quarta-feira, 28 de abril de 2010

Coisas que aprendi com a ficção

Como faz tempo que não faço uma lista, resolvi elaborar uma pequena, com coisas que aprendi com a ficção. Não se espantem pela tosquice, eu era uma criança sem acesso a cinema, leitura de qualidade e afins. Definiram minha infância e adolescência nos anos 70-80 o SBT, Sessão da Tarde e congêneres.

Trago dez valiosas lições.

1. Uma novela poderia repetir quase infinitamente na TV. Que o diga a Escravizaura.

2. Se você caísse com sua família numa caverna escondida por uma cachoeira iria encontrar seres tipo homem-lagarto, que conviveram com humanos e dinossauros. Era assim o Elo perdido.

3. Se você fosse uma feiticeira ou uma gênia da garrafa, poderia fazer melhor o serviço doméstico e agradar seu parceiro.

4. Uma borboleta podia ser detetive e ter um lindo caso de amor com o príncipe Grilo.

5. Um dos primeiros humanos chamava-se Piteco e também convivia com dinossauros, como na série acima... aliás, como todos os outros humanos pré-históricos da ficção.

5. Seres de formas e cores distintas podiam mostrar as diferenças sem ser politicamente corretos (leia-se: chatos de galocha). Eu amava a família Barbapapa.

6. Crianças sempre tinham animais de estimação que falavam e ajudavam a resolver mistérios, e o fantasma ou mostro era quase sempre alguém do qual a maioria não suspeitava. Era assim com Scooby-Doo, Tutubarão e Goober, só pra citar alguns.

7. Sei que espectro solar é o nome dado às cores decompostas pela luz branca emitida pelo sol; é por isso que Spectreman tem esse nome. Também aprendi que um gorila com peruca loira pode ser um grande inimigo da humanidade.

8. Você poderia chamar um robô de peruca para defender a terra assoprando um apito. E que um robô gigante poderia ter uma aparência ligeiramente egípcia.

9. Personagens dos desenhos animados podiam se fantasiar de mulher para conseguir comida, recuperar uma moeda ou andar sem bilhete num barco sem ninguém os chamar de homofóbicos por supostamente zombarem dos direitos homossexuais e indiretamente taxá-los de ladrões/fraudadores/etc, nem os ultra-conservadores os acusarem de pervertidos por acreditar que incentivavam o travestismo. E só citei alguns exemplos, a lista é grande.

10. Uma garota de 13 anos poderia passar por uma de 16 maquiando-se do jeito certo para ter aulas de violão com o gato-dos-sonhos(e, é claro, chegar bem pertinho dele). Ah... Talvez algum dia!


E vocês, o que aprenderam com a ficção?


sábado, 24 de abril de 2010

Ditadura dos Coitados

Urbano está amargurado. Jamais tinha entrado em uma delegacia, imagine figurar como réu em um tribunal. Seu único crime foi ter dito "É só deste pretinho eu gosto", no pátio da faculdade, mostrando o Phebo Patchouli que comprou e usa desde criança.

Urbano sempre foi liberal, de um bom senso raro e personalidade refinada. Cresceu se acostumando a relevar pilhéias e levá-las como tal, não como ofensa. Mãe alemã e pai irlandês, aprendeu desde a mais tenra idade a valorizar o trabalho honesto e ter alergia da palavra "aposentadoria". A mãe sempre lhe podou a vaidade, para que sua beleza não lhe subisse à cabeça e se tornasse fútil, o pai sempre dizia "Faça por merecer" quando lhe pedia um brinquedo.

Alto, forte, louro-mel, olhos azuis brilhantes, queixo talhado a machado, peitoral avantajado e uma inteligência muito desenvolvida, além da voz de Elvis Presley que deixa colegas de faculdade e funcionárias delirando. Apelido: Capitão América, mas também o chamam de "iô-iô", "Rei Leão", "Fedido", "Feioso", e mais uma dúzia de apelidos que ele leva na esportiva.

Foi educado desde que aprendeu a andar para que se colocasse no mesmo nível dos demais, apesar de a bondade divina o ter superdotado de beleza tanto quando de porte físico e inteligência. Seus pais foram bem sucedidos, talvez muito mais do que uma sociedade que preza o "coitadismo" é capaz de tolerar.

Medita enquanto o advogado de acusação tenta convencer o juiz de que ele ofendeu propositalmente todos os negos do país. Ele sabe que vai dar em nada, a argumentação é ridícula, baseada simplesmente da inveja de uns e na paranóia de outros. Mas o constrangimento pelo qual está passando é prato cheio para muita gente.

Alegam que ele jamais participou dos movimentos estudantís, omitindo o facto de estar sempre trabalhando nas empresas da família, que em suas férias sempre prefere ir para a Região Sul do país, que viaja para a Europa e nunca esticou para a África, e outros do mesmo teor. Desconsiderando que Urbano é casado, o acusam de preterir as moças negras (ou cidadãs afrodescendentes, como preferem) nos flertes. Chegam ao cúmulo de afirmar que ter se casado com uma loura é uma tentativa para "purificar sua raça".

"Raça"... Aprendeu desde moleque que todos os humanos têm quarenta e seis cromossomos. Ficou furo da vida quando o governo instituiu "Quotas de raciais", foi a institucionalização do racismo.

Os mesmos grupos de "direitos humanos" que agora tentam tomar-lhe os cobres e desmoralizá-lo, viraram as costas quando um de seus motoristas, que era negro, foi assassinado em serviço, mas não tardaram a defender o assassino como "vítima da sociedade capitalista". Aquele rapaz tinha sido tirado de uma favela, teve menos chances na vida do que o seu algoz, mas preferiu prestar. A família está sendo amparada pelo seguro da empresa, porque o Estado coitadista não tem pressa nenhuma em pagar-lhe indenizações por ter falhado naquilo que é bem pago para fazer.

Urbano olha para a advogada, para a esposa, pensa nos pais e erege sua postura. Quando o juiz lhe dirige a palavra, ele é taxativo: Gasto mil reais para que não me roubem um centavo. Nunca fui sectarista e nunca pedi ajuda do governo para conseguir nada, assim como minha família, meus amigos e meus funcionários. Me acusam de racismo por fazer o mesmo que eles dizem fazer, cultivar minhas raízes e me comportar conforme meus pais me ensinaram. Ter me referido a um sabonete como "pretinho" não deveria ser motivo nem para ofensa, quanto mais para um processo. Sou sim, contra quotas, tenho amigos (então) muito pobres que fizeram por merecer o ingresso à faculdade, mas por não serem considerados "discriminados" nunca tiveram ajuda de espécie alguma. Se ofender deliberadamente fosse motivo para acusação, eu já teria processado todos os que me acionaram, mas meus pais me ensinaram a não agir como criança depois dos doze anos, porque aos doze eu já estava me tornando um homem e é assim que me comporto. Veja o meritíssimo o que causou tudo, chamei de pretinho um sabonete preto, não me referi a ninguém, me referi a uma coisa que esfrego no corpo para me lavar. Já processaram um pobre blogueiro por causa disso, não basta? Se fosse vermelho um ruivo poderia me processar?

Não delonga. Chega a vez da defesa, que mostra vídeos internos da faculdade, históricos do rapaz, depoimentos de quem realmente o conhece. É absolvido, como já esperava, mas não pode dizer que a vida acadêmica será como antes. Doravante, para evitar problemas, não cumprimentará mais certas pessoas para que não lhe distorçam as palavras, levará os amigos para outros lugares para que possam conversar sem medo. Nunca imaginou que não gostar de algo pudesse causar problemas. É pressionado para assumir uma homossexualidade que não tem, para assumir um machismo que não tem, olhado torto por suas roupas "de branco conservador", por sua família "perfeitinha", enfim, por não ser de nenhuma "minoria secularmente oprimida".

Volta para casa, onde a mãe já é tranqüilizada pela nora via telemóvel. Mas se pensam que vai mudar uma vírgula de sua vida para agradar aos "coitadinhos" neuróticos, estão esperando ovo de galo. Já basta ter que financiar com seus impostos os que o denigrem.

sábado, 17 de abril de 2010

Como envergonhar um país


Comece desprezando a prata da casa. Tudo o que se faz aqui dentro não presta e ponto final. Nada de argumentação técnica, pesquisa ou mesmo ouvir conselhos de quem entende do assunto, não presta e pronto.
Quando for encomendar um carro de representação, esqueça que a indústria genuinamente nacional pode providenciar um do jeito que se quiser, vá directo para um importado sem dar satisfações. O mesmo se precisar de um avião novo, afinal, quem já ouviu falar de um filme estrelado por um Embraer? Esqueça que na segunda metade dos anos 1970 nós conseguimos construir um computador totalmente nacional, sem um pitaco estrangeiro sequer, ainda que defasado na época, foi conquista de um país que então não recebia pelota nenhuma do primeiro mundo. Se é daqui, não presta e ponto, e humilhe publicamente quem discordar.
Entidades tradicionais devem ser esquecidas, servir apenas para cabide de empregos. O povo precisa perder totalmente a confiança em autarquias tidas como felizes excessões, em um país carente de bons serviços. Afinal, se o povo não confiar, não vai usar e o pessoal beneficiado terá que trabalhar (ainda) menos. Alardeie investimentos que jamais chegarão aos finalmentes, fazendo que que seja palavra contra palavra, quando a imprensa desmentir.
Soluções maravilhosas como trólebus não são essenciais, ao primeiro problema que um só der, terá o pretexto para desactivar ao menos a maioria. Nem pense em disseminar o meio de transporte pelo país, o povo ficaria orgulhoso de ser brasileiro. É para tirar quase todos das ruas e deixar o restante ser sucateado. Ferrovia? Não me faça rir. Alavancaria o país em três tempos e o povo passaria a gostar de ser brasileiro.
Aeromóvel? Nem pensar. Lembre-se, é invenção brasileira, então não presta. Além de ser muito simples e confiável, não geraria os problemas sérios de que precisamos. Deixe tudo o que nossos pesquisadores conseguiram sem apoio nenhum cair no esquecimento, para que algum estrangeiro consiga a patente por uma ninharia e se vanglorie, depois importe a "inovação".
Faça piadinhas impróprias e sem fundamentos, como chamar escancaradamente os portugueses de burros, dizendo diante das câmeras que eles não produzem nada e não têm senso de humor, ou ainda faça piadinhas de nazismo em solo alemão, é vergonha nacional garantida, principalmente se vier de uma pessoa pública. Nem precisa sair do país, na verdade, demonstre toda a tua ignorância dizendo que Cuiabá é a capital de Goiânia, prove toda a tua futilidade tecendo comentários sobre tribos indígenas e passagens de boiada no centro da cidade.
Aliás, louve a ignorância, não só a falta de diploma. Menospreze a philosophia, tratando-a como conversa de gente metida a besta. Fale palavrão diante das câmeras sem motivo algum, só para parecer descolado, macho, autêntico ou outra desculpa esfarrapada que estiver em voga. E como conhecimento e cultura são supérfulos, defenda menininhas mimadas que se prostituem por prazer e incentivam à prostituição. Afinal os trouxas que se aprimoram e trabalham sustentam tudo isto, já que não têm tempo para verem as asneiras que vocês fazem. Incentive seus filhos ao descaso com a educação, já que a escola é obrigada a passá-los de qualquer jeito mesmo.
Se um Secretário de Estado vier preparar a vinda do Chefe de Estado ou Governo, esnobe sem dó, nem olhe na cara. Diga que só fala com quem é do seu nível. Se for espectador, aplauda como se fosse uma demonstração de liberdade nacional perante o imperialismo estrangeiro junto à comunidade mundial ao nível de ideologia no contexto com gravura. Invente uma besteira qualquer, é preciso justificar o vexame para incentivá-lo.
Alimente estereótipos. Rio de Janeiro é bunda de fora, Salvador é preguiça, São Paulo só tem gente malcriada e arrogante, Porto Alegre é gente fria e insensível, Belém é terra de ninguém e o Brasil é só litoral. Rico e pobre não podem ser amigos, homem e mulher só podem ser amantes, quem não gosta de futebol não tem direito de ser homem e todo praticante de artes marciais é marginal. Mas tudo isto em público, é preciso disseminar a alienação em rede nacional, para que as pessoas passem a tomar tais cretinices como normais. Diga que meninas de quinze anos já têm bundão e peitão, então deve ser certo um homem maduro transar com elas, na verdade é obrigação do sujeito. Dane-se que suas cabecinhas ainda sejam de meninas, guie-se pelas aparências e por sua torpe capacidade de julgamento.
Proteste contra a ditadura que terminou já há um quarto de século, talvez tu nem tenhas nascido ainda, mas faça vistas grossas de o governo se aproximar de regimes totalitários sangrentos, depois saia por aí berrando palavras de ordem. Se tua praia for a de direita, tudo bem, faça exactamente o mesmo, só que trocando de lado, dará na mesma, fará a Pátria Mãe Gentil enfiar a cabeça no avental de vergonha. Tudo isto com divulgação, de preferência via internet, para o mundo inteiro ver o quanto brasileiro é idiota.
Chore de ansiedade pelos próximo elenco de algum reality show, quanto mais permissividade e baixaria melhor, mas não dê a mínima para os apelos de
iniciativas nobres e sem fins lucrativos. Gaste os tubos com ligações para microphones de onde só sairá escatologia da pior origem, depois reclame que o governo não sustenta instituições de caridade, mas reclame xingando, senão não vale.
Por falar em governo, as eleições estão próximas. Reeleja quem já se viciou em mamatas, troque teus votos por um benefício qualquer, alicie toda a família em troca de um carguinho no tricentésimo escalão. Alegue que todo mundo faria o mesmo no teu lugar e dê os ombros para quem deveria receber a verba desviada, depois vá às câmeras defender o teu candidato, pois se ele afundar, te leva também.

Só mais uma cousa, para de ler este blog, ele é patriota até a medula.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Wandercleysson Hayrleysson

A primeira pergunta que você, minha princesa, deve estar fazendo, é quem é Wandercleysson Hayrleysson. Sim, você não me conhece. Ainda. Mas o prazer será todo seu, Wandercleysson Hayrleysson garante.
Todo charme e sedução, Wandercleysson Hayrleysson da Silva veio de uma família humilde da periferia, mas logo subiu na vida, graças a sua inteligência, força de vontade e, acima de tudo, Wandercleysson Hayrleysson nunca desistiu de seus sonhos.
Wandercelysson Hayrleysson sabe o valor da humildade, tão importante para ele. Mas ele deve admitir que seu principal sucesso é com a mulherada. Sim, as princesas e pitiguetis não resistem a seu charme, seu bom papo e sua pegada.
As pessoas sempre perguntam a ele o segredo de seu sucesso. Eu devo dizer que eu, o Wandercleysson Hayrleysson, sou um cara muito simples, família, que quer casar, ter filhos. Até já pensei nos nomes: Wandercleysson Hayrleysson da Silva Djúnior e, se tiver uma princesinha, Waldyscleydhy Dahyanny da Silva. Não são lindos? Mas enquanto a mulher pra casar não chega, ele vai pegando as piriguetes mesmo, que é pra isso que elas servem.

Como Wardercleysson Hayrleysson consegue tanto sucesso entre a mulherada? Ah, minhas princesas, não devia dizer isso pra vocês, mas mesmo Wanderleysson Hayrleysson, com todas suas qualidades naturais, usa alguns truques. Até já disseram que podia escrever um livro contando a razão de seu imenso sucesso. Então Wandercleysson Hayrleysson pediu pra Adriane, professora da minha irmãzinha, Dhylcleydhy Khrystyelly, ir escrevendo essas coisas. É, tipo assim, uma entrevista, pra ir colocando aqui um pouco dos meus segredos.

Que nem quando passo de moto. Estico o motor, faço furo no escapamento pra moto ficar mais nervosa. Empino perto do cruzamento. Quando passo pelo ponto de ônibus e tem mulherada, não me acanho, não. Buzino e olho pra elas com aquela cara que elas amam: "tu ainda vai ser minha, gostosa!". Na rua também, uma piriguete ou princesa passa? Buzino e olho também.

Nada como uma cara de tarado quando a gente tá dirigindo. Wandercelysson Hayrleysson, sempre de óculos raiban e boné da Naiqui, com aqueles brincos de istráss e correntes dibali, buzina pra toda mulherada bonita. Hoje de manhã, no caminhão do meu amigo, que tem a frase igual à da imagem acima, não perdoei e lasquei o buzinão, dando aquela secada. Isso toca o coração da mulherada. Wandercelysson Hayrleysson garante.

sábado, 10 de abril de 2010

A cidade não deveria dormir

Megalopoles como a Cidade-Estado de São Paulo é uma das felizes excessões no país, que mesmo assim não têm tudo o que poderiam ter.

Imaginem a inexistência de horários de pico, uma vez que o fluxo seria distribuído ao longo das vinte e quatro horas do dia. Para começar, não haveria mais estresse ao volante, o motorista encontraria poucos carros à sua frente e encontraria facilmente vagas para estacionar. Ao sair, o trânsito moderado permitiria ir embora sem as grandes demoras. As pessoas poderiam, assim, sair um pouco mais tarde de casa, devidamente alimentadas, e voltariam bem mais cedo. Só lembrando que Sampa tem linhas de ônibus que chegam a sessenta quilômetros de itinerário, pensem o sofrimento de quem mora no extremo sul e trabalha do extremo norte da cidade; mora no ônibus e vai dormir em casa.

Haveria muito menos poluição. O trânsito mais fluido evita o anda-e-pára dos carros, permitindo velocidades de cruzeiro mais altas e em marchas mais longas. As emissões não só ficariam distribuídas ao longo do dia, facilitando a dissipação, como seriam muito menores, ocasionando menos doenças aéreas e ópticas, poupando inclusive serviços de saúde pública. Esta, aliás, seria beneficiada também pelo número muito menor e menos grave de acidentes, também evitando faltas prolongadas ao trabalho; crucial para profissionais liberais.

São Paulo tem serviços ininterruptos, e muitos, mas deveriam ser todos. Triste de nós, que só fazemos o que precisamos em poucas horas de prazo.

Encontrar uma agência com guichês funcionando vinte e quatro horas por dia é um sonho, então imaginemos um expediente de dezesseis horas, as outras oito ficariam a cargo de serviços burocráticos internos. Com bancos funcionando das seis às vinte e duas horas para o público, não haveriam mais filas imensas, um cheque emitido no fim da tarde de sexta-feira não seria mais um problema para o comerciante. Com menos clientes para vigiar, a segurança bancária seria mais eficiente e o seguro um pouco mais barato. Sair do trabalho sabendo que há um caixa pronto para auxiliar no pagamento das contas, um gerente pronto para esclarecer dúvidas e ajudar com investimentos, testemunhas em bom número para reduzir as chances dos meliantes; psicólogos e psiquiatras poderiam se despreocupar com doenças crônicas e tratar da melhoria pessoal de seus pacientes.

Escolas públicas funcionando em quatro turnos atenderiam devidamente o cidadão. Porque há Secretários que pensam que todos acordam às oito horas e voltam de carro no fim da tarde. As salas ficariam menos cheias, professores gritariam menos para serem compreendidos, os alunos ficariam menos anônimos na multidão de colegas e todos se entenderiam melhor. Com as escolas sempre movimentadas, depredações e furtos seriam menores e menos freqüentes.

O transporte público ficaria desafogado. Se apenas um quinto dos usuários fosse para a madrugada, o aperto dos ônibus se tornaria perfeitamente suportável nos outros períodos, talvez até desaparecesse em certas épocas. Com menos gente para embarque e desembarque, se perderia menos tempo com o veículo parado, consumindo combustível e gerando ruído desnecessários, o fluxo seria mais ordeiro e mais uma vez os meliantes sairiam perdendo, pois se aproveitam justo de tumultos para fazerem o que não presta. Precisa falar que os motoristas sairiam do trabalho menos neuróticos? Daria até para apreciar a paisagem, cousa que hoje quase ninguém faz, mas areja muito a cabeça.

A televisão teria que rebolar, porque já não existiria mais o tal "horário nobre". Bons filmes e boas séries teriam que ser distribuídos ao longo do dia, facilitando a vida do trabalhador. Aliás, com boas produções disponíveis a qualquer momento, o senso crítico do espectador acordaria, não duvidem que a maioria dos programas sairia do ar em três tempos: surpresa, negação e demissão. uma mente descansada é menos susceptível a baixarias. E aqueles filminhos barra-pesada, heim... Se hoje a garotada burla a vigilância dos pais, imaginem neste cenário. A programação teria que ser aprimorada sem choro nem vela.

Já citado em trechos, o criminoso sofreria mais. Haveriam sempre muitas testemunhas, sempre alguém escondido o bastante para apertar o botão de pânico do celular, já há câmeras embutidas em canetas a preços razoáveis, sempre haveria alguém em um carro potente para photographar e cascar fora, facilitando a captura dos marginais. A polícia sempre encontraria alguém que acabou de ver para onde o filho de uma coitada (que de vida fácil não tem nada) foi. Depredadores e pixadores seriam rapidamente localizados, teriam menos onde se esconder e o risco de depararem com o lutador que os flagrou pixando seu muro seria muito maior. Menos vandalismo, menos prejuízos para o cidadão e para os cofres públicos.

Os apartamentos do centro valorizariam sensivelmente. Menos poluição, menos barulho, menos criminalidade, as janelas poderiam ficar sempre abertas, para o morador do edifício aproveitar a vista que sua residência oferece. Um horizonte sem fumaça, um fluxo ordenado de carros, quem sabe dons artísticos sufocados pela metropolopatia emergem.

O judiciário funcionando sem parar é o sonho de todo envonvido em alguma causa, principalmente advogados, que teriam mais tranqüilidade para analisar e se valer de pareceres. Não haveria mais a figura (até certo ponto discriminada) do plantonista, de um ocaso ao outro seria semrpe horário de serviço e todos teriam a companhia dos colegas, não só juízes, mas de todas as altarquias. Solidão forçada é triste.

Indo um pouco mais além, imagino um mundo em que as folgas semanais seriam individuais, ou no máximo divididas em grupos profissionais. Todos teriam seus dias de descanso, todos teriam suas folgas, todos teriam o lazer que merecem e de que até os iluminados necessitam, mas a cidade jamais pararia, as oscilações de movimento não comprometeriam a viabilidade econômica dos negócios, que poderiam ser melhor estruturados.

De cara, uma cidade que não dorme em ramo algum ficaria mais rica. Porque não é somente a quantidade de dinheiro que produz riqueza, mas a velocidade com que ele circula. O trabalho ininterrupto aceleraria de modo vertiginoso a circulação de capital, fazendo a mesma quantidade de papel-moeda comprar muito mais, reduzindo o custo unitário de productos e serviços, com ele o custo de vida. A geração de empregos seria natural, pois haveria demanda por serviços, talvez até a necessidade de importação de mão-de-obra.

Mais do que estudos de viabilidade técnica e econômica, seria preciso haver mudança de mentalidade para instalar este cenário, porque uma vez feito, as pessoas passariam a ter mais acesso à cultura e ao conhecimento, para desespero do grosso dos políticos. Mas se quiséssemos, o faríamos hoje, porque as pessoas precisam dormir, não as instituições.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Charges: uma introdução talicôisica

Lendo o texto do Nanael, fiquei impressionada com a apropriadíssima charge sobre o tema de seu "sou pago pra vadiar". Comecei a matutar sobre esses desenhos,, que, às vezes com alguns rabiscos simples transmitem mais ideias do que eu sou capaz de fazer com um amontoado de linhas.

Um texto do prof. Fernando A. Moreti explica muito bem o surgimento dessas, como ele muito corretamente chama, formas gráficas de humor. Concordo com ele quando afirma que esta arte existia desde as cavernas. Aliás, uma vez brinquei aqui que talvez fosse uma forma de difamar um desafeto.

O termo em si surgiu, como de resto um bocado de coisa bacana, no efervescente século XIX, a partir da caricatura. O termo vem do francês charger, e imediatametne assumiu um conteúdo político com ironia corrosiva. Famosos e eventos do século não escaparam à charge: de Darwin a Napoleão, de Cecil Rodhes ao imperialismo que ele tanto acalentava.

Volta e meia vinham os jornais, a publicar os desmandos, hipocrisias, corrupções - que, olhem só, não são privilégio nosso. Reis e rainhas não foram poupados, como vimos ali na charge do imperialismo, nem os ditadores mais psicopatas fugiram delas. Alguns chargistas chegaram mesmo a ser presos e perseguidos, como conta o texto do prof. Fernando Moreti, acima citado.

Se eu soubesse desenhar, faria uma charge de uma imagem que me veio muito nítida: uma bandeira estadunidense composta por nuvens de gafanhotos. Claro, infelizmente não são só eles que têm essa postura diante do planeta. Enfim, até hoje não consigo esquecer esse desenho que me veio tão claro.

Mas (infelizmente para mim e talvez felizmente para o mundo) meus dotes artísticos não passam muito disso:

sábado, 3 de abril de 2010

Sou pago para vadiar


Mas não vadio. Talvez seja este o meu problema.

Como o atendimento ao público começa uma hora depois de iniciado o expediente, eu poderia chegar atrasado e assinar o ponto sem medo.

Poderia me apresentar ao serviço apenas duas ou três vezes por semana, que qualquer tentativa de punição seria facilmente revertida em indenização, porque a lei do funcionalismo público me ampararia.

No decorrer do expediente, eu poderia sair sem prestar satisfações para fazer o que bem me proviesse, se fosse mulher poderia marcar salão e esticar até o shopping.

Ninguém me repreenderia se eu passasse a manhã perambulando pelos corredores, jogando conversa fiada e reclamando da miséria que a prefeitura nos paga, logo viria alguém ligado a algum sindicato me apoiar e a discussão duraria até a hora de fechar. Se eu estivesse com papelada nas mãos, então é que ninguém me incomodaria, pois em uma repartição pública ninguém sabe o que o outro está fazendo, então ninguém poderia dizer que eu não estaria trabalhando.

Se o contribuinte ligasse e eu o repassasse imediatamente, sem sequer dizer "alô", para outro departamento, ninguém daria a mínima. Todos fariam o jogo do empurra até o coitado desistir. Se ele fosse à televisão, melhor ainda, a reportagem registraria nossas precárias condições de trabalho, a papelada parada por falta de pessoal, as viaturas com problemas e a chefia sempre interrompida por uma reunião de emergência, que nunca dá em nada.

Por falar em reunião, eu poderia me disponibilizar para freqüentá-las e assim teria mais motivos para cultivar o ócio, pois quase sempre são eventos em que todos falam demais, retorizam demais, acham demais, se magoam demais, para no final se marcar a próxima reunião, a fim de dar andamento ao que não foi discutido; ou seja, tudo.

Qualquer machucadinho me valeria um atestado médico, bastando levá-lo com antecedência à divisão operacional, o que me renderia três dias de papo para o ar, corrompendo assim um direito que deveria apenas resguardar a saúde do trabalhador. Mas quem se importa?

Vai haver protesto? O contribuinte que se lasque! Será um dia inteiro com o álibi perfeito para vadiar e ao mesmo tempo agir em causa própria, ninguém pode punir alguém por reivindicar direitos trabalhistas.

O colega não fez o seu trabalho? Maravilha. Basta eu folhear peças e processos, coçar a cabeça de vez em quando e fazer as caminhadas pelo departamento, porque a culpa será toda dele. Aliás, a culpa será deste governo corrupto e reacionário, que explora o tabalhador assalariado em prol dos interesses bla-bla, bla-bla, bla-bla...

A culpa sempre seria do outro, mesmo que o outro não exista. Se fizesse tudo isto, eu seria muito popular.

Só que eu não fico de papo pelos corredores, não sei das últimas bobagens inúteis da televisão, não falto ao trabalho mesmo (isto em mim é crônico) com a cabeça estourando, não perco as preciosas horas da manhã alimentando intrigas internas, não desisto de um trabalho se o procedimento padrão não funcionou, e geralmente não funciona... É triste ter que admitir que, às vezes, o Boris Casoy tem razão. Tenho certeza de ter inimigos não declarados por isto.

Hoje eu votaria pelo fim da estabilidade do servidor público, ao menos do jeito que está não deveria permanecer. Porque quem quer fazer hora extra, e o contribuinte sempre precisa de hora extra, não recebe e às vezes é proibido, mas quem entra mais tarde e sai mais cedo não tem um centavo de desconto, mesmo sem se justificar. Quem quer fazer o que a honestidade espera de um servidor púiblico é trouxa, pelego, uma pernona non grata no ambiente. Estamos na iminência de perder colegas de grande valor por isso, e ninguém dá a mínima.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

É mentira...

Hoje, primeiro de abril, é considerado o dia da mentira. Eu poderia fazer um texto sobre a mudança de calendário que é apontada como uma das razões para o dia existir. Poderia bancar a ranzinza e falar de como a mentira é perpetrada no dia-a-dia e que por isso não haveria necessidade de comemorar seu dia e talicoisa.

Poderia escrever uma crônica de falso humor cáustico e atribui-lo a Luís Fernando Veríssimo ou a Arnaldo Jabor.

Mas... resolvi caçar no Gugou (ahhh, que novidade) algumas músicas com o tema. Trago cinco e um bônus.

1. Mel na boca, um samba de primeira, tem o trecho que dá o título ao post. Dá uma olhadinha na letra: "Oh, quanta mentira suportei/Neste teu cinismo de doçura/Pode parar/Com essa idéia de representação/Os bastidores se fecharam pra desilusão [bis]É mentira/É mentira/Cadê todas promessas de me dar felicidade?/Bota mel em minha boca/Me ama, depois deixa a saudade, será...Será que o amor é isso? Se é feitiço vou jogar flores no mar/Um raio de luz/Do sol voltará a brilhar/Que se apagou e deixou noite em meu olhar[bis]".

2. Mentiras, canção-fossa daquelas que fez sucesso em voz contraltada. É uma letra interessante, convenhamos.

3. Com o mesmo título, os Titãs cantam sua revolta num mundo que diz que os quer ensinar e curar de doenças que nem sofrem. A letra ataca a "boa e velha" hipocrisia. Bacaninha.

4. Pega na mentira, do Erasmão, tem trechos bem datados de ícones da década de 80, como o beijoqueiro e a temida inflação-do-Sarney. Cantei moooito [#prontofalei]. E Sandijunior regravaram, com alterações igualmente datadas. Prefiro a primeira letra.

5. Pra finalizar, uma estrangeira: Lie. David Coock pede ao ser amado que esconda a verdade iminente do fim do amor. Minta pra mim, dizendo que tudo ficará bem, ele implora. Deliciosamente piegas.

O Bônus é uma das músicas estrangeiras que mais apropriadamente fala da mentira sem, contudo, trazer o termo na letra: The Great Pretender. Ouça, cante e libere seu lado cafona, porque no dia da mentira, a gente pode fingir que não existe em cada um de nós esse ser que, no fundo, no fundo, ainda suspira e se emociona. Como em Autopsicografia, famoso poema de Fernando Pessoa, é disso que a música trata: de fingir.
Bônus Track: a sugestão do Nanael TEM que vir aqui. Minthura é FABULOSA. Aqui, o clipe lançado pela dona Rede Globo, inimiga eterna do Brizolla, em pleno Fantástico, só pra constranger o velho caudilho: http://www.youtube.com/watch?v=vsUwrClxFZU. Divirtam-se.

(Mais) alguma sugestão de música com mentira implícita - ou declarada - na letra?