sábado, 13 de junho de 2009

Adeus, Luluzinha

Não satisfeitos em matar a Turma da Mônica, a indústria de quadrinhos do Brasil se esmerou em assassinar uma das personagens mais antigas e fiáveis da história.

Luluzinha nasceu pelas mãos de Marjorie Henderson Buell, a Marge, em 1935, em charges para a revista The Saturday Evening Post. O sucesso foi grande. Depois da Segunda Guerra Mundial ela ganhou sua própria revista, pouco depois veio seu antagonista, o Bolinha. Eram estórias de crianças agindo como crianças, resolvendo seus problemas como crianças. Nada de neuroses politicamente patéticas para camuflar preconceitos. Bolinha era gordo, ela não tinha esta alcunha à toa.

O mérito de mostrar crianças agindo como crianças é o facto de elas não guardarem rancores, Luluzinha e Bolinha brigavam como cão e gato, mas depois vontavam a brincar como se nada (ou quase) tivesse acontecido. O mais importante é que as estórias originais tinham conteúdo. Crianças não são anjos nem demônios, eles se esquecem disso.

O que fizeram foi comprar os direitos autorais para uso no Brasil, da marca, e inventaram um mangá dos mais vagabundos. Sem presonalidade, sem propósito, sem argumento, sem o toque de Marge, que foi solenemente deixado de lado em nome de uma mercadologia estpúpida que não leva em conta a qualidade do entretenimento, mas unicamente o filão de mercado. Ei vi o mangá, estava cheio de "bichôs".

Luluzinha perde seus lindos e característicos cachos, Bolinha fica magro (hereeeeeeeges!) e cheio de trapos para dizer que está "na moda", enfim, mataram a personagem. Luluzinha jamais seria politicamente correcta, desceria o pau para defender aquilo em que acredita, mas nunca tentando poupar farpas. Aliás, quem conheceu a verdadeira sabe o quanto as suas podiam ser afiadas. Tudo terminava bem nas estorinhas? Nem sempre, mas sempre havia coerência e o leitor, desde os recém-alphabetizados até os mais velhos, ficavam satisfeitos com a trama.

A mesma editora que tira bons títulos do mercado sem dar satisfações ao leitor, como se estivesse fazendo um favor em vender, usa como trunfo a aparição de artistas e personalidades da vida real na Lulu Zona. Me desculpem os fãs de bobagens fúteis de televisão, mas virou um Malhação de papel, sempre abordando de forma superficial e inconsistente, temas aparentemente vitais e actuais. É aqui que mais peca, querer ser sempre actual.

Eu gostaria sinceramente de ver a Luluzinha em várias versões em épocas diferentes e para públicos diferentes. Por exemplo Luluzinha criança, nos anos 1940/1950; Luluzinha adolescente, nos anos 1950/1960; Luluzinha mocinha, nos anos 1960/1970; e finalmente Luluzinha mulher, nos anos 1970/1980. Isto sim faria diferença para a melhor e, de quebra, ajudaria as pessoas a compreenderem as épocas retratadas, no que também veriam onde erramos para haver esse quadrinicídio generalizado.

Se um dia der lucro e não der cadeia glamourizar uma Lulu prostituta sob a coleira de um Bola traficante, eles assim o farão. Se valem de nossa conhecida letargia para fazerem das suas sem quererem saber de nossas posições. Depois saem por aí, reclamando que "quadrinho não vende no Brasil", que o público está viciado em mangás japoneses, et cétera. Por que será? Será porque as tramas são consistentes? Será porque os desenhos são bonitos e bem feitos? Será porque as editoras só prestam serviços e os autores, donos das obras, ouvem o que o leitor quer? Será tudo isto e mais um pouco? Sim. Quem já leu Nana, sabe do que estou falando.

Por estas e outras tenho cada vez mais desprazer em ir à banca do Valteir e ver o monte de lixo que encobrem as boas obras. Gibis bons, como o da Tina, são mandados de vez em quando e muito irregularmente. Imaginem a Luluzinha. Pois o mesmo feito aos quadrinhos é feito com tudo, desde programas de tevê, passando por alimentos até automóveis e apartamentos, estes com garagens para mini bugues, nunca carros normais, por causa da especulação.
Jean Okada desenhou uma versão adolescente dela, que ficou bastante coerente do que seria a turma dela nos dias de hoje, principalmente por ter respeitado aqueles maravilhosos e característicos cachos naturais e bem penteados, formando duas flores de cabelos na frente. Infinitamente melhor do que o mangá genérico que acabou levando o nome. O Jean sim, deveria ter ficado com a missão de desenhar a garota já crescidinha.

Luluzinha e Bolinha eram dois monstrinhos, muito longe de serem os anjinhos de candura que muitos pais sonham que seus filhos poderiam ser. Mas eram crianças, nenhuma criança sadia é uma ilustração, para ficar quietinha e jamais dar dores de cabeças à família. Mas daí a se tornarem marginais, como alguns editores fazem com bons moços de outrora, também é um quadrinicídio com requintes de crueldade.

Não publicarei aqui aquele mangá fajuto, para não dar mais publicidade, apenas presto uma homenagem à Marjorier, que como mulher teve o esmero materno de criar uma criança, que era a verdadeira acepção de uma criança. Publico uma versão do genial Jean Okada.

7 comentários:

Rafaela disse...

Ótimo texto, Nanis!
Nunca li nenhuma história original, mas já tive umas duas ou três revistinhas da versão brasileira e eu gostei.
A Turma da Mônica jovem eu não tive coragem de ler...

Nanael Soubaim disse...

Nem perca teu tempo, só serve para quem nunca leu a turma da Mônica e não tem critério para mangás. Esperemos que poupem o Recruta Zero.

Lótus disse...

Puxa, Luluzinha era mto legal. E acho q o segredo estava justamente em retratar crianças como... crianças! Há agora uma certa sacralização da infância, mas eu não acho que os pequenos sejam anjos, tampouco monstrinhos ou demônios. Eles aprontam o que têm de aprontar, só isso! É assim q se aprende. E o Bolinha como canto de rock ficou magnifíco, assim como a Lulu de cachos! Fora, chapinha!!

Adriane Schroeder disse...

Puxa vida, que maus!
Já pensou se essa tendência assola outros ícones, como Snoopy, Calvin, Hagar?
Eu, hein!!!

Dulce Miller disse...

Nossa... eu era apaixonada pelos gibis da Luluzinha! \o/

Saudades daquele tempo!

Renato Rodrigues disse...

Uma das coisas que eu sempre procuro quando vou na Gibimania (um lojinha super bacana dirigida por um cara que entende tudo de velharias aqui no Rio) é a revista da Luluzinha (e do Bolinha). Tá cada vez mais difícil achar algum em bom estado.


Mas eu gsotei da iniciativa de trazer ela, mesmo que teen, de volta às bancas. Eu só não sou o público alvo. Mas realmente, o Bolinha magro é dose...

Nanael Soubaim disse...

O público alvo era quem vê e adora malhação, Renato. Nada a ver conosco.