quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LXVIII

    Eu vivo sempre no mundo da Lua! A estação 68 mostra o auge e as transformações, para o bem e o mal, que se deram em poucos anos. Embarquem e aproveitem a paisagem, o trem vai partir.


O primeiro natal com neve dos três brasileiros. Nunca viram (...) uma árvore com aquele porte e todo o clima natalino que os cerca. A cidade inteira foi decorada como se fosse uma extensão de cada residência (...) A prosperidade se instalou em Sunshadow, agora acompanhada dos temores dos adultos (...) pelo futuro que espera pela novíssima geração de sunshadowers, que não conhecerá a discriminação de que até há pouco tempo eram alvos. Patrícia lhes diz para não se preocuparem antes do tempo (...) apenas que continuem com a velha fórmula de austeridade que caracteriza a cidade, mas a sede com que a juventude americana está consumindo entorpecentes e fugindo da realidade, é assustadora.

Na cidade velha, Rebeca distribui ameaças, caso tropece. Robert a guia com os olhos vendados até a garagem. A baixinha tateia tudo, anda devagar e fica aliviada quando chega...

- E aí?

- Pode olhar.

O irmão libera e ela tira a venda (...) Os olhos vão se acostumando à claridade, ela olha para os lados, vê uma motocicleta, olha para o outro e... Motocicleta?! Volta a olhar para frente e deixa o queixo cair, se aproximando daquela gigantesca Harley Davidson toda customizada, preta com detalhes verde-oliva, inclusive as rodas, dois capacetes alusivos ao Dead Train, grandes bolsas de couro nas laterais, o emblema da banda no filtro de ar, um pequeno compressor feito por Richard, um para-brisas inclinado com um porta-mapas na base (...) Rebeca (...) toca os cromados, os assentos, olha para o irmão e o vê segurando uma chave...

- Feliz natal, mamma Rebby.

Ela grita a todo pulmão, corre ao redor da moto, abraça e beija o irmão, sacode a pretensa cunhada, pula nos pais, volta a correr ao redor da moto, finalmente monta e dispara para a casa de Ronald, os dois são vistos passeando pela cidade, debaixo de neve, gritando “Merry Chrystmas” por todas as ruas. Adentram no lote da casa de Patrícia, acenando para a moça atônita. Ela abre a porta, apesar do frio e eles entram com a motocicleta...

- Feliz natal! Quem foi o maluco que te deu isto?

- Feliz natal, Patty! Foi o Bobby!

- A Mikomi tem algo a ver com isso!

Os outros saem da copa e dão de cara com o casal na Harley. Rebeca desliga o motor e os dois saltam, com os blusões do bando de Chuck (...) Para prevenir, a moça estende a mão esquerda, quer a chave (...) Dormirão lá mesmo, se necessário, mas não se arriscarão mais por hoje. Tudo bem, já fizeram a algazarra que queriam pela cidade inteira.

Uma hora de visita e Zigfrida precisa agir. Rebeca (...) tirou alguns preservativos do bolso do blusão e colocou no da camisa, no que Ana Clara e Justino ficaram curiosos, sem que Carolina conseguisse explicar, e a baixinha arregalasse os olhos de surpresa, pela ingenuidade. A sueca já sabia que a região deles era muito atrasada, mas não imaginou que fosse tanto. Lá vai ela dar as noções mais básicas de sexualidade, na suíte dos irmãos, inclusive desmentindo mitos como “Da primeira vez não engravida”...

- Minha mãe engravidou de uma relação interrompida pelo pai dela, e foi a primeira. Nove meses depois, eis-me aqui, neste orbe de expiações. Ou seja, “Só a cabecinha” também engravida. A única forma cem por cento segura é a abstinência, mas sei por experiência própria que é pedir demais, então vou pedir desculpas à mãe de vocês, mas terei que mostrar como se usa isto. Greg, segure sua mãe, ela vai precisar. Just, baixe as calças.

- Hein?!

- Baixe as calças. Não tem outro jeito, é melhor vocês aprenderem em família do que no mundo. Sua mãe tem um monte de histórias desastrosas para contar a respeito, não tem?

- Tenho – diz hesitante. Mas a Clarinha precisa mesmo ver isso?

- Little Claire é uma moça, eu tenho certeza de que um monte de boçais já alimenta fantasias indecentes com ela. É melhor ela cair na real logo e aprender a se defender, nem sempre terá o irmão por perto para dar sopapos em pervertidos. Ah, Claire, se o cara não quiser usar, manda ir catar coquinho; se ele insistir, manda conversar com teus irmãos. Que cuequinha linda, Just, mas vai ter que descer também!

Até por volta dos quatro anos, os dois tomavam banho juntos, na mesma bacia, mas logo o falecido pai (...) decretou que nunca mais deveriam se ver sem duas camadas de roupa por cima. Coitado, era o que ele sabia da vida, não se poderia exigir mais do que isso dele. Justino, pensando mais na irmã do que no próprio constrangimento, tira a cueca preta com losangos brancos esparsamente estampados. É uma cena familiar, com o garoto não conseguindo se controlar direito e tendo ereção imediata. Nunca tinha ficado sem calças diante de uma mulher estranha; estranha e linda de morrer, diga-se de passagem, ele não consegue esconder. Zigfrida dá a embalagem a Clara e pede que ela a abra. Trêmula, obedece, com Carolina mais chocada a cada momento, e a sueca afirmando que vai tratar dos traumas (...) mas antes estes do que uma gravidez precoce por desconhecimento de causa. Os garotos ficam decepcionados com o que vêem, um anel de látex enrolado com uma membrana, até a mãe deles fica (...) embora não se atreva a contar...

- Ok, guys, this is a preservative. Obrigada, senhorita. Tome, rapaz, é a sua vez.

- O que eu faço com isso?

- Ponha na ponta do pênis e desenrole.

- Ah, tá enrolado?

Arthur e Carolina começam a rir. Zigfrida entrega o preservativo e ele começa a desenrolar. Ela gosta da desenvoltura que ele consegue de então em diante, mas odeia estar ciente de que agora é um paciente, envolto pelo escudo protetor de sua ética. É como se fosse diabética e posta para trabalhar em uma confeitaria...

- Meu Deus – pensa – tá ficando enorme!

- Mano, cê tá bem? Frida, isso cresce assim mesmo?

- Sim, mas, menina! Poucas vezes vi desse tamanho! Maldita ética a que me indexei!

- O que eu faço agora?

- Agora vai pro banheiro e siga seus instintos, antes que causem mais constrangimentos. Você pegue suas coisas e venha pra minha suíte. Vai dormir comigo agora, só por precaução. E vocês, do que estão rindo?

- Docê...

- Patty, pode entrar. Serviço de primeira, Frida!

Entram os três. Pelo clima, vêem que seus temores foram superestimados, ou talvez a psicóloga é que seja boa demais e tenha conduzido a situação. Justino sai do banheiro com a camisinha na mão, cheia, perguntando o que fazer com aquilo.

&

Os últimos dias do trio nos Estados Unidos são animados. Conhecem Detroit, quando acompanham a banda para o primeiro show do ano (...) é indescritivelmente diferente de só ouvir o disco na vitrola.  Quando eles tocam “Bla-bla-band”, o público vai ao delírio. O ambiente coberto permite o uso de roupas mais leves e próprias para dançar ao som do sexteto. Sim, tem paquera, muita paquera, sobrando para os brasileiros e o pai da presidente do fã clube se engraçando para Carolina. No primeiro intervalo, quando eles vão aos bastidores...

- Uhuuuu! Gente, a prima Carol tá sendo xavecada pelo Will!

- Aha! Alguém corre o risco de não voltar pro Brasil – diz Enzo!

- Pai, chama a Susie e o pai dela!

O viúvo entra nos bastidores com a filha (...) não esconde que ficou interessado pela goiana, mas não sabia que era brasileira, dado o seu bom inglês com sotaque meio londrino, tampouco que fosse prima de Renata e sogra de Patrícia. Ela fica encabulada (...) até o primogênito aparecer e ir ter com eles...

- Will, quero que se lembre de uma coisa, uma coisa só: Ela é minha mãe. Lembre-se também de que ela volta pra casa no próximo sábado.

- She’ll back to Brazil?

- Sim, ela vai voltar pra lá, é onde ela vive.

- Por que ela não pode morar aqui?

- Vá com calma, Romeu! Nas férias de Julho os três voltam. Enquanto isso, mãe, não se faça de inocente. Não vou empatar a vida de ninguém, voltem pra plateia e se entendam.

- Mas meu filho, eu sou...

- Uma mulher linda e cheia de vida! Agora vai. Will, se folgar com ela, a gente conversa sério!

O trabalho de Zigfrida produziu bons frutos, Carolina já não insiste em tratar a viuvez como traço de personalidade, embora muita gente em Rio Verde vigie sua conduta; e negligencie a própria. Por isso (...) Arthur está providenciando sua mudança para Goiânia, com a ajuda da prima. Durante o show, os três namoram de modo até inocente, mas põe em prática o conteúdo de uma viagem que fará com que poucos os reconheçam em Rio Verde. Justino deixou o cavanhaque crescer, Carolina cortou os cabelos até a nuca e Ana Clara, para o desespero de muitos, deixou quase meio metro de cabelo em solo americano, passando a usar um chanel curtinho. As duas aprenderam a se maquiar e perfumar, os três aprenderam a se vestir, aprenderam que de morto basta o trem.

Voam para o Brasil com mais bagagem, também material (...) Quimbim avisa aos parentes que talvez não reconheçam os três, que os respeitem do jeito que estão e que aproveitem, porque não continuarão no Brasil por muito mais tempo...

- O carma deles aqui já tá pago, e a inveja tá muita! É melhor eles ir morar onde a mentalidade é menos atrasada e ninguém se importa tanto com a vida dos outros. Melhor pra todo mundo.

Quando eles chegam, é realmente um choque. Alguns pretendentes logo se desiludem com Clara (...) Nem todos ficam por perto para ouvir as histórias que trazem de uma terra mais distante do que as milhas podem contar. Ficaram muito sofisticados para muita gente antes próxima, que agora os trata como metidos a besta. Se mudam para Goiânia três meses depois (...) Os garotos entram para cursos profissionalizantes e passam a ganhar algum, dando aulas particulares de inglês. Os três mantendo correspondências com os amigos que deixaram em Detroit. De Sunshadow, Arthur acompanha rente a evolução deles. O rapazote tímido e titubeante não tem mais lugar nesta nova fase de responsabilidades familiares.

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Ele não precisa estar presente (...) Richard vê com a família a partida da Apolo 11, na casa de Patrícia, a única que sabe de sua atuação no projecto, e dos poucos que conhecem as moças que fizeram o trabalho intelectual da NASA. Adoraria colocar um pôster lá fora com a frase “Powered by my daddy” (...) Ele, por sua vez, tem um cravo de tristeza com este episódio, disse-lhe reservadamente “Aproveite a paisagem, pois é o máximo que teremos pelos próximos cinqüenta anos. Daqui em diante é ladeira abaixo”. Arthur explica à família o que significa tudo aquilo, algo bem maior do que simplesmente fincar a bandeira americana em solo lunar (...) ele também está ciente de que a América passará alguns instantes no topo, para depois começar a descer cada vez mais rápido. A questão é se o atrito e a aerodinâmica serão suficientes para impedir que consigam subir novamente, sem grandes dispêndios de energia.

A decolagem foi um sucesso, todos esperam que a alunissagem também seja, bem como a reentrada, que é o verdadeiro momento crítico da missão. Alguns grupos “religiosos” fazem protestos (...) exigindo que a Apolo 11 dê meia-volta e não se intrometa “nas coisas de Deus”. Em outras partes, grupos que se dizem humanitários protestam contra os vultos gastos na missão, quando milhões de pessoas passam por necessidades pelo mundo, enquanto um terceiro grupo pousa em Marte e Saturno com propulsão alucinógena (...) na verdade mesmo, quase ninguém sabe de facto o que está acontecendo, noventa e tantos por cento da população mundial só assistem ao entretenimento, uma parcela considerável sem entender direito o enredo do programa.

Enquanto isso, Josephine recebe do escritório da banda a notícia das vendas de discos. Não poderiam ser melhores, embora ela acredite que poderia ser mais. Mas os negócios do Dead Train mantém a boa marcha (...) Alguns pontos merecem sua atenção, como o crescimento da venda de materiais escolares licenciados. Nunca são como os outros, sempre há uma tabuada e uma agenda para provas e trabalhos nos cadernos, no mínimo, elaboradas de modo a convencer o aluno a usá-las. Ela não está interessada na viagem à Lua, não como os outros. Sabe o que há por detrás disso tudo, apesar dos avanços tecnológicos que a missão tem fomentado (...) A diva abre a porta de vidro que dá para a piscina e pula, de vestido mesmo, precisa refrescar o crânio para ordenar as idéias. Forma-se uma vasta camada branca perolada nas marolas, com outra camada de tapete dourado no outro extremo, como se fosse a mais linda água-viva do mundo naquela piscina.

Anita a chama (...) é Patrícia ao telephone. Ela sai da piscina, tira o vestido, põe o roupão e vai atender...

- Jose, o que está acontecendo?

- Porquoi ma chérie?

- A Rê me mandou ligar, disse que você está muito triste. É por causa da Apolo 11?

- Também, pettit fleur. Agora você sabe de certas coisas e que um futuro negro nos espera.

- Me assusta mais o presente escuro que nos cerca. Esses fanáticos que seguem aquele lunático do Manson, tão perto de você, me assustam mais do que qualquer perspectiva.

- Dieu, como é bom ouvir isso!

- Gosta da ideia de ter esses loucos por perto?

- Non, gostei de ter ouvido suas prioridades!

- Então você está triste mesmo!

- Estava, chérie, estava. Tem um pontinho de luz nessa escuridão toda, e ele é você. Eu ficarei bem, não se preocupe comigo.

Dias depois Neil Armstrong espanta o mundo, colocando seu pé enorme em um solo até então puro e inocente. Os soviéticos (...) não têm como sequer aventar a possibilidade de fraude, ficam calados. Mas sempre há os que se apegam a qualquer coisa para dizer que é tudo montagem, esses se esquivam de toda e qualquer argumentação científica (...) Não podem se deter por causa deles. Quando a bandeira americana é fincada no solo lunar, Richard dá esta missão por cumprida.

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