Nos anos 1980, as pessoas se espantavam quando alguém chegava da União Soviética inteira, sem faltar nenhum pedaço. Quando o viajante começava a falar da epopeia, que então já não garantia a ninguém a lista negra do regime, o espanto aumentava. Todos percebiam que a estória do comunista que come criancinha não fazia sentido, era mesmo só estória. Que se havia maldade, estava no governo e não no povo soviético, principalmente no russo, que é muito parecido conosco em muitos aspectos. Tive um colega de colégio que fez um intercâmbio nos anos 1990. Fora a pindaíba em que Yeltsin jogou a Rússia com sua pressa insana, não havia do que reclamar. Ele tomou banho em uma fonte de uma praça pública com amigos, de onde foram todos retirados sem violência pela polícia, que no fim achou foi graça; devem achar agora que brasileiros são malucos, se viessem teriam certeza.
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Nem médicos, nem monstros
Com as asneiras do ex-presidente, se tornou aceitável falar mal dos americanos e, em grupos radicais, até queimar a bandeira dos Estados Unidos. Palhaçada! Se fizerem o mesmo com a nossa, os mesmos idiotas vão exigir represálias... Heim!!?
Eu já estou cansado de ouvir um discurso tronxo, inflamado e dogmatizado, que saiu de moda no fim dos anos 1970. Não é novidade que o governo deles financiou o surgimento de ditaduras na América Latina, da mesma forma que o nosso interferiu em assuntos de nossos vizinhos e lançou o Paraguai à miséria. A desculpa foi tirar um ditador sanqüinário e internacionalmente perigoso do poder, a mesma usada contra Saddan Hussein. O resultado foi uma guerra que envolveu toda a região, endividou toda a região, tingiu aquele país de vermelho e destruiu uma nação que era altamente industrializada e em franco processo de desenvolvimento. Agora adivinhem de qual país invadido estou falando. Iraque? Também. Eles fizeram aos iraquianos o mesmo, guardadas as proporções, que nós fizemos aos paraguaios. Até hoje a extrema esquerda rancorosa e a extrema direita reacionária deles, sonham em um dia invadir o Brasil e dar o troco. Não dá, né. Somos grandes e fortes demais para qualquer país do mundo nos enfrentar sem pagar muito caro por isso. Imaginem então o quanto é risível o discurso de vingança contra os Estados Unidos, nenhum exército formal duraria um dia em um confronto directo com eles. Daí alguns grupos covardes burlarem convenções internacionais, para depois reclamarem do troco.
Tenho amigos morando por lá. São brasileiros que entraram legalmente há anos e hoje vivem normalmente... Dentro do que se espera de um brasileiro, claro, para eles somos comediantes até na respiração. Muitos se impressionam quando ouvem relatos de pessoas falando das pessoas, que em nada lembram a fama de cruéis destruidores de países, de imperialistas perversos, de monstros insensíveis e o escambau à quatro.
Os americanos (o país se chama América) são neuróticos. É normal que uma nação com o histórico belicista o seja, ainda mais com a "boa e velha" tradição da espionagem internacional voltando à tona... James Bond é fichinha. Não é difícil ser bem recebido e convidado para um jantar, apenas por pura cortesia, não significa que será marcado; mas se for marcado, vá e leve a sobremesa. É difícil conseguir mais do que isto, ainda mais com diferenças sócio-culturais tão gritantes, além dos equívocos que as mídias de ambos os países divulgam como verdade. O país deles é do tamanho do nosso, é imenso, eles podem viajar por dias sem atravessá-lo, o que dá a impressão de que os Estados Unidos são o mundo. Para eles são, são o mundo deles. Agora, se conseguir se tornar amigo de uma família americana (eles funcionam em vários níveis, pessoal, familiar, bairrista, et cétera) ai de quem te tocar um dedo. Tio Sam está ferido, mas não está morto.
Não estou, embora possa parecer, defendendo ideologias. Eu não tenho o que se acostumou a chamar de "ideologia", tenho os pés no chão e o gosto por bons resultados, como os alemães. Não gosto de discursos inflamados e apaixonados que retorizam cada vírgula para legitimar qualquer ideia de jerico, isto não passa de orgulho pessoal camuflado. Gosto de explanações centradas, em bom tom e sem dogmas. Estou dizendo que sobre a Terra não caminham anjos nem demônios, apenas pessoas. Pessoas podem ser boas ou más, mas não cem por cento nem o tempo inteiro. Isto se aprende com a maturidade, já que a idade não é mais garantia de amadurecimento, muito menos de sabedoria.
O que se consegue colocando rótulos, é dissolver a pessoa no grupo. Quem o faz, age exactamente como as grandes companhias corporativas, em suas campanhas publicitárias. A técnica permite evitar o envolvimento, evitando assim a culpa por (uma hipótese) prejudicar uma pessoa com quem se possa cruzar pelas ruas. Sem envolvimento, a pessoa se torna um objecto, apenas um número a ser processado na equação. Não é surpresa os nazistas terem chamado os prisioneiros dos campos de concentração de "figuras". Ninguém em sã consciência quer matar pessoas, mas são apenas figuras, figuras não têm sentimentos, não têm necessidades, pode-se fazer o que se quiser com elas. Eliminar, explorar, acusar, enfim, sem envolvimento o outro perde importância assim que deixa de satisfazer.
Da mesma forma, gritar palavras de ordem contra os americanos cada vez que se ouve "Ok, see you later" é um modo de reduzir o cidadão a uma unidade indivisível, que no caso deve ser odiada e destruída tão logo se possa. Conversar civilizadamente, desarmado e sem tentar imaginar dez maneiras de matar a pessoa com o que estiver no ambiente, vai contra o dogma dos radicais, tanto de esquerda quanto de direita. Conversar com um americano, sem saber que ele é um americano, pode facilmente angariar a simpatia do interlocutor. Assim como um brasileiro que fale espanhol com fluência e bem amparado de vocabulário, no Paraguai, pode conseguir a simpatia de um radical que não souber que se trata de um brasileiro.
As pessoas geralmente são boas, seres humanos são mais ignorantes do que maldosos, políticos não são seres humanos. O que se consegue atingir com discursos apaixonados e levianos não é a instituição, é o coração da pessoa que o ouve. A instituição não vai se magoar, vai simplesmente tentar se livrar do incômodo e seguir com seus propósitos. As pessoas sim, vão se magoar, ficar ressentidas e quase sempre sem saber o motivo do constrangimento. Não são monstros, são pessoas como nós, que têm muito o que aprender e muito o que ensinar. Da mesma forma que não gostamos de ser magoados, eles também não, só que eles têm muito mais força bruta e qualquer gesto tem muito mais efeito. De facto deveriam ter muito mais cuidado com os passos que dão.
As mesmas pessoas que se gabam de seu grupo ter, outrora, lutado pela democracia, hoje rejeitam qualquer hipótese de ouvir os vários lados de uma informação, que são sempre mais do que dois. Não gosto da arrogância que eles muitas vezes demonstram, da mesma forma como não gosto da arrogância de um bacharel que exige ser chamado de doutor, mesmo que seja apenas licenciado, mesmo que nem tenha diploma de porcaria nenhuma. Pessoas que berram aos quatro ventos a liberdade de expressão e não admitem opiniões contrárias dentro de seus grupos, que apregoam os direitos humanos e fecham os olhos e bocas para as execuções de dissidentes de países alinhados com sua ideologia. Não são só os de esquerda, engraçadinho, direitistas radicais também dizem "amém" nestes casos, quando não fazem festa.
Se querem conhecer de verdade um país, não se detenham nas instituições, nas notícias, nos folclores externos ao país, conversem com a população. O povo é a nação. Um povo sem território é uma nação, um território sem povo é só um deserto, os judeus sabem o que digo. É o povo que diz o que realmente é verdade ou não sobre o que se diz dele. A dificuldade em um país do tamanho do nosso é a diversidade, por mais que hajam pontos de identidade, um território continental produz diferenças profundas em membros de um mesmo povo. Eles e nós não somos como os europeus, cujos territórios minúsculos permitem alguma homogeneidade. Quem nasce em New Hampshire não tem nada a ver com um nativo de Ohaio, mas ambos têm consciência de que são compatriotas, mesmo que se engalfinhem de vez em quando. Ou vai dizer que um maranhense e um gaúcho não têm sérios riscos de sírem no tapa, por uma expressão mal interpretada?
Só há um tipo de pessoa que ganha com essas picuinhas imbecís, os corruptos. Enquanto idiotas que se julgam os salvadores de alguma coisa continuarem a alimentar xenophobia, inclusive festejando o sofrimento de um povo, os corruptos terão prato cheio e portas abertas para fazerem o que quiserem e se esconderem debaixo de uma bandeira qualquer. Qualquer uma mesmo, para eles não faz diferença.
Se considera democrático? Então entre aqui, fale com a embaixada americana. Se tens mesmo um décimo do senso crítico que se atribui, vais conseguir facilmente separar o joio do trigo, e vais descobrir que há muito mais trigo neste monte do que pode supor sua vã ideologia dogmatizada. Então vais deixar de combater crianças de uma escolinha elemental, para combater os políticos inescrupulosos (quase um pleonasmo) que fomentam aquilo que vocês condenam. Aliás, aquilo que todos nós condenamos; vocês, eu e eles também. Nixon viu o que eles fazem com quem se comprova ser corrupto, e nós?
Postado por Nanael Soubaim às 21:31
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2 comentários:
Generalizações e preconceitos, até onde eu saiba, nunca fizeram bem à humanidade. Quanto às ideologias, sempre foram utilizadas pelos governantes, em todas as épocas da história, para justificar suas próprias atrocidades, e por outros humanos como escudo às suas próprias mesquinharias.
Texto essencial, Nanael!
E tem mais, a Audrey mora lá. Se alguém tocar um dedo nela, cabeças rolam.
P.S: Fiz reformas no meu blog, por questões funcionais.
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