeira e quando conversamos na delegacia... Desculpe, eu já tinha a intenção de bancar o cupido e acho que você é a mulher ideal para ele.
- E a família?
- Cada um pegou a sua parte na herança e nunca mais deu notícias. É gente como essa que você descreveu. O Gaspar adopta o seu filho, tenho certeza. Vocês dois na casa dele vão vazer o que os remédios não fizeram.
Chamam o dito-cujo, que mesmo tossindo pela bronquite, chega dirigindo um Buick LeSabre 1971, azul marinho, de capota baixa. Um nheco-nheco de vez em quando é o máximo que ele pode pedir, em termos de sexo. A figura assaz interessante da moça o anima e o cara-de-pau sem-vergonha notório apronta das suas, a agarra, leva um tapa, agarra de novo e a beija, faz o pedido e ela aceita. é o tempo de o edital sair nos jornais e a cerimônio civil, simples e rápida, comemorada em uma pizzaria com o menino, se dá.
Um ano e nasce uma menina, mais um e a sede própria do asilo é providenciada. Sem humilhações, sem riscos, sem ter que barganhar migalhas em troca de submissão sexual.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Boi de piranha

Existe uma expressão que talvez muitos desconheçam, que vem do tempo em que a pecuária no Brasil era apenas extensiva. O gado era criado no campo, livre, e era levado pelos peões e seus ajudantes, que iam tangendo as tropas com seus berrantes, muitas vezes atravessando rios caudalosos, alguns cheios de piranhas. Tal expressão é "boi de piranha"
Essas cenas estão incorporadas ao imaginário popular através das músicas sertanejas, das tradicionais-de-raiz às moderninhas-estilo-pop-universitário ou outro nome que o marquetingue fonográfico inventar.
Uma delas, Travessia do Araguaia, explica a exata acepção do termo: um animal mais velho, ou doente, é posto para atravessar um rio cheio de piranhas; enquanto elas devoram o pobre animal, os outros atravessam em segurança. A letra faz uma comparação com o sacrifício de Cristo pela humanidade.
É uma lição pungente. Mas que agora leva uma outra significação, muito mais cruel e menos redentora. Vários partidos políticos, utilizando-se da força da mídia e do marquetingue viral estão usando sub-celebridades, famosos, ex-jogadores de futebol como bois de piranha. Já havia alertado aos problemas do "porque sim" político, mas nem havia me tocado do perigo imenso que isso representa.
Mas os peões de gado partidários logo perceberam: assanhadíssimos se aboletaram na regra da proporcionalidade e do coeficiente que fazem parte do nosso sistema eleitoral.
Ah, o povo não quer mais nos eleger? Rá! Grandes coisas, confabulam. A gente coloca um boi de piranha pra concorrer. Enquanto a imprensa, em todas as suas formas, ataca nosso candidato-boi-de-piranha, faz propaganda pra nós.
Enquanto os intelectuais se debatem como o famoso peixe devorador, aclamando que é um absurdo votar nesses despreparados, analfabetos, desdentados, mendigos, etecétera, enquanto isso vira piada, nosso nome aparece.
E um monte de gente vai querer votar no nosso boi. Sim, ele vai ser devorado. Primeiro, pela imprensa, depois, pelas piadas, depois, pelos intelectuais. E vai ser devorado pela população, que quer votar por protesto, porque não nos aguenta mais.
Nós, os espertos, vamos passar incólumes enquanto oferecemos um triste espetáculo aos que acham que estão protestando, ou votando na base da piada, para dar A NÓS uma lição! É de chorar de rir!!!!!
Mal sabem que, por trás do boi de piranha, estamos nós, a são e salvo, sendo levados pelo sistema eleitoral. Não, eles não queriam votar em nós. Eles queriam até nos dar uma lição, votando em qualquer coisa, menos na gente. E acabam NOS elegendo... hauahuahauhauhauha!
E, jogando com o regulamento debaixo do braço, a gente pode até fingir que perdeu.
Mas o campeonato, esse é e sempre será nosso.


Sim, é assim que os peões pensam. E nós, em geral, caímos direitinho....

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A fumaça vai com o vento

A liberdade é um dos pretextos preferidos de quem quer fazer besteira, sem se importar com riscos ou conseqüências, só com o próprio umbigo. Ouço berros histéricos sempre que o facto de eu não querer fazer besteiras chega ao conhecimento de gente que vê cada um na obrigação de fazê-lo, como se minha recusa fosse uma ameaça ao seu modo de vida. Talvez porque "Todo mundo faz" também seja um bordão muito recorrente para essas pesoas. O problema é quando começam a disseminar a idéia de que quem não faz é hipócrita, enrustido, et cétera.
Há um adesivo infame, que até parece ser legítimo, que diz "Deus deu a vida, para que cada um cuide da sua". Seria até nobre, se o tipo de gente que cola cousas assim em seus carros não costumasse ser justo o que gosta de incomodar os outros, e ainda caçar briga se alguém se manifestar. Pessoas que, para usufruir da própria liberdade, se vêem no direito de tolher a do próximo; e até a do distante, porque esses carros com som são um inferno! Mas vai ligar o som do teu carro com algo que ele não gosta!
Comecemos pelo cigarro. O outro quer cometer suicídio? O problema seria só dele, se morasse sozinho desde o início da vida em um lugar isolado, onde no máximo um pesquisador aparecesse vez ou outra para colher dados, e então concluir com uma indicação do suicida para o Prêmio Darwin. A fumaça do cigarro não vai para onde o fumante quer, então não adianta ficar à porta, dar cem metros de distância, baforar para cima, nem cousa alguma. A fumaça é um amontoado de gases, ela obedece o fluxo do ar e vai para onde ele a levar. Fumaça não tem controle remoto. O fumante não percebe em seu olfato desgastado, mas o fedor da nicotina dura horas e é intenso. Quem estiver perto de ti mesmo assim, e não for fumante, pode dar-lhe uma procuração, este gosta de ti como de um filho. Há quem ache que se não gostas de cigarro, não gostas do fumante e começa a implicar. Também há os panacas que vestem a carapuça e querem fazer com os fumantes o mesmo que gostariam de fazer com o cigarro, tentando fazer a pessoa ser reduzida publicamente a uma erva em brasas. Bom senso passou longe, heim!
Quem vive em sociedade não tem liberdade plena. Nunca. Provavelmente nenhum eremita jamais teve liberdade plena. Para tê-la, seria preciso que seus actos não afetassem a ninguém, mas ninguém mesmo. Infelizmente devo informar que tudo o que se faz afeta alguém, em menor ou maior grau. Se tu entras no ônibus e se sentas em qualqueer lugar, o que entrar depois pode te ver como um invasor de seu lugar preferido. Neste caso não há direiro de reclamação, o ônibus é público e quem chega primeiro escolhe onde se sentar, salvo disposições legais em contrário. Mas se ligas teu aparelho de som em volume acima de tua audição exclusiva (o que é proibido, podem chamar a polícia se quiserem) já excedeste o teu direito. Como espaço público, o ônibus deve ser o mais neutro possível, pois ninguém é obrigado a partilhar das preferências alheias. Não é da tua conta as agruras pelas quais os outros passaram até o momento do embarque, é com eles e não devem te incomodar com isto. Não é da conta dos outros passageiros o teu gosto ou mau gosto para sonorização, para isto existem os phones de ouvido. Com eles, o que ouves está dentro do teu espaço, sem eles estás invadindo o espaço alheio, o que daria a qualquer um o direito de revidar com algo de que tu certamente não gostas em volume igual ou maior.
Lembre-se de que isto seria o exercício de tua mentalidade, o outro estaria fazendo o que tu estarias fazendo; se lixando para quem não gosta e se metendo na vida alheia. Ou achas que incomodar não é se meter na vida do outro? É mais ou menos como alguém entrar na tua casa, sem a tua permissão, e começar a soltar asneiras goste tu ou não. Resultado? Briga.
Não fosse o Estado de Direito, mesmo com todas as mazelas que carrega, ainda estaríamos na barbárie. Notícias que nos chocam e dão audiência não seriam sequer veiculadas, pois ninguém se importaria. Um dos mecanismos para isto, devo informar com todo o respeito, é a restrição da liberdade. Ainda hoje tem vagabundo que se acha no direito de matar a mulher que tentar findar uma relação, ele acredita que está no exercício de sua liberdade de macho. Sem a lei e seus recursos de inibição, catar pedaços de corpos pelas ruas faria parte da rotina da limpeza pública, e ninguém veria nada demais.
Parece estúrdia a comparação? Asseguro que não. Os princípios são os mesmos. As pessoas acreditam que têm o direito de viver plenamente suas vidas, mas o conceito de "viver plenamente" muda muito de pesoa para pessoa. A maioria sem grandes sobressaltos, mas muitos são conscientemente nocivos. Agridem aos outros pelo simples prazer de transgredir e sair impune.
Tocando na ferida, quem usa drogas ilícitas alegando que ninguém tem nada a ver com isso é, no mínimo, egoísta. Na esphera social, quem usa financia o traficante. É de tostão em tostão que o arsenal das quadrilhas se forma, quanto mais fontes, mais difícil de rastrear. O "prazer" de quem usa prejudica uma sociedade inteira.
Na esphera pessoal, caso vocês não tenham percebido, uma comunidade é feita de todos os seus integrantes. Se um falta, ainda que provisoriamente, afeta o funcionamento do grupo, tanto mais quanto mais coeso este for. Quem usa afeta a vida de quem está ao redor. Queira ou não, o teu abuso de "liberdade" faz mal à tua família, aos verdadeiros amigos - que os falsos querem é te ver picotado por balas - e todas as pessoas com quem tens alguma convivência. Quer se matar? Primeiro espere a maioridade, rompa todos os laços e se jogue de um avião com a mochila vazia. A sensação de alteração de consciência é semelhante, só que causa menos sofrimento aos que ficarem. Se tu não respeitas o bem-estar dos teus entes, como queres que respeitem as tuas decisões? Aliás, tens mesmo idade (inclusive mental) para tomar decisões importantes? Seja o que fizeres, não importa o quê, vai afetar alguém. Se tens um mínimo de consideração por alguém que não habite o teu corpo, faça algo reversível. Quando começar a empolgar, é o sinal vermelho para pedir ajuda, ainda é fácil voltar atrás.
Se alguém se zangou com o que eu cabei de dizer, feche a página e vá ver outra cousa. Depois, se quiser, com a cuca fresca, volte a ler desde o início. Não estou tentando tolher, embora lhe pareça, a liberdade de ninguém. Só demonstrando o quão relativa e até ilusória é a liberdade humana. Não pensem que foi fácil para mim, ainda saindo da adolescência, concluir que esta vida NÃO É MINHA. Sou sócio majoritário, minhas decisões prevalecem, ou deveriam prevalecer, mas de tudo o que eu decidir os outros sócios terão dividendos ou prejuízos. É por isto que os amigos de verdade muitas vezes parecem ser chatos, implicantes, querendo meter o bedelho onde não foram chamados. Acontece que nós os chamamos, quando os aceitamos como amigos, com isto também trocamos ações da Vida S/A. Alguns têm participação acionária suficiente para nos dar sermões.
E a sua mãe, como vai? Os cabelos brancos dela são naturais ou forçados pelo estresse? E de onde vem o estresse?
Ter um filho é estressante por natureza, mas a maioria adora assim mesmo. Ter um filho estessante é passaporte para o enfarto precoce. Faça o favor de não piorar. Há uma diferença entre "curtir a vida adoidado" e curtir a própria pele em vida, infelizmente a maioria dos adeptos do "não se meta na minha vida, mas me meto na tua" não consegue ver a fronteira, pois está muito embriagada com os próprios gozos.
Todos são obrigados a rspeitar aquelas tuas calças ridículas, o teu penteado estrambólico e aquela camisa que parece ter saído de uma convenção dadaísta. Comer porcaria, até certo ponto, também não é da conta de ninguém. Até certo ponto porque se tu passas mal e não consegues se virar sozinho, o erário público terá que arcar com o socorro, até teu plano de saúde ser contactado. Se cair na rua e te atropelarem, aí é que complica, porque a área poderá ficar interditada pelo dia inteiro, se for fatal nem penses nos transtornos que causarás, vais ter vontade de meter a cabeça na parede. Mas alguém terá que lavar o sangue da parede e duvi-de-o-dó que se prontifiques.
Dá sim para curtir a vida adoidado sem destruí-la. Dá para ter muito mais liberdade do que imaginas sem prejudicar quem está por perto. Se pensas que és livre por fazer baderna, pense de novo, és escravo de um grupo que te esfola vivo (literalmente) no dia em que quiseres sair. A polícia não bate com o carinho da mamãe, podes ter certeza. Olhar um policial de frente e poder pedir informações não é liberdade? Regras não são invenções humanas, só as ridículas. O universo segue regras, e a principal é que dois corpos com massa se atraem. Nem as partículas são totalmente livres. Entre os animais existem regras, aliás, extremamente rígidas. Nenhum bicho, mesmo os solitários, é totalmente livre. Os animais sabem o que devem evitar e evitam, sabem escolher um caminho e não se desviam dele, sabem que não devem afrontar criaturas de grande porte e não afrontam. Mesmo entre as plantas há regras, a diferença é que são totalmente conduzidas pelo ambiente. Nenhum animal em estado natural se queixa das limitações, o que fazem é aproveitar ao máximo a liberdade de que dispõe, vivendo dentro dela tudo a que têm direito, como se fosse cada minuto o último da vida, porque na selva pode ser o último.
Regras de convivência são naturais. Só mesmo a boçalidade intrínseca do Homo-imbecilis as rompe por puro prazer e ainda acredita que ninguém tem nada a ver com isso. Todos têm algo a ver com o que te acontece, poucos têm ações suficientes para se sentirem afetados, menos ainda para dat pitacos, mas têm. Exija respeito pelo teu espaço, mas tenhas ciência de que ele não é inexpugnável, principalmente se invadires o alheio. Sempre haverá alguém mais forte e, em vez de te matar e te tornar uma lenda entre aqueles debilóides que chamas de amigos, pode preferir te deixar em uma cadeira de rodas pelo resto de tua vida egoica, inerte do pescoço para baixo, dependendo dos outros até para se alimentar. Aí vais não só depender dos outros, como terás que aceitar tudo o que fizerem perto de ti sem ter como revidar. Garanto que há muita gente nesta situação, ela nada tem de hipotética, basta visitar um hospital de urgências ou uma clínica de reabilitação motora. O retardado que dirigia como se fosse um piloto, verás, hoje só vai aonde quem empurra a cadeira quiser. A pouca liberdade que lhe coube ficou no asfalto onde dela abusou.
Quer um exemplo de irresponsabilidade calculada? Veja o filme "Curtindo a Vida Adoidado" rodado em 1985, e do qual deixo um trecho em vídeo. Vais aprender mais sobre liberdade com ele, do que em anos maltratando tua família e tua comunidade. Porque é fava contada que quando tiveres a minha idade, se ainda lhe restar um pingo de sanidade mental, vais dar razão a tudo o que eu escrevi aqui... É, estou ficando velho.