sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Eu sou o cabo

Oi, meu nome é Wandderklaydyçon, eu sou cabo eleitoral.

Não estou aqui para pedir o seu voto, eu não sou candidato, só trabalho... quer dizer, só faço bico em campanha eleitoral.

Você com certeza não me conhece, e se me conhecesse gostaria de jamais ter me conhecido, mas eu te conheço muito bem. Você enfrenta trânsito todos os dias; buzinas estridentes, machões navalhando no trânsito, as Donas Marias não enxergando detrás do estepe do Cross Fox na baliza, motoristas de ônibus apostando corrida e te obrigando a acelerar pra não virar pastel de lata, aquele agente de trânsito que deixa a totosinha andar na contramão e te multa por meio centímetro em cima da faixa. Eu sei, eu te vejo. E pra piorar, quando você chega ao trabalho vê seu carro todo empetecado de adesivos escrotos que não sabe de onde saíram. Bem, agora sabe, fui eu. Você ficou tão estressado no sinal que não viu a gente chegando. É que temos de voltar de mãos vazias, e nem sempre o fiscal vacila pra gente jogar tudo no lixo e ir pra casa. Ah, uma coisinha, a cola dos adesivos não sai... Vai ter que raspar e repintar o carro. Mas não fica zangado não, tio, a gente só tá garantindo o dinheiro da Mobylette.

Eu também sei onde você mora, claro. Mas não se preocupe, não vou dizer pra ninguém que é na Rua das Oliveiras, n° 1337, Jardim Saara VII, apartamento 22. Ética? Sai fora! É que ninguém paga pra ter endereço de pé rapado, então cê tá de boa. Como sei seu endereço? Já viu a sua caixa de correio? Não? Então vai lá que eu espero... Foi? É, pela cara de cão raivoso e a boca espumando, você foi. Então, é por isso que as correspondências sérias não chegam, sou eu quem entope a sua caixa com tranqueira eleitoral, quando o fiscal não está vendo, pra ir pra casa, dormir e voltar no fim do dia, pra pegar a grana. Nada pessoal, são só eleições.

Sabe aquele infeliz com uma vuvuzela, fazendo algazarra em cima de um carro de som, que vuvuzelou justo o seu ouvido? Não fui eu, não desta vez. Mas o miserável que colocou um microphone na boca da vuvuzela, esse fui eu. Não precisa agradecer, a drogaria já me agradeceu e deu minha comissão pela venda de analgésico. Fazer o quê? É a concorrência. A gente tem que aparecer mais do que os cabos do outro candidato, é por isso que cantamos gingles estúrdios sem pagar um centavo ao compositor da música original... Se bem que ele não sabe, se soubesse o que fizemos com o trabalho dele, eu não estaria aqui te enchendo o saco.

Certo, agora você deve estar se perguntando quais as propostas do nosso candidato. Ok. Então... eu não sei. Na verdade eu não dou a mínima, nem sou louco de votar nele. E se fosse você, também não votaria, nem nele nem em noventa por cento dos candidatos. Só estou nessa pelo dinheiro mesmo, senão o Zoreia vende a Mobylette pra outro.

Mas eu gosto mesmo é de balançar aquelas bandeironas enormes. Tá certo, atrapalha o povo ver os ônibus chegando, às vezes só identificam quando o motorista fecha a porta e vai embora. Tá certo, atrapalha os pedestres verem os carros, quando vêem já estão na ambulância do SAMU (página do SAMU). Tá certo, isso tá errado, mas a gente tem que trabalhar... Quer dizer... Tem que aparecer. E se tem coisa que eu sei fazer é dar bandeira, miquento que nem eu, tá pra nascer. Tá certo, uma vez a bandeira tampou a cara de um sujeito que arrebentou o nariz no poste e eu tive que sair correndo... Heim? Era você? Putz! Ainda bem isso aqui é internet. Mas já sarou, né? Um dia sara. Ó, pra ficar tudo em paz, hoje eu enchi a sua caixa de correios com camisetas e cedês de campanha, vai ter pano de chão e espelhinho pra muitos anos.

Não, nem todo cabo eleitoral é escroto que nem eu. Tem piores, tem mais amenos e tem os que (credincruiz, pé de pato mangalô três vezes!) trabalham direito. É por causa desses sacanas que a gente é cobrado, tio.

Mas eu até que gosto desse serviço! Consigo fingir que trabalho direitinho, já viajei o estado inteiro com isso. Pode ir ver no meu orkut que tá cheio de photo que eu tirei. Não é só ralação não, tem festa também, tem dia pra ficar vagal.

E ainda sou jovem, tio. É normal eu ser sem juízo, não dá pra exigir muito mais que isso da gente. Você é que não pode ser sem juízo na hora de votar.

Na boa, tio. Se você não fosse tão relapso na hora de votar, eu podia estar estudando pro vestibular, em vez de ralar pra comprar a Mobylette. Não é pra fazer anarquia não, eu só estava te enchendo mesmo. Preciso dela pra fazer entrega, pra ajudar na despesa de casa. É que eleição é só a cada dois anos, como se fosse pouco, e a chance que tenho pra ganhar um dinheiro honesto é essa... Quer dizer... Ah, da minha parte é dinheiro honesto, do candidato eu não sei, não vi e se visse não contava do mesmo jeito.

Mas, ó, não vota no meu candidato não, que ele é um sacana. Ele vai aumentar o empurrismo nas escolas, a gente que já passa sem saber nada, vai terminar o ano mais burro do que entrou, se ele ganhar. tenho colega na sétima série que não sabe que o Brasil já teve imperador. Acho que nem sabe o que é um imperador. A ficha dele só tá limpa porque sujou a dos outros, mó laranjal, tio. O que ele não conta é que triplicou a verba de gabinete pra empregar os amigos.

Vota direito, tio, eu quero estudar pra ser alguém na vida. Já chega o meu pai que aceita emprego de quinta porque não consegue outra coisa. Eu quero estudar pra não depender de bolsa do governo, que nem o mala do meu vizinho, que engravidou a moça confiando nas cestas e nos vales que eles dão. Dão... Dão o cacete, tio, eles tiram do seu bolso. Ela não tem dezoito anos e já tá esperando o segundo.

Agora dá licença, tio, que se o Nanael descobre que eu tô fuçando blog dele, aí é que eu nunca vou pra faculdade mesmo. É que se eu colocar isto no meu, o hômi desconfia. Fui!

Ah, vê se vota com a cabeça, mané.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Pássaro

Mostra-me em teu vôo

tua liberdade;

eu te mostrarei, em teus limites,

a minha prisão.

Canta sem motivo,

num dia chuvoso;

eu te mostrarei minhas lágrimas,

num dia pleno de sol.

Faz-me o desafio de ganhar o céu,

eu te responderei, da minha gaiola,

que aqui tenho, pelo menos,

comida e água.

Rebelde, em acrobacias tentas seduzir-me,

mas tenho os pensamentos presos à terra,

os pés bem plantados no poleiro.

Eu posso gritar minha mágoa

e mostrar-te que também não és livre:

teu limite é a tua asa,

o teu vôo, teu cárcere,

minha lágrima, tua culpa,

meu protesto, teu julgamento.

Vai e voa!

E mostra-me que talvez valha a pena

ter a prisão que tens.

Vai e canta!

E diz-me que teu canto é tua arma

e que meu medo é a tua alma

e que eu também posso ser

um pouco como tu és.


(o Poema ' Pássaro" foi escrito em 1989, por esta vossa colaboradora.)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Filtro da verdade: carta do candidato

Caro eleitor, cara eleitriz, venho por meio inteiro desta pedir o seu voto.

Você me conhece, claro. Eu já te acompanhei até a Vigilância Sanitária, onde ameacei funcionários de último escalão e ajudei a liberar aqueles medicamentos aprendidos por falta de registro, aquelas receitas cheias de rasuras, aquele alvará sanitário que esperava por um responsável técnico. Afinal, quem eles pensam que são? O eleitor e a eleitriz não estão obrigando ninguém a comprar, compra quem quer. E essa conversa de responsável técnico, não se preocupem que também já livrei suas caras, com o dinheiro economizado vocês podem comprar mais para terem desconto e venderem mais barato. Porque não é veneno, é remédio, e remédio faz bem. Podem vender à vontade sem essa frescura de receita especial. Se eleito, garanto que colocarei esses vagabundos para prenderem bandido, não o trabalho de gente do povo, do meu eleitorado. Cuidarei para que todas as resoluções da Anvisa que incomodam os meus eleitores, as minhas eleitrizes, sejam anuladas imediatamente, para que vocês possam ganhar a vida honestamente sem medo de serem multados ou mesmo presos, enquanto eu garanto o meu por debaixo do pano.

Mas para continuar a zelar pelos seus interesses particulares, caro eleitor, cara eleitriz, preciso do seu voto, seu, da sua família e dos seus amigos. Assim poderei continuar a dar empregos comissionados para gente analphabeta, que disfarçará sua incompetência inventando burocracia inútil, facilitando a vida do meu eleitorado, que não quer ser importunado por fiscais que não nos deixam trabalhar em paz. Afinal, não é por ser lei que tem que ser feito, a gente sempre dá um jeito. E se continuarem a nos incomodar, envio um projecto de lei extinguindo as autarquias que incomodam o meu eleitorado, assegurando a votação com o prestígio, as mãos lavadas e os rabos presos com os quais sempre contei, graças aos nobres colegas que eleitores e eleitrizes como vocês mantém no poder.

Multa? Quem multa? A gente quebra. Macho que é macho não espera sinalzinho ficar verdinho, que verde é coisinha de viadinho ecologista. Eu quebrei várias vezes e volto a quebrar, pode se divertir à vontade, com o meu adesivo no seu carro ninguém vai te parar nem anotar a sua placa. Leve a família para passear na carroceria da caminhonete, respirando o vento, sem cintinho de fresco pra incomodar e amassar a roupa. Alguém já mandou uma passadeira à sua casa, para desamarrotar o que o cinto amassou? Não né! Se querem viver em um país de gente civilizada educadinha que vão morar no exterior, que o Brasil é da gente. Porque nós somos iguais, caro eleitor, cara eleitriz. Vocês votam em mim e eu faço o que vocês fariam no meu lugar. Me elejam deputado federal e eu cuido pra deixar tudo como está, mas agora em nível nacional e não só em nossa cidade.

Viajarei, caro eleitor, cara eleitriz, para todas as partes do mundo às custas do erário público, aparecendo em revistas de fofoca, aproveitando os bondes das missões diplomáticas. Representarei o nosso país no exterior, mostrando quem realmente somos, nossa real educação, levando músicos populares e proibidões para divulgar a verdadeira cultura do meu eleitorado, que raciocina com os intestinos em vez do cérebro. Aparecerei ao lado de líderes internacionais para que você, eleitor e eleitriz, possam esfregar as photographias nas caras dos despeitados e repetir "É o meu deputado". Afinal, nós somos iguais, vocês não gostariam de me ver desperdiçando uma bocada, certo? Aproveitarei todas, com o seu voto, com a sua confiança, assegurando que a tradição de nosso povo seja preservada.

Darei festas e mais festas com as verbas de gabinete, que afinal será dinheiro meu e poderei fazer o que eu quiser com ele. Festas em postos de combustível, incomodando a vizinhança e fazendo algazarra, com seguranças armados para que você possa se divertir sem que fiscais cortem o seu barato. Afinal eles trabalham cedo porque são trouxas, gente esperta como a gente enrola e faz o que dá, eles que se virem para trabalhar, arranjar outro emprego e nos sustentar depois.

Então, caro eleitor, cara eleitriz, fique feliz de estar na pindaíba em que você mesmo se meteu, votando em bandidos de colarinho branco como eu. Porque quando aparece alguém honesto, querendo fazer algo sério, você não quer fazer a sua parte, como eu não faço a minha, sempre esperando que o governo resolva tudo com pó de pir-lim-pim-pim. Mas o pó que rola, seu filho sabe e usa, é outro. Querem honestidade? Vão morar na Alemanha, mas duvido que vocês se adaptem à cultura arraigada do amor pelo trabalho árduo e honesto que eles têm, afinal vocês não o meu eleitorado.

Caro eleitor, cara eleitriz, não faça fricote, eu sou o candidato que o Brasil merece. Se arranjem comigo e dêem graças à Deus. Porque nós, caro eleitor, cara eleitriz, somos exactamente iguais, ou vocês nunca me deveriam favores e nunca votariam em mim.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

"Porque sim" não é resposta, ou: Talicoisa e a Democracia

Um personagem do programa Rá-ti-bum, Telekid, ficou conhecido por seu inconformismo a respostas simplistas e preguiçosas, tais como "porque sim" e "porque não".

Existem ocasiões em que tais frases são necessárias, em especial quando as questões efetuadas são apenas para embaraçar, atrapalhar ou desvirtuar uma conversa, por exemplo. Mas via de regra são apenas uma forma de se esquivar de maiores explicações, às vezes por preguiça, às vezes por absoluta falta de argumentos. Neste sentido, representam uma autocracia do tipo "é porque eu digo que é". Nesses momentos, eu me junto ao Telekid para dizer bem alto:
" ' porque sim' não é resposta!".

Nas últimas campanhas políticas, vejo uma gama infinita de candidatos de todos os partidos possíveis e imagináveis usando o "porque sim" e o "porque não" como mote eleitoral, disfarçados em meio a demagogias e falácias de todas as proporções. Vamos a alguns exemplos do vote-em-mim-porque...

1. "Sou mulher'. Ah, sim, é motivo suficiente para votar numa pessoa a dupla cromossomia X (ou qualquer outra, ou a opção sexual, dá no mesmo). Grades coisas, você não lutou para aprovar uma lei, não precisou fazer passeatas, não atuou nos conselhos comunitários."Porque sim" de gênero é ridículo.

2. "Sou evangélico". Ofende-me profundamente alguém usar religião como muleta, máscara, justificativa ou atestado de boa conduta. Eu sou luterana, evangélica. E não admito o "porque sim" religioso. De qualquer tipo que seja, inclusive o anti-religioso, porque, no fundo lógico, tem o mesmíssimo significado completar a frase acima com "sou ateu".

3. "Sou do time y". Como se torcer para A ou B fizesse de você uma pessoa mais reta, mais sábia, mais capaz. "Porque sim" futebolístico não dá. Um certo presidente de time carioca que usou este fato como campanha política está aí para provar isto.

4. "Sou famoso". Por favor, usar a popularidade como músico/cantor/dançarino/jogador de futebol/sub-celebridade tendo isso como exclusivo lema de campanha só faz com que eu imagine uma cortina de fumaça ocultando incompetência, no mínimo. Teve quem chegou a cargos importantes usando sua projeção nacional como jornalista oficial que cobriu a morte do candidato eleito (eleições indiretas) à presidência da República. Hoje, tem até mulher-fruta candidata. "Por que sim" midiático é de doer.

5. "Sou engraçado". Durante a ditadura, votar em rinocerontes e macacos poderia até ter um significado realmente contestador, um voto de protesto. Mas hoje em dia, vemos pessoas lançarem seus personagens ou gracinhas como canditados, abusando desta, digamos assim, tradição. Tudo isso me soa tão absurdo que não sei nem por onde começar. Desde quando um bordão, um quadro de programa"humorístico" ou a mera piada são qualificadores de quem quer que seja? Desculpem se pareço azeda, mas gente, "pior que tá não fica" não é razão para votar em quem quer que seja. Muito menos uma propaganda com base em afirmações estapafúrdias, como as desse candidato aqui. "Porque sim" de piada é uma total falta de respeito às pessoas.

E todos esses "porque sim" acabam sendo usados por um bando de loucos que quer porque quer de volta a ausência do voto, ou a autocracia, já que, segundo eles, brasileiro-é-analfabeto-feio-burro e disperdiça seu voto ou se vendendo ou votando nos tipos acima e seus assemelhados. Os "porque sim" alimentam esses falaciosos "porque não" contra a democracia.

Apenas para uma reflexão, o voto não é o fim da democracia, mas o meio. E é só um dos meios. Participar, fiscalizar, escrever cartas, artigos, colaborar nos conselhos comunitários, debater, entre outras coisas, também compõem o regime democrático.




E, por favor, preste atenção: cuidado com a falsa democracia.

Finalizo com a famosa frase de Churchill:
"A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais."

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Nem médicos, nem monstros

Nos anos 1980, as pessoas se espantavam quando alguém chegava da União Soviética inteira, sem faltar nenhum pedaço. Quando o viajante começava a falar da epopeia, que então já não garantia a ninguém a lista negra do regime, o espanto aumentava. Todos percebiam que a estória do comunista que come criancinha não fazia sentido, era mesmo só estória. Que se havia maldade, estava no governo e não no povo soviético, principalmente no russo, que é muito parecido conosco em muitos aspectos. Tive um colega de colégio que fez um intercâmbio nos anos 1990. Fora a pindaíba em que Yeltsin jogou a Rússia com sua pressa insana, não havia do que reclamar. Ele tomou banho em uma fonte de uma praça pública com amigos, de onde foram todos retirados sem violência pela polícia, que no fim achou foi graça; devem achar agora que brasileiros são malucos, se viessem teriam certeza.

Com as asneiras do ex-presidente, se tornou aceitável falar mal dos americanos e, em grupos radicais, até queimar a bandeira dos Estados Unidos. Palhaçada! Se fizerem o mesmo com a nossa, os mesmos idiotas vão exigir represálias... Heim!!?
Eu já estou cansado de ouvir um discurso tronxo, inflamado e dogmatizado, que saiu de moda no fim dos anos 1970. Não é novidade que o governo deles financiou o surgimento de ditaduras na América Latina, da mesma forma que o nosso interferiu em assuntos de nossos vizinhos e lançou o Paraguai à miséria. A desculpa foi tirar um ditador sanqüinário e internacionalmente perigoso do poder, a mesma usada contra Saddan Hussein. O resultado foi uma guerra que envolveu toda a região, endividou toda a região, tingiu aquele país de vermelho e destruiu uma nação que era altamente industrializada e em franco processo de desenvolvimento. Agora adivinhem de qual país invadido estou falando. Iraque? Também. Eles fizeram aos iraquianos o mesmo, guardadas as proporções, que nós fizemos aos paraguaios. Até hoje a extrema esquerda rancorosa e a extrema direita reacionária deles, sonham em um dia invadir o Brasil e dar o troco. Não dá, né. Somos grandes e fortes demais para qualquer país do mundo nos enfrentar sem pagar muito caro por isso. Imaginem então o quanto é risível o discurso de vingança contra os Estados Unidos, nenhum exército formal duraria um dia em um confronto directo com eles. Daí alguns grupos covardes burlarem convenções internacionais, para depois reclamarem do troco.
Tenho amigos morando por lá. São brasileiros que entraram legalmente há anos e hoje vivem normalmente... Dentro do que se espera de um brasileiro, claro, para eles somos comediantes até na respiração. Muitos se impressionam quando ouvem relatos de pessoas falando das pessoas, que em nada lembram a fama de cruéis destruidores de países, de imperialistas perversos, de monstros insensíveis e o escambau à quatro.
Os americanos (o país se chama América) são neuróticos. É normal que uma nação com o histórico belicista o seja, ainda mais com a "boa e velha" tradição da espionagem internacional voltando à tona... James Bond é fichinha. Não é difícil ser bem recebido e convidado para um jantar, apenas por pura cortesia, não significa que será marcado; mas se for marcado, vá e leve a sobremesa. É difícil conseguir mais do que isto, ainda mais com diferenças sócio-culturais tão gritantes, além dos equívocos que as mídias de ambos os países divulgam como verdade. O país deles é do tamanho do nosso, é imenso, eles podem viajar por dias sem atravessá-lo, o que dá a impressão de que os Estados Unidos são o mundo. Para eles são, são o mundo deles. Agora, se conseguir se tornar amigo de uma família americana (eles funcionam em vários níveis, pessoal, familiar, bairrista, et cétera) ai de quem te tocar um dedo. Tio Sam está ferido, mas não está morto.
Não estou, embora possa parecer, defendendo ideologias. Eu não tenho o que se acostumou a chamar de "ideologia", tenho os pés no chão e o gosto por bons resultados, como os alemães. Não gosto de discursos inflamados e apaixonados que retorizam cada vírgula para legitimar qualquer ideia de jerico, isto não passa de orgulho pessoal camuflado. Gosto de explanações centradas, em bom tom e sem dogmas. Estou dizendo que sobre a Terra não caminham anjos nem demônios, apenas pessoas. Pessoas podem ser boas ou más, mas não cem por cento nem o tempo inteiro. Isto se aprende com a maturidade, já que a idade não é mais garantia de amadurecimento, muito menos de sabedoria.
O que se consegue colocando rótulos, é dissolver a pessoa no grupo. Quem o faz, age exactamente como as grandes companhias corporativas, em suas campanhas publicitárias. A técnica permite evitar o envolvimento, evitando assim a culpa por (uma hipótese) prejudicar uma pessoa com quem se possa cruzar pelas ruas. Sem envolvimento, a pessoa se torna um objecto, apenas um número a ser processado na equação. Não é surpresa os nazistas terem chamado os prisioneiros dos campos de concentração de "figuras". Ninguém em sã consciência quer matar pessoas, mas são apenas figuras, figuras não têm sentimentos, não têm necessidades, pode-se fazer o que se quiser com elas. Eliminar, explorar, acusar, enfim, sem envolvimento o outro perde importância assim que deixa de satisfazer.
Da mesma forma, gritar palavras de ordem contra os americanos cada vez que se ouve "Ok, see you later" é um modo de reduzir o cidadão a uma unidade indivisível, que no caso deve ser odiada e destruída tão logo se possa. Conversar civilizadamente, desarmado e sem tentar imaginar dez maneiras de matar a pessoa com o que estiver no ambiente, vai contra o dogma dos radicais, tanto de esquerda quanto de direita. Conversar com um americano, sem saber que ele é um americano, pode facilmente angariar a simpatia do interlocutor. Assim como um brasileiro que fale espanhol com fluência e bem amparado de vocabulário, no Paraguai, pode conseguir a simpatia de um radical que não souber que se trata de um brasileiro.
As pessoas geralmente são boas, seres humanos são mais ignorantes do que maldosos, políticos não são seres humanos. O que se consegue atingir com discursos apaixonados e levianos não é a instituição, é o coração da pessoa que o ouve. A instituição não vai se magoar, vai simplesmente tentar se livrar do incômodo e seguir com seus propósitos. As pessoas sim, vão se magoar, ficar ressentidas e quase sempre sem saber o motivo do constrangimento. Não são monstros, são pessoas como nós, que têm muito o que aprender e muito o que ensinar. Da mesma forma que não gostamos de ser magoados, eles também não, só que eles têm muito mais força bruta e qualquer gesto tem muito mais efeito. De facto deveriam ter muito mais cuidado com os passos que dão.
As mesmas pessoas que se gabam de seu grupo ter, outrora, lutado pela democracia, hoje rejeitam qualquer hipótese de ouvir os vários lados de uma informação, que são sempre mais do que dois. Não gosto da arrogância que eles muitas vezes demonstram, da mesma forma como não gosto da arrogância de um bacharel que exige ser chamado de doutor, mesmo que seja apenas licenciado, mesmo que nem tenha diploma de porcaria nenhuma. Pessoas que berram aos quatro ventos a liberdade de expressão e não admitem opiniões contrárias dentro de seus grupos, que apregoam os direitos humanos e fecham os olhos e bocas para as execuções de dissidentes de países alinhados com sua ideologia. Não são só os de esquerda, engraçadinho, direitistas radicais também dizem "amém" nestes casos, quando não fazem festa.
Se querem conhecer de verdade um país, não se detenham nas instituições, nas notícias, nos folclores externos ao país, conversem com a população. O povo é a nação. Um povo sem território é uma nação, um território sem povo é só um deserto, os judeus sabem o que digo. É o povo que diz o que realmente é verdade ou não sobre o que se diz dele. A dificuldade em um país do tamanho do nosso é a diversidade, por mais que hajam pontos de identidade, um território continental produz diferenças profundas em membros de um mesmo povo. Eles e nós não somos como os europeus, cujos territórios minúsculos permitem alguma homogeneidade. Quem nasce em New Hampshire não tem nada a ver com um nativo de Ohaio, mas ambos têm consciência de que são compatriotas, mesmo que se engalfinhem de vez em quando. Ou vai dizer que um maranhense e um gaúcho não têm sérios riscos de sírem no tapa, por uma expressão mal interpretada?
Só há um tipo de pessoa que ganha com essas picuinhas imbecís, os corruptos. Enquanto idiotas que se julgam os salvadores de alguma coisa continuarem a alimentar xenophobia, inclusive festejando o sofrimento de um povo, os corruptos terão prato cheio e portas abertas para fazerem o que quiserem e se esconderem debaixo de uma bandeira qualquer. Qualquer uma mesmo, para eles não faz diferença.
Se considera democrático? Então entre aqui, fale com a embaixada americana. Se tens mesmo um décimo do senso crítico que se atribui, vais conseguir facilmente separar o joio do trigo, e vais descobrir que há muito mais trigo neste monte do que pode supor sua vã ideologia dogmatizada. Então vais deixar de combater crianças de uma escolinha elemental, para combater os políticos inescrupulosos (quase um pleonasmo) que fomentam aquilo que vocês condenam. Aliás, aquilo que todos nós condenamos; vocês, eu e eles também. Nixon viu o que eles fazem com quem se comprova ser corrupto, e nós?

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A escola da ficção

A ficção é uma excelente escola. Um aprendizado constante. Como disse aqui e aqui, nem dá para enumerar o tanto que a mestra me ensinou.
Hoje ainda, comentando o assunto com as colegas de trabalho [/Sílvio Santos], percebi que a lista é interminável. Portanto, faço uma singela contribuição para esse empreendimento que é citar o que a ficção ensinou, mas quero fazer como se fosse verbete de dicionário.

Humilhar - v.t; ato de levar o/a mocinho/a da trama a situação vexatória; impor constrangimento ao/à bonzinho/boazinha ou mesmo a um ajudante-de-vilão. Submeter qualquer outro personagem, destruindo sua auto-estima. Manifesta-se em situações como:

Oferecer/levar a vítima a um jantar sofisticadíssimo, em especial indicado para os que tem ou que se supõe ter origem humilde. No menu principal: scargot, quase sempre.

Enfatizar a origem humilde da vítima com os adjetivos mais pejorativos, pedantes e preconceituosos que estiverem a seu alcance. Racismo também é muito bem-vindo para o quesito. Fazer com que a vítima perca o emprego e/ou ser presa rende muitos pontos extras.

Se a vítima for nova-rica, além de sublinhar sua origem de todas as formas possíveis, também é absolutamente essencial destacar a falta de classe, bom gosto, bom senso, cultura e tudo mais que for visível. Ironias são essenciais.

Se o alvo for de classe social igual à do vilão/vilã, não há problema. Sempre haverá um item ao qual se apegar para destroçar a auto-estima da vítima. Culpar por um acidente/morte de parente (levar a mãe à morte no parto é algo de que sempre se pode culpar uma pessoa), sabotar a empresa, elencar todos os defeitos e feiúra do oponente são itens imprescindíveis.

Uma aula de como humilhar você terá com:

Odete Roitman e Bia Falcão (PhDs). Humilhando a própria família, amigos, serviçais, puxa-sacos em geral e, é claro, inimigos, com muito estilo.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Oh! O clamor popular!

Câmara cheia, pois foi garantido um extra pelo trabalho em plena sexta-feira, começam os trabalhos extraordinários. O ilustre vereador Zezim Passamão vai à tribuna explanar acerca do importantíssimo artigo que motivou a convocação...
- Senhor Presidente da Câmara, Senhoras e Senhores Secretários, Senhoras e Senhores Secretários Adjuntos, Senhoras e Senhores Suplentes de Adjuntos, Senhoras Hipotenusas e Senhores Catetos, Ilustres Colegas de Câmara. Boa tarde. Venho, ilustres colegas, expor não um sonho de minha parte, não uma idéia privada, não um desejo de meu âmago, mas um clamor popular que já retumba impávido nos horizontes desta emérita comunidade.
Quando em campanha, ilustres colegas, prometi jamais propor um projecto para mudança de nome de rua. Fiz deste o meu compromisso junto ao enquanto perante ao nível de eleitorado. Mas, digo sem remorsos, não são os meus planos que devem prevalecer, são os anseios do povo. É o povo, ilustres colegas, a única razão para que continuemos a nos privar de horas de lazer e convívio familiar, para estamos aqui diáriamente. E sendo vontade do povo, será então também minha inclusa vontade.
Uma salva de palmas. Conseguiu enrolar sabendo que ganham por hora extra. Enrolam com as palmas o quanto podem e ele volta a falar...
- Assim sendo, ilustres colegas, abro mão de meus anseios mais profundos, ainda que contrariando as profundezas de minhas entranhas, para propor a mudança não de nome, mas de denominação de quadrante. Proponho atender os sonhos do eleitorado da Vila Vaikenké, que anseia por viver em um lugar desenvolvido e pleno de suas faculdades "endereçais".
- Apoiado!
- De onde surgiu a idéia, ilustre colega?
- Foi ontem, ilustre colega, quando da conclusão da aquisição plena de um lote sito à rua Jorobobó, onde construirei um empreendimento que valorizará de sobremaneira os arredores, percebi que bons lotes por lá valem uma ninharia, desvalorizando a conquista daquela honrada comunidade. O eleitorado verá finalmente o suor de seu rosto valer alguma coisa. Proponho mudar a nomeclatura não só de uma rua, mas a denominação e classe de um bairro inteiro, em um empreendimento público inédito na história de nossa cidade.
Vão-se mais duas horas de discurso até convencer a situação de que será bom também para a prefeitura, que poderá cobrar mais caro no IPTU. Pequenas discussões se dão até que chegam a um consenso sobre como se chamarão o bairro e sua rua principal. Tem novamente a palavra o ilustre e emérito benfeitor da sociedade, o Vereador Doutor Zezim Passamão...
- Então proponho, ilustres colegas, mudar o nome da Vila Vaikenké para Mansões Estocolmo Prince Garden, um nome à altura e altitude do nosso glorioso eleitorado. E para não pensarem que será só uma mudança de nome, uma lei que logo será esquecida, já conversei com o Excelentíssimo Senhor Prefeito a quadruplicação da Rua Jorobobó, que então será arborizada e se chamará Alameda Boulevard Provence. Mas não só. A prefeitura doou a área da escola abandonada, onde minha empreiteira construirá, sem ônus para o erário público, a praça Excelentíssima Senhora Dona Rita de Oliveira Passamão, uma justa homenagem a uma das mais ilustres damas beneméritas desta cidade, minha mãezinha.
Mais meia hora de aplausos ecoam por toda a câmara...
- Apoiado!
- Isto é que é filho!
- E ainda dizem que político não tem sentimentos!
- Ilustre colega, Senhor Presidente da Câmara, peço a palavra.
- Tenha a palavra, Senhora Ilustre Doutora Vereadora.
- Pesquisei nos arquivos e vi que esta será a bicentésima mudança de denominação da Rua Jorobobó, agora Alameda Boulevard Provence. Desde Rua De Cima, já foram duzentas mudanças de nome, como explicaremos isto nas próximas eleições?
Burburinhos enchem o plenário enquanto a mesa averigua as informações. Finalmente decobrem que existe informação útil na internet, não só sites pornôs e de apostas. Confirmadas, olham para o autor da proposta como que dizendo "Fala alguma coisa, tira a gente dessa fria"...
- Então é um facto histórico! Uma prova inconteste da franca produção que emana do caldeirão de trabalhos em prol do povo que é esta Casa! Um feito a se comemorar, ilustres colegas. Não será somente uma mudança, mas a inauguração de uma nova era para nossa cidade. Estamos para transformar um bairro decadente em um exemplo de civilidade para o país inteiro, quiçá para a América Latina...
O discurso inflamado arranca mais aplausos e confunde os operadores da TV-Reador, mas ele conseguiu sair da saia justa e arranjar uma desculpa para requisitar mais verbas públicas.
Horas extras garantidas, vão todos para suas casas ou seus entretenimentos. O autor da proposta, que convenceu o povo da região a assumir a autoria da mesma, vai para seu escritório, tratar da burocracia e das facilitações para dar andamento aos seus planos.
Um ano depois, os moradores das Mansões Estocolmo Prince Garden recebem seus talões para o pagamento do IPTU, os valores mais do que dobraram. Em mais seis meses poucos moradores originais conseguem se manter e vendem barato suas casas. Mais seis meses e amigos, parentes e os próprios vereadores estão morando em um bairro de primeiro mundo. O empreendimento do vereador Zezim Passamão é vendido por vinte vezes o preço pago inicialmente. Nas eleições seguintes é eleito Deputado Federal, responsabilizado pelo súbito e imenso progresso conseguido em todos os bairros da região, sendo cotado para ser o próximo Governador do Estado. Entre os eleitores, a maioria dos que foram despejados pelo IPTU encarecido.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Um dia frio...

Todo ano é a mesma coisa. Reportagens e mais reportagens sobre o frio do sul. Falam que a Europa é aqui, com um indisfarçável sorriso. Ah, que bom, chocolate quente, fondue, vinho, lareira! Que romântico.

Se cai meio floco de neve, então... é coisa pra aparecer em cadeia nacional. Aí os turistas felizes da vida falam do frio gostoso, e mais reportagens nos informam que "o frio aquece as vendas em [insira aqui o nome de uma cidade]".

Pois eu tenho uma novidade para vocês. Quem vive aqui não acha tão divertido assim, A gente tem que levantar cedo e deixar nossos cobertores para se enrolar, feito uma cebola, em camadas sucessivas para sobreviver ao terrível vento lá fora. Só quem vive no sul consegue entender a composição de laranja-vermelho-azul-xadrez-verde-amarelo-listrado-oncinha-etecétera que viram as ruas daqui. Tem gente usando tudo isso ao-mesmo-tempo-agora. E ninguém liga, porque está frio pra caramba. Fora o resfriado e a gripe. Acreditem, não há nada de elegante neles, como nossa querida Luna disse aqui.

Mas, segundo o cancioneiro brasileiro, o inverno é....


...Glacial no Leblon. Para quem nasceu e se criou no sul, como a Calcanhotto, parece que ela esqueceu como é o nosso frio. Ou fez essa para tentar aparecer em novela do "Manéeeeeeeeco".


... Algo que vai chegar como um sonho e perguntar, trazendo um bocado de tristeza. Eu acho que combina, Renato Russo.


...A chuva que vai acabar com o inferno. No nordeste, chama-se de inverno à estação das chuvas, que às vezes realmente castigam, como ocoreu nesse ano. Gonzagão deve ter chorado.


... Algo que, quando chegar, vai trazer o romantismo. Mas eu tenho cá pra mim que é só porque o nome da música é Primavera, tão bem cantada por Tim Maia.


.. Algo que nem aparece numa das mais belas músicas sobre o frio, da qual colhi uma frase para intitular o post. Djavan é fantástico:



"Um dia frio

um bom lugar pra ler um livro

e o pensamento lá em você.

Um dia triste

toda fragilidade incide

e o pensamento lá em você

e tudo me divide"


Assim até dá pra pensar em gostar do frio...