sábado, 31 de janeiro de 2009

Cidade vazia

Ninguém por perto, nem a vista, nem a prazo ou em suaves prestações. Poderia baixar a calcinha e fazer as necessidades no meio da praça que não haveriam testemunhas. Ou Haveriam?

Um homem à sombra do poste. Seus olhares se cruzaram. Ele tira a mão esquerda do bolso, ela põe um pé atrás. Ele levanta a mão lentamente e ela fica gelada de medo, dá um passo para trás. Ele põe um pé à frente e ela começa a se afastar. Ele se aproxima e ela anda com decisão, logo está em fuga.


A cidade vazia, se lhe dava aquela liberdade, ora cobra o preço de não ter a quem recorrer. Nem se atreve a gritar, seria em vão e poderia causar uma reação rude do perseguidor.


Vê uma igreja. Sabe que está fechada, mas a lua cheia gera sombras intensas na planta recortada daquela nave. Se esconde no grosso portal de uma entrada lateral. O homem não consegue vê-la, mas sabe que o brilho da blusa dourada a denunciará, se mover um músculo. Ele põe as mãos na cintura, coça sob o chapéu e se vai. Ela solta a respiração e sai à luz da lua, pois também não enxerga cousa alguma àquela sombra.


Mas tinha que acontecer algo. Ela pisa no rabo de um gato vadio, que não só chama a atenção do homem, como lhe arranha o sapato novinho. Não é à toa que detesta gatos, é até alérgica a eles. Volta a correr dentro do que os saltos médios lhe permitem, o que compensa em parte com as pernas longas e bem torneadas, propositalmente expostas pela saia levantada, para esta não lhe atrapalhar a fuga. O homem se interessa mais por ela.


Uma árvore. Por Deus, como vai subir em uma árvore daquela tamanho? Olha em volta e vê uma lixeira. Engole o nojo e se esconde lá. Está vazia, menos mal. Ele passa, mas de novo o maldito gato aparece e faz escândalo quando a vê no seu lugar de refeição. Jura que se escapar fará uma petição pela castração dos gatos da cidade.


É atrasada ao ficar presa à grade de um jardim, a qual tentou pular, rasga a saia e corre, agora sem ter que levantá-la, mas a lingerie perolada aparece sutilmente por trás.


É acuada à entrada de uma escola. Ele chega ofegante, mas inteiro. Dá um sorriso que não parece ser de malícia, pergunta se ela se machucou...


- Por que correu de mim?


- Bem... Por que você correu atrás de mim?


- Eu vi você assustada, pensei que estivesse com problemas. Eu sou médico. Você se machucou?


Ela começa a rir desatadamente. Mas agora vê que realmente não consegue dar um passo sequer. É carregada até o Chevrolet 1952, já meio surrado, mas suficiente para um homem austero que não tem família para sustentar. Facto que é resolvido naquela mesma noite, desembocando nas núpcias em poucas semanas.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Amar é nunca ter que rever um filme ruim


Era uma vez um casal apaixonado. Ele era milionário, ela era pobre. Os dois se conhecem na biblioteca da faculdade. Discutem. Eles começam a sair. Depois, o compromisso fica mais sério. Vira namoro.

O rapaz insiste em apresentar a namorada aos pais. Eles, é claro, não aprovam o relacionamento. Os dois se casam, mesmo sem ter terminado a faculdade. A moça tem a estranha mania de desprezar o rapaz, de ironizar tudo o que ele faz, o que ele diz, o que ele é. O rapaz tem a estranha mania de achar isso natural.

Depois de formado, o rapaz consegue um bom emprego. A moça vira dona-de-casa. Os dois querem ter filhos. Tentam, tentam, e nada. Numa consulta médica, eles descobrem que ela está doente. Doente não: morrendo. Ele nem pergunta de quê.

Em seguida, ela morre. Ele não chora. O pai dela não chora. Ele vai se sentar numa arquibancada. Tudo está coberto de neve. O filme acaba.

Sabe aqueles filmes que a gente vê quando era criança, acha bom e depois de adulto resolve assistir novamente? Foi assim que caí na asneira de assistir a Love Story. Eu queria ver um filme que me emocionasse, mas não foi dessa vez. Tudo é estranho nesse filme.

A moça-que-morre, enquanto está viva, não consegue criar empatia nenhuma com o espectador. Ela passa tanto tempo reclamando, enchendo o saco, fazendo ironias sem graça que, quando ela fica doente, a gente nem sente pena.

O rapaz-que-perde-a-esposa também não fica atrás. Custava ter perguntado do que a criatura estava morrendo? Custava chorar desesperadamente, quando ela morreu? Você perde o amor da sua vida e vai se sentar numa arquibancada? Não tenta se atirar na frente de um ônibus?

Meu sangue latino estava querendo ver cenas comoventes, exageradas, impactantes. Mas o filme é tão frio quanto a neve, onde os dois pombinhos rolavam, no começo do relacionamento...

Como tudo o que é ruim sempre pode piorar, Love Story também tem uma das frases mais estúpidas que já ouvi num filme: “Amar é nunca ter que pedir perdão”. Quem não tem coragem de dar o braço a torcer, de perdoar, não sabe o que é amor. Amor e perdão, na minha humilde opinião, andam juntos.

Agora, fiquei encafifada: o filme é ruim mesmo ou eu é que sou insensível?

sábado, 24 de janeiro de 2009

Otakus, esses incompreendidos

Aproveitando o gancho do texto que fiz anteriormente, falo hoje dos otakus, cosplayers e seus cosplays.

O termo "cosplay" foi criado pelos fãs de Jornada nas Estrelas, que pegaram gosto em passar por ridículo em público, indo aos eventos em homenagem à série vestidos como seus personagens preferidos, numa época em que isso ainda era motivo para internação psiquiátrica. Logo depois foram os malucos que gostam de Guerra nas Estrelas, tornando esses eventos menos incomuns, e o comportamento menos socialmente inaceitável.

Se os dois clássicos americanos da ficção científica abriram as portas, foram os japoneses que souberam aproveitar como ninguém a oportunidade, enxergando não só o entretenimento, como um meio de vida.

Sim, caros amigos do Talicoisa, existe gente vivendo de cosplay. Seja fazendo fantasias, seja fazendo cover dos personagens, seja dando/vendendo entrevistas para revistas nerds, ou mesmo fazendo comerciais. Decerto que no Brasil, como em muitas outras áreas, está ainda em estágio latente, mas é só algum parlamentar querer agradar ao filho otaku, a pretexto de estimular a cultura com "fantasias" de personagens nacionais, que a grande imprensa passa a dar o destaque que o potencial turístico desses eventos merece. Se bem que seria estranho ver um sujeito fantasiado de Cascão ou Praga (do xoudaxuxa), andando pelas ruas. Pois existem competições lá fora, e muitas Sailor Moon deixam essas misses de hoje no chinelo, seja em beleza, carisma, simpatia ou tudo junto. E se há beleza feminina, sabemos, há audiência e lucro.

Uma função útil do cosplay, é deixar a pessoa que brinca extravasar seu eu interior; aquela faceta mais íntima que quase nunca pode ser trazida à luz do dia. Isso evita o consumo de drogas industrializadas contra depressão, que exigiriam o consumo de outras contra gastrite, que exigiriam o consumo de outras contra sonolência e por ai vai. Muito melhor do que o carnaval, por inúmeros motivos, os eventos de cosplay fazem os otakus arejarem as mentes, o que os mantém como cidadãos úteis e produtivos, e ainda por cima felizes. Há gente que inventa personagens, roda seus mangazinhos em pequenas tiragens e vai vender nesses eventos, vestidos como tal. Ganhando e se realizando ao mesmo tempo, olha que cousa boa!

Mas, é claro, se há aquelas caracterizações que deixam qualquer um de queixo caído, há as que eu me recusei a publicar aqui, pois ninguém é obrigado a ver e o blog é de família. Imagine uma garota de anime com aquele shortinho que termina onde começa, o top que mal chega às bases dos seios e aqueles saltos que mais parecem pernas de pau. Agora imagine um marmanjo barbudo, peludo, gordo e suarento usando essa roupa, com uma peruca azul. O shortinho torando tudo, no melhor estilo "touro virou boi". Foi por isso que não postei as imagens.

Há também os cospobres, que de tão mal feitos são uma atração à parte. Usar tampa de pizza como escudo, tampinhas de pasta de dente como controles, óculos de camelô como viseira, tnt colado com cola escolar para o traje e o que mais a falta de dinheiro te obrigar a fazer. A maioria fica parecendo mais personagens de Mad Max, mas eles ficam aliviados do mesmo jeito, sem apelar para drogas e prostitutas.

É esse o maior argumento dos eventos de cosplay e, conseqüentemente, em prol dos otakus: externar a fantasia. Algo que o carnaval já transformou um mero negócio de prostituição camuflada e obrigação em se embebedar e fingir alegria diante de uma câmera. Eventos de cosplay, embora tenham caracterizações também de hentais, são ambientes familiares, onde o bebê pode ir fantasiado de Pikachu no colo da mamãe Sailor Marte. Eu não me presto a esse papel, sou o que sou o tempo inteiro e isto já incomoda mais do que um elefante. Mas eu gostaria de ver essas pessoas vestidas como gostariam o tempo inteiro, dentro do que as obrigações diárias permitirem. E sejamos sinceros, se vocês buscarem os termos no Google, verão muitas, mas realmente muitas personagens que podem sim ser usadas no dia a dia, como roupas comuns. Algumas muito curtinhas, mas o bom gosto da maioria das roupas torna mesmo as mais curtas utilizáveis, para quem sabe se portar, como a da mocinha lá em cima. Aos empresários que por ventura lerem este texto, deixo o conselho de que patrocinem esses eventos, todos ganham.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

E agora...

Era hora de fazer alguma coisa. Ele não havia ganhado tanto dinheiro porque aceitava facilmente qualquer situação. Tinha que fazer alguma coisa. E não aguentava os gritos.

Começou a tatear à sua volta. Só havia uma fraca luz de uma única vela. E a sala parecia grande.



Começou a bater nas paredes, procurando um som distinto que lhe mostrasse onde era a saída. Bateu, bateu, bateu... Até que um som se diferenciou dos demais, e um guarda começou a gritar do lado de fora, mandando que ele ficasse quieto.

Realmente, ele era um profissional. Profissionais tem seus macetes.

De uma parte escondida do casaco, tirou uma pequena serra. E do bolso, um isqueiro. Conseguiu enxergar a tranca da porta, e começou a serrar, aproveitando quando os gritos ficavam mais altos. Cada grito doía em sua alma. Mas ele tinha que continuar.

Quando finalmente conseguiu, tomou todo o cuidado necessário. Aproveitou uma pausa nos gritos dela (deveriam ter dado tempo para que ela descansasse antes de reiniciar... Métodos de tortura...) e se afastou da porta, pelo lado. Começou a gritar, como se estivesse com dores. O guarda correu para a porta, e sem saber de nada trombou com ela achando que ela o escoraria. Mas a porta se abriu, e o guarda caiu no chão. Quando olhou para cima, só viu um vulto.


Um passo já estava dado. Tirou a arma do guarda, pegou uma pequena lanterna que estava numa mesa ao canto. Notou as escadas, e começou a subir. E os gritos ficavam mais altos.



Ao chegar no andar superior, encontrou o motorista... Aquele mesmo que o havia enganado. Estava de costas, olhando para uma pequena televisão. E bebendo algo que parecia whisky. Escondido em seu sapato, havia um canivete. Pegou-o, e se aproximou do motorista. Serviço silencioso. Ele gostava assim.

Chegou bem perto. Ia aproveitar a distração do motorista com a televisão. Encostou a lâmina no pescoço da vítima. Mas o motorista disse: "Você não vai fazer isso."



Em outro caso, ele teria ido com tudo. Teria rasgado a garganta da vítima antes de pensar. Mas o pequeno homem moreno desatou a falar.

"Você não vai fazer isso. É a busca por sua alma, por tudo aquilo que você sentiu falta durante toda sua vida. É a busca por paz, dentro de você."

Ele apenas fitava o motorista. As palavras faziam sentido. E o motorista sabia.

"Ela roubou dinheiro da minha patroa. E foi bastante" disse. "Usou o dinheiro em apostas. Sabe como é esse negócio. Minha patroa só quer deixar as coisas no lugar certo, pra mostrar quem é que manda... Você sabe como é isso..."

Sim, ele sabia. Não se deve ficar devendo pra qualquer criminoso. Ou ele tem o dinheiro de volta, ou quebra sua pernas. Ou seu pescoço. Ele mesmo tinha executado vários devedores, de vários chefes, em várias cidades.

"Mas isso é pra mim, e pra minha patroa. Pra você, é diferente. Ela te tocou, não foi?"

Sim... De um jeito estranho, mas ela era a realização dos sonhos dele. Era uma possibilidade de ser comum, normal, uma vez. E a sensação era ótima. Ele só queria fugir com ela. E esquecer de tudo, e de todos os fantasmas.

"Aí é que está, meu filho. Essa é a escolha que vai salvar sua alma. Ou não. Eu vou embora. Não vou interferir. Mas eu devo lealdade à minha patroa. Passar bem. Ah, elas estão no andar de cima."

Ele viu o pequeno homem ir embora. Ainda não sabia o que fazer ou pensar. Sabia que uma decisão precisava ser tomada. E teria que ser logo.

Subiu o novo lance de escadas. Havia 3 quartos, e apenas de um vinha luz. Ele arrombou a porta, esperando encontrar sua cliente, o torturador e ela.

Sim, exatamente eles.

Um único tiro para o torturador, que caiu de cara no chão e assim ficou.



A arma agora apontava para sua cliente. Mas ela era uma raposa velha. Já estava com ela, de escudo. Segurava os cabelos dela e lhe apontava uma arma.

Ele tinha que tomar uma decisão.

Pensou em todas as possibilidades.

Fechou os olhos por um momento.



E já sabia o que fazer.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Talicoisa também é cultura- parte 2*

No texto anterior, tratou-se de cultura e identidade, dois pontos que podem ser usados tanto para a opressão como para o enriquecimento do humano; infelizmente, este último aspecto tem sido renegado por nossa espécie. Estamos vivendo num momento em que a globalização aparentemente irá pasteurizar a cultura, a identidade dos povos e a própria história. Tudo terá o mesmo gosto, a mesma aparência, num imenso franchising ? Por outro lado, as manifestações de desrespeito cultural, que alguns chama de intolerância e eu chamo de preconceito mesmo, chegam a níveis absurdos.


Contudo, aqui será abordada a parte positiva da diferenciação, do que se pode aprender com ela. É preciso ponderar que o excesso de igualdades, de semelhanças, é estranho às sociedades. A diferenciação faz parte da própria natureza, em que se inclui a humanidade, apesar de todo esforço que fazemos no sentido contrário.
Diferenciar-se, de certa forma, é sobreviver, mas como se diferenciar neste contexto de globalização?


No campo do marketing, por exemplo, é vital fazer-se diferente, destacar-se, mostrar de si o que é específico e o que o torna (o produto, a pessoa, o local) mais saboroso, mais interessante que os outros. Neste sentido, vários locais estão dando passo acertado e muito produtivo, em diversos sentidos; começou a olhar para si mesmos, para sua própria história, sua geografia, sua memória, suas cores, seu povo, enfim: sua cultura, sua identidade. Neste ponto, cabe uma pergunta: a que distância está a história de nós?


Por muito tempo, ensinou-se que a história pertencia unicamente ao passado, e era feita pelos grandes homens. Estudava-se ou aprendia-se história apenas por curiosidade, ou por obrigação curricular, sendo também vista como totalmente estanque com relação à vida dos que a liam e com relação às demais disciplinas. A tendência atual é aproximar a história das pessoas, do dia a dia de cada um de nós, de nossa identidade.


A utilização da história e da cultura no chamado turismo cultural insere-se nesta tendência, que coincide também na busca dos países pela sua identidade, a qual vem se acelerando, impulsionada pelo processo conhecido como “globalização”. Como diferenciar-se neste contexto?


Como resposta, os países e mesmo empresas elegeram as questões culturais, de definição de identidade e origem nacionais, de valorização da história e dos costumes, que estão cada vez mais presentes na mídia. Cabe-nos não fechar os olhos a esta tendência, mas sim saber como a utilizar de forma positiva.
Praias há por toda parte, assim como centros de compra e cinemas. Mas cultura, cada povo tem a sua. Por que iríamos nós esquecer a nossa? Investir em turismo cultural é, a um só tempo, valorizar a terra e o povo nativo e atrair o turista de uma forma inteligente e com sabor de aprendizado do que é o humano em suas múltiplas variantes.


Profundamente ligadas à história e à vida das pessoas, a cultura e a identidade, dela derivada, são as fontes mais ricas, de onde precisamos beber. Permear com ela as relações diplomáticas, comerciais, financeiras, educacionais e pessoais é preservar, com sabedoria, um aroma muito próprio, que nos distinguirá em meio à multidão.


Como dizem os franceses, “Viva a diferença!”.


* Adriane ainda está na praia, enquanto os outros Talicoisers suam de sol à sol pra manter o blog em dia. Ela vai pagar por isso.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Can I help you?

Você pesquisou essas bizarrices na Internet. Sabe-se lá por que cargas d’água, acabou entrando no Talicoisa. Como eu não tenho nada melhor para fazer, resolvi ajudar alguns dos nossos queridos “passantes”. Espero que minhas palavras sirvam para alguma coisa.

Frases de Branca Letícia de Barros Motta: Essa senhora, interpretada por Suzana Vieira, é a melhor personagem que Manoel Carlos já foi capaz de inventar. Uma Branca vale por dez Helenas. Escrevi algumas linhas sobre ela em algum texto, mas curiosamente, não lembro de nenhuma de suas falas. Só sei que ela bebia muito martini e sempre queria que o marido da chata da Helena preparasse seus drinks. Joga no Youtube.

Sem calcinha, Carnatal: Carnatal eu sei o que é: o carnaval fora de época de Natal. Sem calcinha, eu também sei o que é: falta de vergonha na cara. Somos um blog de família e não compactuamos com esse tipo de coisa. Aliás, nunca entendi esse negócio de carnaval fora de época... Já não basta termos de aturar um?

Que bom, mais um terço dos homens em nossa igreja: Que bom, meeeeesmo, amiga! Fico muito feliz que a sua igreja tenha essa abundância de homens! Na próxima vez que você passar por aqui, deixa o endereço desse templo. Estamos precisando!

Todo mundo remando na piroca: É simplesmente lindo saber que o Tchan, em toda a sua glória e sabedoria, não foi esquecido. Melhor ainda é saber que não somos os únicos a compreender a filosofia de Cumpádi Uóxinton. Vamos fazer um fã-clube? Ok, menos!

Quero fazer macumba pro meu namorado voltar: Faz isso não, amiga! Figurinha repetida não completa álbum. Além do mais, pense: você gostaria de ser enfeitiçada? Imagine se um cara parecido com o Keith Richards faz uma macumba pra te amarrar. Péssimo, né? Aquilo que não queremos para nós, não devemos fazer aos outros. Amor tem que ser espontâneo.

Tayrone Cigano para ouvir: Você tem mesmo certeza de que quer ouvir Tayrone Cigano?

Mulheres que adoram fazer estrip theese: As mulheres deste blog não fazem esse tipo de coisa. Não é por moralismo, não. É que simplesmente não existe estrip theese. Faz assim: ensina pra gente comofas/, da próxima vez que você aparecer aqui. Oferecendo mais de cinco reau, a gente até pensa no seu caso.

Quero ver plantação de uvas: Apareça na serra gaúcha. Se suas condições financeiras não permitirem, assista ao vídeo do Lasier Martins. Ele vai te ensinar quais uvas são “mais de mesa” e como se comportar em caso de choque elétrico. Altamente instrutivo. Joga no Youtube!

Raspei todo cabelo minha filhinha: Não entendi nada. Você raspou todo o cabelo da sua filha? Ou está simplesmente contando esse fato, assim: “Raspei todo o cabelo, minha filhinha!”. Você é a Britney Spears? A Sinnead O’Connor? A Camila daquela novela do Maneco? Seja quem for, tenho uma sugestão: procure perucas no Google.

Titanic: Afundou, beijos!

Ok, eu sei que existem textos assim em todos os blogs! Mas você queria o quê, numa segunda-feira de chuva?

sábado, 17 de janeiro de 2009

Manga animeada

Não faz muito tempo que comecei a ter contacto com os animes modernos. Os que eu conhecia eram Pinóquio, Honey-Honey e outros do gênero, mas sem saber que tinham esse nome específico. Confesso que gostava mais daqueles do que desse monte de robôs e monstros que dançam a macarena, antes de dar o golpe.

Mas isto não vem ao caso. Vem ao caso saber os motivos de esses desenhos de olhudos com reações esquisitas fazerem tamanho sucesso, a ponto de fazer as produtoras ocidentais a imitarem o estilo (ou a falta dele) em muitos casos. Dêem uma boa olhada na ilustração ao lado e verão.


Enquanto os anos 1980 fizeram os estúdios ocidentais derramarem uma enxurrada de desenhos toscos, mal desenhados, mal pintados, mal animados e completamente sem graça, os japoneses mantinham os traços bem regulares, cores vivas, sombras, boa perspectiva e um enredo (ainda que limitado, mas ao menos tinham) para a estória.


Não demorou para as pessoas notarem isto, e para eles perceberem o mercado que se formava. Enquanto os heróis ocidentais eram corrompidos, abrutalhados e até apelavam para os criminosos, os japoneses mantinham o caráter e as características básicas, embora ainda dançassem a macarena para dar um golpe ou fazer uma transformação. As heroínas ocidentais faziam jus ao nome, ficando uma droga; estavam se transformando em travecos agressivos, enquanto as japoneses mantinham a feminilidade, os traços meigos e os contornos delicados, mesmo com uma arma de raios anti-matéria em uma mão e a cabeça do inimigo pendurada na outra. Endurecem sem perder a ternura.


Digite "anime" ou "mangá" no google (se há outra ferramenta de busca similar, perdoem, não conheço) e verá uma galeria de belezas com sensualidade natural e a mais absoluta certeza de que são mulheres, ainda que que os cabelos estejam curtos e só se mostre do pescoço para cima, mesmo as mais musculosas. E a qualidade da arte? Aliás, é este mesmo o nome: Arte. Praticamente todo e qualquer quadro ou cena de um anime/mangá, merece ser pendurado na sala de estar.


E não adianta colocar a culpa dos ocidentais na quantidade crescente de heróis, nos anos 1950/60 houve uma explosão deles e a qualidade crescia junto. Os heróis japoneses, embora parecidos e a maioria descartável, são uma nação inteira. A questão aqui não é a quantidade, é preguiça aliada à ganância. O japonês dá tudo de si para fazer qualquer cousa, o americano faz o que foi pago para fazer e olhe lá, sem pensar no risco de demissão por queda no faturamento.


Isto se refletiu no ramo de automóveis. Até uns vinte anos, era fácil diferenciar um Chevrolet de um Ford e de um Jaguar. Pois em nome de racionalizar as linhas de montagem, fizeram foi engessá-las. A ponto de alguns carros, como a Kombi, não saírem nem sob encomenda, pague-se o quanto se pagar, em uma cor que não seja a branca. Mas a Kombi anda tem o seu desenho inconfundível, e quem quiser se arriscar a perder a garantia, pode customizá-la que o preço compensa. Já os outros carros... Maria Cristina, minha melhor amiga, é capaz de diferenciar um Opala de um Monza, mas não lhe peçam para separar um Focus de um Astra. Eu sei, estou dentro da área, mas para quem é de fora fica a idéia de que não vale à pena trocar de carro, pois são todos iguais. Foi o que aconteceu.


Vá ao Japão e verá o quanto eles brincam sem pudores com as formas dos carros, alguns chegam a parecer de brinquedo. Algo que as montadoras ocidentais decretaram que o público não quer e nem faz marketing para tentar vender. Eu gosto de uma dianteira meiga, sem dúvidas não sou o único.


Os japoneses são muito melhor resolvidos do que nós, em termos de sexo e sexualidade. Não tiveram uma igreja fundada por políticos para deturpar tudo. Isto se vê nas capas mais banais de mangás, nas cenas mais comuns de animes, nos bonequinhos de pvc mais encontrados e largamente produzidos. Tudo bem desenhado, bem pintado, bem proporcionado.


Muita gente não sabe, mas o autor de uma obra, se pega uma grande editora, não é mais dono dela. Os burocratas viciados em estatísticas e que morrem de medo de um mosquito pousar em Wall Street, fazem o que querem e o que seus medos mandam com a obra. No Japão, o autor de um mangá é dono da obra, a editora só presta o serviço e empresta seu prestígio. Se algum especulador borra-calças estressadinho tentar masculinizar/erotizar demais a garotinha de dezesseis anos, que foi concebida para ser a veia cômica da trama, ele simplesmente toma tudo e vai desenhar noutras paragens.


E eles ainda hoje se perguntam porque os japoneses tomaram conta do ramo editorial. Enquanto não voltarem a contractar gente de talento para trabalhar sem pressões desnecessárias, sem as algemas hipócritas do politicamente correcto e sem querer agradar a todo mundo, será assim. Ou seja, enquanto não voltarem a desenhar como os mestres desenhavam, ainda que noutro estilo, vão continuar a imitar tudo o que os japoneses lançarem um ano antes. Agora vejam cá em baixo a diferença do que se fazia com prazer, para o que hoje se faz na marra. Obra de Gil Elgren.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Mas claro que...

O táxi se movia rapidamente, em direção ao aeroporto. Mas claro que ele sentia medo. Assim como ela.

O motorista lhe contou que sua cliente era uma conhecida chefe criminosa. E que o tinha contratado por questões pessoais. Por isso, o encontrou sozinha na praia.

Sabia disso, pois foi seu guarda-costas.

E ainda era.



Mas claro que algo tinha que dar errado...

Ele não sabia o que fazer. Sua arma estava no porta-malas. Pensou em oferecer dinheiro. Mas não adiantaria.

Outro homem entrou no carro, e pegou a arma do motorista, para que ele pudesse dirigir.

Foram levados para uma casa escura, nas bordas da estrada. Ele foi amarrado e levado para o porão. Ela foi levada para cima.

Jogado no escuro, suando, e preocupado com ela...

Quando começou a ouvir os gritos...




E agora?

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Talicoisa Também é cultura - parte 1*

Apresento a vocês, agora, um texto um pouco diferente dos que venho publicando neste site, nos quais trago alguns conceitos que acredito interessantes de se debater. Será dividido em duas partes; tentei não deixar acadêmico demais. Críticas e sugestões serão bem-vindas.

Escolhi iniciar pelos conceitos de cultura e identidade. O que significam tais palavras e qual a relação entre elas? Cultura, termo de origem latina, significa tanto o cultivo de plantas quanto o produto das práticas, crenças, gestuais de um grupo, o conjunto do conhecimento humano. Identidade, também de origem latina, deriva de idôneo, igual, similar, que determina semelhanças e diferenças.
Quando um grupo estabelece certas práticas como cultura, tem basicamente dois objetivos:

1. Saber quem é “idôneo” ao grupo, ou seja, quem se identifica com ele, portanto, estabelecer a identidade do grupo;

2. Afirmar-se como grupo diante dos demais, estabelecendo limites e fronteiras, visíveis ou não, entre ele e os outros grupos. Ou seja, afirmar a identidade do grupo diante dos outros.


Assim, cultura e identidade estão intimamente relacionados, no estabelecimento de igualdades e diferenças, de limites, de propriedade, posse, conquista, direitos. Da literatura, podemos citar alguns exemplos: em “A Ilha do Dr. Moreau”, de H. G. Wells, os “semi-humanos” estabeleceram uma comunidade, criando para si um conjunto de práticas (cultura) que podia identificá-los (identidade); em “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, cada uma das castas geneticamente criadas, bem como os “selvagens” têm sua própria identidade e cultura; em “Robinson Crusoe”, de Daniel Defoe, o humano, “civilizado”, angustia-se diante do mundo e o domestica, reproduzindo ali sua cultura e identidade, a qual também depois procura impor a Sexta-Feira, o nativo, o outro.

Na história da humanidade, os conflitos entre culturas e identidades marcam todas as eras e representaram sobretudo conflitos de poder. Somente para ficar num exemplo grotesco, o nazismo: a partir de certos códigos, estabelecidos como cultura vigente, não apenas impôs uma identidade e uma cultura a toda uma nação, mas estabeleceu padrões de humanidade, com cores e símbolos diferenciados (exemplos: estrela de Davi para os judeus, triângulos rosas para homossexuais, roxos para os Testemunhas de Jeová), tão elaborados e complexos que causavam crise de identidade entre os que tais símbolos recebiam, como evidenciam, entre outros, Anna Arendt em “As Origens do Totalitarismo” e Alain Finkielkraut em “Ensaio sobre o século XX: a humanidade Perdida”.

Aguardem o último capítulo da novela... ops, a continuação!

* Adriane se encontra em férias, tomando sol e pegando marquinhas de biquíni em alguma praia desconhecida. Volta em 3 semanas, mas deixou seus textos para serem publicados.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Nada pode ser pior*

Não quero escrever um texto sobre as grandes tragédias – mortes, doenças, guerras, enchentes. Meu objetivo é lembrar dos pequenos dramas do nosso dia-a-dia. Nós sempre sobrevivemos a eles, mas nem por isso eles deixam de nos incomodar.

Chuveiro que não esquenta. Dor de dente. Estar morta de cansaço e mesmo assim não conseguir dormir. Primeiro capítulo de novela. Vizinho que ouve música sertaneja bem alto. Chá com açúcar. Consulta no ginecologista. Internet discada. Mulher Melancia. Conversar sobre o tempo.



Cachorro com latido estridente. Cachorro com latido estridente que insiste em latir às duas da manhã. Criança hiperativa. Criança apática. Cólica menstrual. Tomar Buscopan em gotas. Injeção. A borrachinha que amarram no nosso braço, na hora de tirar sangue. Sangue.

Bater o dedinho do pé na quina de um móvel. Ficar resfriada no verão. Acordar com torcicolo. Mosquito. Barata que entra voando pela janela. Dias de chuva. Dias nublados e cinzentos. Carnaval. Amigo secreto. Sabrina, Bianca e Júlia. Atender telefone. Não saber se se escreve “o telefone” ou “ao telefone”. Ter preguiça de pesquisar.

Bife de fígado. Frango. Usar óculos. Zorra Total. Chegar atrasada. Ficar esperando. Fila. Ressaca. Gente que fala alto. Gente que não cala a boca nunca. Perder tempo pensando em coisas que a gente deveria ter feito, deveria ter dito, deveria... Não poder voltar atrás. Gente que fala “ambos os dois”.

Gente “moderninha”. Aula de Matemática. Aula de Educação Física. Aula de Educação Moral e Cívica, que só serve para denunciar a idade de quem se lembra dela. Aqueles fiozinhos arrepiados no alto da cabeça, que só a Sandy não tem. Homem que usa base nas unhas. Passarinho na gaiola. Cachorro preso. Ar condicionado gelado. Inverno.

* O título é um trocadilho com o slogan do Grêmio: "Nada pode ser maior".

sábado, 10 de janeiro de 2009

Novos Pobres

O último natal foi o último fora do país. Cada um em um lugar diferente. Mas o reveillón foi tenso e obrigou todos a ficarem em casa, um duplex no Pedro Ludovico. O pai chorou litros antes de dizer "E... Estamos... Estamos falidos" e ter o enfarto fulminante. Tanto corrompeu e trapaceou na vida, tão bem ensinou isto aos directores e aos amantes (morreu, tudo que é podre apareceu) que eles lhe depenaram completamente.

Ironicamente, a maior artimanha para burlar a Receita Federal é justo o que está garantindo o sustento da família. Ficaram apenas com uma casinha simples de três quartos, no Coimbra e uma pensão da previdência social. Ele sempre pagou em dias, como autônomo, subornava funcionários e ficava como se ganhasse cinco salários por mês. Cinco salários mínimos. Faturava mais de cinco milhões por mês, sem se importar com os métodos.

Choros das filhas patricinhas e ameaças do filho ex-pit-boy não faltaram, nos primeiros dias. Mas logo na primeira loja a recusar o cartão de crédito, elas caíram em si. Ele, barrado na academia após levar uma surra dos seguranças, também se deu conta da realidade. Perceberam que são pobres. Exagero! São mais de dois mil reais por mês, líquidos, o quíntuplo do bruto que pagavam aos empregados. Um centavo para estes era muito dinheiro, mas um milhão para a vida desregrada, promíscua e perdulária que levavam, valia à pena. Inclusive pagar espaços na tevê para parecerem bons cristãos e preocupados com a coletividade.

Mas acabou. A mãe tem que puxar orelhas e meter colher de pau em cabeças, de vez em quando, mas não cede. A ex-fresca que não andava em carro sem bancos de couro e ar condicionado individual, hoje tem um robusto e confiável Fusquinha 1300L, azul claro, ano 1977, com motor à álcool que o antigo dono arrematou no Detran. Há ar condicionado para ele, no mercado, mas o orçamento não lhe permite esse luxo. Mesmo assim ela dá graças à D'us por ainda terem um transporte particular, casa própria e uma fonte de renda que (embora tenham tentado) os traidores não conseguiram tomar. Reconhece o sofrimento dos filhos que jamais tinham conhecimento do quanto custava viver. Simplesmente passavam o cartão sem limites e saíam sem olhar preços e quantidades, sem perceber que os vendedores, já acostumado com riquinhos mimados trouxas, incluíam suas próprias compras nas notas, certos de que eles jamais ficariam sabendo, como de facto não sabem até hoje. Nenhum deles comprou vestidos de noiva, mas seis casamentos foram completamente financiados por sua invigilância.

Nenhum dos quatro estava preparado para mais do que ser adulado, dar ordens e executar vinganças sem maiores motivos. A lição foi duríssima e ainda é muito difícil.

Felizmente sempre há um ou dois empregados com os quais se davam mais ou menos bem. Uma cozinheira lhe ensinou o básico de prendas domésticas, dentro do possível com o pouco tempo disponível, antes de o oficial de justiça entregar a ordem de despejo. Ainda assim as primeiras refeições pós falência foram terríveis. Ela descobriu porque se lavam arroz e feijão, porque verduras são enxaguadas, enfim. De vez em quando alguém ainda cospe uma pedra que estava no feijão, a caçula já vomitou à mesa ao perceber que uma lesma caminhava em sua língua, o primeiro arroz virou argamassa e o primeiro bife nem os vermes da terra digeriram até hoje. Refrigerante? De vez em quando tem, mas não tomam mais Haägen-Daz de sobremesa. Aliás, descobriram que existem marcas de sorvete que custam menos de um real o copinho, basta trocar frutas e leite fresco por aromatizante vagabundo e gordura hidrogenada reciclada.

Amigos? Ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra! Boa piada, gostei. Nunca mais entraram em nenhuma das casas que freqüentavam.

Neste ano começam a estudar em escolas públicas, que o pai ajudava para abater no imposto de renda, sempre superfaturando notas. O facto de terem saído de escolas caríssimas não é vantagem, passavam de ano a custa de chantagem, ameaças, esfregando na cara dos professores quem pagava quem ali. Adivinha! Um terço desses professores leciona em escola pública. Adivinhem em qual escola pública.

Sem parentes, sem amigos, sem todo aquele aparato que caracterizava a bolha artificial que os separava da vida real. Restou a dignidade da mãe, que embora nunca tenha trabalhado na vida, estudou do começo ao fim em um colégio católico caríssimo e aprendeu de verdade para ser aprovada. Quem sabe ganha um extra com aulas de reforço, dando aulas de música... Não tem mais o piano, então não pode ser em casa. Mas está disposta a trabalhar, ainda que esporadicamente, no que lhe permitir a pele fina e delicada. Não poderá exigir isto dos filhos antes de dar o exemplo. Pega o bloquinho onde anotou as entrevistas agendadas, entra do (vergonha para os filhos) Fusquinha e vai tratar de buscar um trabalho. Se sujeitou a tantas humilhações para manter as aparências, tolerou cartinhas cheias de ironia das falsas amigas, por que não pode se submeter ao trabalho? É a chance que rezava para ter e não enxergava até agora. Vai à luta.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

E então...

No pequeno camarim, de paredes brancas e luz fraca, eles se olharam. Ela se assemelhava a um sonho da juventude dele. Ele era um homem distinto, de feições sóbrias e aparência agradável. Ela sabia o porque de sua presença. Ele sabia porque estava ali. Mas pouco importava.

Não houveram palavras, na verdade. Ele apenas se aproximou dela. Olhos nos olhos. Ela o envolveu com os braços. Olhos nos olhos.

Agora próximo, ele notou as lágrimas prontas para escorrer dos olhos dela.

Lembrou-se do homem moreno de feições brejeiras, na praia. Sua alma ainda não estava perdida. Como numa literatura barata, ele estava se salvando através do amor. Mas não sabia nem o nome dela.

Ela estranhou a demora dele. Esperava que a dor viesse, e logo a escuridão. Mas ele apenas a fitava nos olhos. Um olhar triste. Como se ele estivesse lutando consigo mesmo.

Ele se mexeu. Ela o abraçou, imaginando que aquele era o momento que esperava. Imaginou o cano da arma encostando em seu abdôme, mas isso não aconteceu. Ele usou seus braços para envolvê-la, segurar seu pescoço. Pensou em estrangulamento. Seria horrível a respiração sumindo aos poucos, juntamente com sua força...

Mas ele segurou seu rosto com as mãos. Olhou fundo em seus olhos, e a beijou.



Ela sentia o desespero por saber que iria morrer. E ele por pensar que poderia salvá-la, e a si mesmo. Mas ambos se entregaram um ao outro, como se não houvesse amanhã. Um momento em que não havia regras da sociedade, não havia limites, nem mesmo Deus estava ali. Entregaram-se com lascívia, excessiva até. Ambos movidos pelo desespero, se agarrando à vida, enquanto ainda era possível.

Na exaustão, se olharam profundamente. Havia uma esperança.

Vestiram-se, e saíram pela porta dos fundos.

Ao chegar à rua, chamaram um táxi.

Sentaram-se no banco. O motorista virou-se. Era o homem moreno de feições brejeiras, que disse: "Pois bem, meus jovens... Para onde?"

E ele então sorriu... Havia uma esperança.



E então, havia uma esperança

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Teste: que tipo de sub-celebridade você é?

Você faz ou quer fazer parte do seleto grupo de pessoas que formam opinião em nosso país atualmente, mas não sabe em que nível pode estar? Seus problemas acabaram! Faça o teste abaixo e descubra que tipo de sub-celebridade você é ou pode ser.


Como você é citado em revistas, sites e afins?
a) Ex-participante de riálidi xôu
b) Ex-ajudante de palco/jurado/outros de programa de auditório
c) Ex-namorado/a de fulano/a
d) Ex-integrante de banda (da qual quase ninguém lembra ou ouviu falar) ou rainha de bateria/afins
e) Amigo/parente de qualquer um dos ex acima ou "pessoa polêmica" de sites/fóruns/afins

Seu dia-a-dia inclui:
a) Plantar notícias suas em tudo que é canto e se dizer indignado com o assédio da imprensa
b) Tentar cavar o máximo possível de convites "na faixa" e chamar toda imprensa para registrar sua participação na festa/show/outros
c) Ligar para todos os assessores de programas de auditório para tentar participar deles
d) Criar você mesmo/a trocentas comunidades no Orkut com o título "eu amo fulano/a" e, claro, “eu odeio fulano/a”, com perfil fake e/ou participar de sites/fóruns/afins como "a pessoa polêmica".

Como anda sua carreira?

a) Estou estudando projetos, fazendo contatos importantes...
b) Eu tô estudando, tô me aperfeiçoando...
c) Estou num momento de auto-análise e de reencontro dos meus chacras/minhas raízes/outros
c) Tenho um projeto de uma autobiografia em que conto tudinho/um livro de auto-ajuda/outros
d) Tenho recebido importantes convites para festas e inaugurações em lojas de alto nível, como a das Casas Dona Cotinha (valeu, dona Cotinha!)

E como está sua vida amorosa?

a) O amor é lindo, mandei tatuar “fulano/a: amor eterno” e chamei a imprensa para registrar o momento.
b) Foi uma terrível desilusão para mim, tive que fazer uma cirurgia a laser para remover a tatuagem “fulano/a: amor eterno”; ficou uma baita cicatriz e chamei a imprensa para registrar o momento.
c) Contei tudo no programa da Márcia/Regina/Sônia/outros e chamei o restante da imprensa para registrar o momento.
d) Reatei com ele/a, pois o amor a tudo perdoa, e chamei a imprensa para registrar o momento.

Como é sua participação na mídia em geral?

a) Aceitei participar da máquina da verdade/desafio da perda de peso/gincana de verão/pegadinha/ como jurada de TV/outros recentemente
b) Falo sobre namoro/noivado/casamento/rompimento/reatamento e tenho dado importantes depoimentos sobre minha carreira, as lições de vida, a ingratidão dos colegas/familiares e o apoio dos amigos/família no programa da Márcia/Regina/Sônia/outros
c) Planto fotos minhas andando pelas ruas de bicicleta mostrando minha “boa forma”, ou indo a um shopping/ vernissage/ lançamento de livro/ campeonato de cuspe à distância/outros.
d) Além das comunidades que eu e meus parentes criamos no Orkut, ainda tenho (x) blog(s), twitter, fotolog e todas essas paradas, com muito glitter/ursinhos/ flores/outros e procuro captar blogs e sites que estão na moda pra fazer “comentários” que são na verdade propaganda e/ou falsa polêmica.

A frase que marcou sua carreira e que você quer deixar como mensagem para nós é:

a) Urrullllllllllllllllllllllllll [nome da cidade de onde você veio]
b) Créu, créu, créu.
c) Faz parte.
d) É minha opnião de que a gente temos que acreditar nos nossos sonhos.

Respostas:

Maioria das respostas A: Parabéns! Você é uma sub-celebridade e de vez em quando até aparece alguma notícia sua que não tenha sido plantada por você/familiares/assessor de imprensa. Continue assim e logo, logo, você começará a fazer pontas e talvez até papéis em novelas/programas de humor/outros.
Maioria de respostas B: Bem, você é sub-sub celebridade, e às vezes tem alguma citação espontânea, pro exemplo, no carnaval, que é a única época em que você é lembrado/a, mas pode evoluir para sub-celebridade: as chances são enormes!.
Maioria de respostas C: Ah, você é aspirante a sub-sub-celebridade. Tente se inscrever em algum reálidi xôu/como jurado de TV/outros, mas você ainda tem alguma chance de evoluir a sub-sub celebridade.
Maioria de respostas D: você nem aspirante é, acha que é conhecido porque tem comunidades no Orkut de amor e ódio a você (90% delas, no mínimo, criadas por você mesmo) ou porque participa como “pessoa polêmica” de sites/fóruns/afins. Mas a gente acredita em você e adora notícias toscas mesmo assim.
Update, com minha gratidão à Rafa/Meg: Empate entre letras significa evolução de estágio. Acho digno.

(Dedicado à Luna e a nosssas profundíssimas conversas pelo MSN)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Las Primeras Luces

Eu ainda consigo lembrar a sensação de ler Fitzgerald em plena madrugada, com as luzes apagadas, as páginas amarelas iluminadas apenas pela lanterna do celular. (Não queria que a mãe acordasse pela manhã e percebesse que eu passara a noite em claro).

O silêncio dessas noites era tão absoluto que às vezes meus ouvidos zuniam. Exceto por latidos dos cães da vizinha, ou mesmo pelo som de outros bichos notívagos, como eu. As palavras do Grande Gatsby tinham uma força imensa e a minha mente era tragada pelo conto. O pensamento escorregava solto, livre. Tanto que a leitura precisava esperar as pausas dos vôos, teimosos em imaginar até o que estava bem além do papel.

A madrugada também foi conivente com muitos outros mundos particulares, sempre ombreados pelo silêncio surdo da cidade que dorme, da gente que recarrega as baterias, que finalmente põe os motores em stand by. (Foi numa dessas que a Ingrid Bergman sorriu pra mim – um olho escondido pela aba do chapéu).

E já muitas cenas que a madrugada cala, para além das páginas, afora as telas... Sabe Deus que noites de gala não se fazem ouvir, escondidas na penumbra, aqui do sofá da sala.


segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Eu mereço isso?

Fui comprar um picolé de frutas. Neste verão, a Kibon colocou várias opções no mercado. Mexendo no freezer, vi as aberrações: picolé de banana (que deve ser intragável), picolé de coco queimado (coisa de pobre) e picolé de milho verde (coisa de pobre master). Impliquei com os três sabores hediondos – e nem experimentei. Só falta ter picolé de nata, para completar o quadro da dor.

A Coca-cola colocou um aviso nas suas embalagens: “Reutilize a embalagem com criatividade”. Isso significa: fazer artesanatos horrendos com garrafas pet, cortar a latinha e usar como copo ou usar a garrafa para guardar água na geladeira. Imagine se eu vou me rebaixar a fazer um troço desses! Vai tudo para a reciclagem – eles que dêem um jeito de ser criativos, que eu não ganho para isso!

E a tal de reforma ortográfica? Vai facilitar o quê? Para quem? As pessoas não sabem nem escrever do jeito antigo! Impliquei e seguirei implicando. Não, não quero saber de hífen. O trema, já tão pouco usado, continua existindo. Pelo menos, até eu conseguir uma versão atualizada do Word.

Segunda-feira de manhã, depois de um final de semana de chuva, tive que ouvir uma pessoa perguntar: “Vai ter expediente hoje?”. Morri de vontade de responder: “Não, meu bem, estamos de folga. Só viemos para cá porque estávamos com saudades dos nossos computadores. Tadinhos, estão abandonados desde sexta-feira!”.

Faltam seis meses, seis longos meses, para as minhas férias.

De mau humor, eu? Imagine!

domingo, 4 de janeiro de 2009

Para 2009

Que o Aquariano aqui detesta lugares-comuns, nem é segredo. Mas tem hora que não dá pra fugir. Ao menos em parte...

Começo de ano é aquela putaria de listinha de resoluções. Se emagrecer, ficar sarado, comprar carro e fazer as pazes com a mãe são as vedetes, eu sou menos egoísta. Desejo coisas que vão fazer bem para mim, para você e sobretudo para o desejado. Vamos nos dar as mãos em círculo e desejar bem forte:

- Que Britney Spears encontre seu instinto materno (se não o jogaram fora junto com a placenta) e faça apenas coisas bem chatas, tipo levar as crianças na escola e trocar fraldas. Os paparazzi vão sentir falta dos barracos, mas a gente (e os filhos dela) não.

- Que a Amy Winehouse descubra a Cultura Racional e siga os passos do Tim Maia quando se converteu: gravou dois discos incríveis e deu um tempo dos vexames.

- Que George Bush continue achando que é a reencarnação de Napoleão. Principalmente na parte em que o Bonaparte se exila na ilha de Santa Helena.

- Que a Madonna se empolgue com essa coisa de Sticky and Sweet e tenha um pico de glicose no sangue. Assim ela passa um ano inteirinho enfurnada no seu castelo, com as crianças e as gelatinas diet.

- Que Suzana Vieira resolva fundar um lar para animais abandonados que consuma todo o seu tempo. A ponto de recusar papéis em novelas das 8 e flertes de pós adolescentes cariocas.

- Que o Ronaldinho... bom, só não desejo que ele se exploda -literalmente - porque: a) nem detesto tanto assim; b) aí é que vão falar MESMO do cara. Então vamos torcer para que ele apenas jogue bola.

- Que a Luana Piovani arrume um namorado rico, que é o que ela sabe fazer. Na Rússia. Setentrional.

Escolhi 7 que é pra dar sorte, mas claro que a lista é bem maior. Lindsay, Angelina, Paris Hilton... Sem contar os Big Brothers da vida. Se alguma celebridade lhe aporrinhou em 2008 e você quer evitar reincidências neste ano, poste seu desejo no link que aparece no canto inferior do seu vídeo! Se pelo menos um desses votos for atendido, a gente tem um pouquinho de outro, bem tradicional: PAZ!

sábado, 3 de janeiro de 2009

Sem vergonha de ser rico

Mãe e filho andam pelas terras, é chão a se perder de vista.

Ela sempre sorridente, com os dentes brilhando e uma postura de rainha. Ele cabisbaixo, taciturno e resmungando.

Ela mal terminou o segundo grau, ele está terminando jornalismo, após ter feito administração e flertado com todos os livros de philosophia que viu pela frente. Ela estudava e trabalhava, às vezes ao mesmo tempo, para depois fazer as provas. Ele sabe os preços dos livros porque é vigiado e tem que trabalhar para garantir o direito às regalias. O pai bem que tentou, mas não conseguiu estragá-lo como queria.

Ela mostra tudo o quanto conquistou em vinte e oito anos de trabalho árduo, a pequena vila que fez para os empregados, a mata densa que preservou e tudo mais. Ele fala de lutas de classes, de exploração e de como descobriu que todo rico é desonesto. Sente o rosto arder por isto...

- Por que fez isso?

- Porque me chamou de desonesta.

- Eu? Eu falei dos burgueses que enchem os bolsos...

- E ocê acha que que eu sou o quê? Acha que aquele Mercedes SLR na garagem é de mil cilindradas? Acha que fiz crediário pra comprar ele?

Doris o olha com aquela cara de quem sabe onde está a marmeleira mais próxima. Ele se desculpa, mas começa a soltar mais impropérios similares. Para não torcer-lhe o pescoço, o manda se calar. Descem dos cavalos à sombra daquela marmeleira próxima, cheia de galhos apropriados para uma vara, e começa...

- Ói, eu sei que cê tá revoltado com esses porqueiras que ficam arrotando riqueza, com esse governo sem-vergonha que só sabe arrecadar e embolsar, que cê queria vê todo mundo trabalhando e ganhando dignamente. Eu te ensinei isso. Mas vendo que passar a maior parte do ano longe de casa tá te fazendo mal. Óia pra mim, Gabriel Felipe, mas óia bem pra mim. Oiô? Quê que cê conclui?

- Que se a senhora for me visitar na faculdade, vou quebrar muitos dentes dos caras que vão dar em cima.

Não era a intenção, mas conseguiu amolecer a matrona. Ela respira e continua...

- Filho, eu sou rica. Eu sou muito rica. Meu nome não aparece nessas listas de magnatas porque eu não deixo, não quero chamar muita atenção. E se eu sou rica, você e a sua irmã também são. Cê tava xingando a sua própria família! Quando eu cheguei aqui, tudo isso era pasto e erosão. É mais de mil e quinhentos alqueire e tudo tava destruído. A nascente tava mais careca que o Esperidião Amim. Eu saí com o seu pai (esteja onde o infeliz tiver, céu ou inferno) de Jataí pra Goiânia, pra tentar a sorte como doméstica, que ele tinha conseguido emprego de motorista. De vez em quando eu ajudava ele e a gente passou pela BR 060 um montão de vezes, e a cada vez essas terras aqui tavam mais decaídas. Um dia foi à leilão, pra pagar as dívida do picareta que pensava que era fazendêro. Nóis arrematou só com o suficiente pra pagar o fisco.

- Tava ruim assim?

- Ô se tava! Ninguém mais se interessou. Seis anos de trabalho só pra acabar com erosão e plantar umas árvores. O povo, só pra humilhar, jogava entulho e esterco dos gado do nosso lado da cerca. Aí que eu eu atinei que eles era tudo formado, diplomado, mas nunca saíram da sala de aula pra ordenhá uma vaca. Eu nasci em fazenda. Tudo o que jogavam aqui, a gente pegava e misturava com a terra. Pois ao fim desses seis anos, a gente já tinha recuperado todo o dinheiro investido aqui. A Madalena tinha cinco anos e eu já ia engravidar docê. A gente penou, Gabriel Felipe, ninguém deixou o emprego nos dois primeiros anos, mas depois não deu pra conciliar e ficamos só com a fazenda mesmo. As piscinas estão hoje onde era uma erosão com uns quinze metros de profundidade, por uns sete de largura e cento e tantos de comprimento. A primeira coisa que compramos, foi aquela Brasília verde que a sua irmã usa. A gente podia ter comprado carro novo, mas queria economizar pra investir.

- trabalharam pra cacete, heim!

- Sim. Nóis dois concordamos que seria melhor mudar pra cá de uma vez. Trabalhamos sete dias por semana, de antes do sol nascer até um pouco depois de anoitecer. Foi dez anos sem saber o que era férias nem feriado. A Brasília chegou a servir de trator, quando o nosso quebrou. Filho, quando você entrou na escola, o pior já tinha passado. Chegávamos a ficar seis meses sem sair daqui, só trabalhando, comendo as verdura, fruta e peixe que conseguia aqui mesmo. Até a Madalena começou a ajudar, cuidando da casa enquanto seu pai e eu íamos pra roça. Acha que essa crise do ano passado foi a primeira? Não, foram muitas. A cada uma, um vizinho nosso falia, e a gente comprava as terras dele com tudo dentro, até pião. Dei muita surra em machão até aprenderem a obedecer ordem de mulher. A maioria se demitiu, mas quem ficou me oscula a mão. Só com quinze anos de trabalho, quando a sua irmã já estava mocinha, é que parente começou a aparecer. Aí viu nossos empregados ganhando bem, tendo casa, alimentação, médico na fazenda, nossos carros na garagem, as lavouras com as faixas de terra descansando, piscina, quadras de esporte, a escolinha onde você estudou com os filhos dos empregados, enfim. Enquanto os outros jogavam dinheiro no cassino da especulação, a gente comprava valores, investia, capacitava o funcionalismo e a nós mesmos. Vem crise, vai crise e todo mundo trabalhando. Claro que só forçar o braço sem usar a cabeça é puxar carroça. Mas quem só fica pensando sem suar, enlouquece, inventa crise, inventa medos, inventa até tudo virar realidade pra depois lamentar que "o mercado" retraiu. Quando o seu pai morreu, eu fiquei sozinha com vocês dois pra cuidar, cem famílias pra dar trabalho e a parentaiada querendo aproveitar.

- Pato e parente, só servem pra sujar o carro da gente.

- É isso aí. Dei uma casa pra cada um deles e mandei todo mundo fazer que nem eu, trabalhar. Eu falo alemão não é porque fiz curso, é porque eu trabalho com gente da Alemanha. Todo dia faço ou recebo ligação, e-mail, carta, de lá, da França, Itália, Inglaterra, Espanha, Argentina, Japão, Irlanda, Estados Unidos, o mundo todo. Eu exploro o trabalho, não o trabalhador. Não deixo ninguém fazer mais de doze horas por dia, pra não prejudicar a vida dentro de casa. Os sem terra apareceram aqui, enquandotava estagiando em São Paulo. Ofereci ofício, vida decente. A maioria não quis, fosse por que não queria mesmo ou porque tinha medo de punição, mas entrar aqui pra fazer baderna eu não deixei. Quem ficou não se arrependeu. Tem sim muita gente que gasta um milhão com salão de beleza, embora não faça efeito, mas tem dó de pagar mais que o mínimo pra um empregado. Tem muita gente ruim desse jeito. Mas foi o que eu te falei, é gente que esqueceu como é a vida de trabalhador, ou que nunca conheceu a catraca de um ônibus. Eu sou rica porque trabalho, porque me dedico àquilo que faço. Não aqui pra fazer umas horas e pendurar o paletó no fim da tarde. Fazendeira de verdade está trabalhando vinte e quatro horas por dia, porque esta fazenda não é um emprego, é a nossa vida. Como todos os negócios que a gente tem. Eu faço por merecer o que tenho, a Madalena faz por merecer o motor-home dela, você faz por merecer aquela baita coleção da Audrey Hepburn. Aliás, tem um galpão que já não usamos, cê pode fazer um museu dela se quiser. Aqui ninguém ganha em cima do outro, a gente ganha trabalhando todo mundo junto. Ocê não tem que ter vergonha de ser rico, assim como eu nunca tive de ser pobre, quando era. Eu chamei esse povo todo pra trabalham com a gente, eu sou responsável por eles, tenho consciência disso. Esses que se empetecam pra ir á igreja, subornam o padre, o pastor, o diabo que seja e saem chutando cachorro, esses vão ter o que merecem da pior forma. O corpo apodrece, dízimo nenhum impede isso. Nós, que somos da Samária, também teremos o que merecemos, aliás, já estamos tendo. Não se deixe envenenar por esses revoltadozinhos de ar condicionado, Gabriel Felipe. Eles, no lugar daquela gente, fariam tudo igual. Berram que querem cultura, mas ninguém aceita pagar entrada inteira, nem prestigia gente talentosa de verdade. Falam que o povo paga mal, mas vai ver se eles dão dez reais por flanelinha. Falam de democracia e tal, mas o que aconteceu quando vocês elegeram aqueles doidos pro grêmio?

- Putz! Virou uma ditadura. Não aceitam palpite de ninguém.

- A sua adorada Audrey Hepburn, que eu tive o prazer de conhecer pessoalmente, você sabe que tipo de anjo ela foi na Terra, sabe que nenhum sindicato de trampolim eleitoral fez metade do que ela fez. Ela era rica. Cê sabe que ela passou fome na infância, mas morreu rica. Não tenha vergonha de ser rico, tenha vergonha quando uma idéia egoísta começar a te cegar, mas aí deixa que eu te dou uma surra e cê acorda. Ser rico não é privilégio, é uma provação de Deus e a gente tá passando no teste, meu filho. Olha quanta gente o nosso trabalho beneficia, são quatrocentas e sessenta crianças na fazenda que têm escola, saúde, espaço pra brincar, enquanto os pais trabalham sossegados e certos de que amanhã vão ter mesa farta. Todo natal a gente faz um almoço comunitário, todo mundo come, todo mundo festeja, todo mundo compartilha, todo mundo fica feliz. Quanta gente cê conhece que faz isso? Então? Cê ainda acha que tem que ter vergonha de ser rico? Que tem que dar trela pra alarme de especulador que mama na teta do governo, porque perdeu tudo na jogatina? Que tem que ficar triste porque os outros não fazem o que a gente faz? Azar deles. A idade cobra o tributo pelo que foi gasto na juventude, a maioria deles tá torrando tudo em psicanalista e clínica de retardar a velhice, que é causada mais pela ruindade que pelo tempo. Eu, com cinqüenta anos (com trema, que também não gostei dessa reforma) ou não um pitéu, que nem ocê deu a entender? mais nova que muita balzaquiana. Vamos pra casa, vamos planejar esse museu que vai empregar umas dez pessoas, pelo menos. Ela sim, é cultura útil.

Montam e vão ambos sorridentes, dentes brilhando e postura de reis, procurar Madalena para o planejamento desse museu.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Mas ela...

Os olhos verdes o fitavam, à cada volta que ela dava sobre o palco. Ele sentia uma mistura de êxtase e medo, à cada vez que ela fazia isso. Mas ele não podia se deixar levar.

Ela cantava "I Left My Heart In San Francisco". E olhava pra ele. Ele lembrava de seu pai ouvindo os antigos LP's de Tony Bennet, em especial essa música. Foi a primeira música que seus pais dançaram juntos.

Numa das pausas, ela chamou a moça dos drinks, lhe disse algumas palavras ao ouvido. Mas ele não pode ouvir nada.

Antes que a próxima música começasse, a moça dos drinks lhe trouxe um "Loosho & Opulência", com um bilhete. A moça lhe disse: "com os cumprimentos da nossa estrela". O bilhete dizia "Eu sei".

Ele se assustou, mas não deixou transparecer. Apenas guardou o bilhete no bolso interno do paletó preto, elevou o copo na direção dela e assentiu com a cabeça, como que agradecendo.

Ela manteve o ar blasé, e seguiu cantando "I've Got You Under My Skin". Encostada ao piano, o pianista de olho no instrumento. Um foco de luz um pouco fraco sobre ela. Quando abaixa o rosto, a sombra se projetava sobre seus olhos. E num desses momentos, ele viu uma única lágrima.



O drink acabou. Assim como a apresentação. As cortinas se fecharam, enquanto ela se retirava do palco. Ele se levantou, abriu uma fresta da pequena maleta que carregava. A arma estava carregada e pronta.

Um serviço limpo. E nada mais.

E a noite estava apenas começando...



E ele disse à ela... "Boa noite".

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Em 2009, eu quero...

... Conhecer os demais talicôsers pessoalmente, um por um e, quem sabe, todos ao mesmo tempo.

... Celebrar meu um ano de participação no Talicoisa.

... Enviar cartas e cartões que cheguem a tempo.

... Trocar, com mais freqüência, idéias profundas sobre a Verdade Suprema, a Siacabância, os ícones do MSN e outras cositas más.

.... Lembrar que eles comeram o acento de ideia e o trema de frequência, e que vai demorar um bocado pra eu me acostumar.

... Conseguir voltar a assistir o SBT. Meta.

... Continuar fazendo as piadas sem graça de sempre e sempre rir delas.

... Sair para dançar e conseguir não dizer, pela enésima vez, que tenho cintura dura e não sei dançar.

.... Comemorar mais minhas conquistas e lamber menos minhas feridas.

... Ouvir mais meu coração (tá, Fio?).

... Comprar um vestido novo, alegre e colorido, e mandar os tons pastéis e neutros às favas (né, Nanael?).

... Continuar me deslumbrando com a sintonia corcélica que tenho com a sacerdotisa, né, Luna?

... Estabelecer novos padrões de desprezo paolabrachiano, né, Rafa/Meg?

... Aprender como se faz para shorar osëanos, tá, Dave?

... Ver novamente a participação de um de nossos idealizadores, tá, Frank?

... Reencontrar o humor e liberar geral, bem "mara", tá, Fábio?

... Receber, aqui no TC, a visita de nossa mais famosa e melíflua talicôser, tá, Melzinha?

... Ter mais ideias (ainda vejo o acento ali...!) legais pra textos e motivos para tê-las.

... Que todos nós tenhamos muita siacabância, losho, opulência, abundância e tantrismo corcélico.

... Que possamos contruir um ano realmente novo, dia a dia, mantendo o que é bom conosco.

(Mais um texto surrupiando a ideia de Luna)

Feliz 2009!