domingo, 28 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LXXII

    O mundo está desabando. Mas a estação 72 mostra que isso não é motivo para cortar os pulsos ou se trancar em um mosteiro. Embarquem e vão viver, o trem já partirá.


Voltam de um dueto de bandas, Dead train e Bee Gees cantaram e gravaram clipes para um álbum conjunto. Renata ficou encantada com os gritinhos do Berry, nas novas canções (...) Os nove conversaram, nos intervalos, sobre a quantidade de garotos que têm saído de casa acreditando que ganhariam o mundo, ou se aventurando em comunidades hippies radicais, fugindo do mundo com o abuso de drogas, a maioria absoluta quebrando a cara (...) Na casa de Patrícia, já descansados da maratona, eles se reúnem para dar corpo à canção...

- Rebby? Rê? Bobby? Ron? Enzo? Prontos? Agora... Kiss your daughter now, the world will not have it the love that she needs. Hug your son today, he will not have you, when it is lost in the night. Do not drain your tears, do not trow them on the frustrations of your job...

A parceria com os irmãos os ajudou a se desvencilhar dos ritmos dos anos sessenta (...) embora a banda nunca tenha seguido tendências alheias, mas as influências sessentistas estavam lá. Em uma tarde conseguem terminar “Hug Now”, a registram no computador e mandam para o escritório central, por telephone, para registro burocrático e posterior acréscimo ao próximo álbum. Terem feito um empreendimento, em vez de serem apenas uma banda agenciada, foi a melhor escolha que poderiam ter feito; não a mais cômoda, nem de longe, mas a melhor. Chamam suas famílias para ouvirem o resultado de uma semana de trabalho, na gravação simples que fizeram mesmo (...) a sala de pé direito duplo vira um salão de carpideiras e seus pais fazem exactamente o que a canção apela que os outros façam. Robert e Norma, em especial, temiam estar, sem a fundação da banda, agora chorando a ausência dos filhos. Ele ainda se considera um bronco ignorante e evita dar palpites, só Rebeca consegue tirá-lo de seu casco.

Chuck liga para Richard, o telephone computadorizado passa a ligação para a linha privativa de Patrícia. A notícia tem a ver com a canção. Prenderam um acusado de assassinato, que era membro de uma comunidade que pregava a mais radical acepção de “amor livre”, onde ninguém sabia quem era filho de quem, o que os fazia acreditar que assim todos cuidariam das crianças como se fossem suas. Não foi bem assim, seria necessária uma uniformidade genética muito grande (...) Um negro dificilmente teria um filho branco com uma loura e os ciúmes começaram a emergir (...) Provável pai, mãe e até a criança que motivou a discórdia foram enterrados como indigentes, por absoluta falta de pistas de suas origens. Richard fez questão de que todos ouvissem...

- Caríssimos, o declive de que lhes falei já começou. Acabamos de entrar na era dos radicalismos, preparem-se para a banalização das atrocidades.

Ele e a filha vão à chefatura, enquanto o detido tem seus dados cadastrados no computador da polícia (...) o sotaque dá pistas de que vem de Minnesota. Os longos anos na estrada dos hoje policiais, dão a única pista que têm agora. Ligam para Saint Paul e mandam uma dupla policial de motocicletas para lá, com as digitais colhidas. Houve um início de tumulto, todo mundo se ofereceu para voltar à estrada...

- Ritchie, o cara tava doidão! Tentou atirar em nós com um secador de cabelos!

- “Estava” doidão? Ele parece estar xavecando aquela lagartixa – diz Patrícia.

- Combina com o grau evolutivo dele, como diria Renata – arremata Richard. Mas você não nos chamou aqui só para presenciarmos esta cena deprimente.

- Não. Crazy Horse apreendeu isto em uma das tendas. Os outros disseram que o dono rapou o pé assim que despontamos no horizonte, para recolher os corpos. Cara, eu queria estar morto pra não voltar a ver isto! Levei um tiro no peito, que quase me matou, justo pra limpar o mundo desses desgraçados!

- A suástica corrompida. Com licença, vou avisar aos outros.

- Alguém ocupou o vácuo da Cascavel Branca. Mais alguma coisa?

- E precisa mais que isso, Ritchie?

- Não. O que mais tinha naquela caixa, além deste lixo?

- Objectos pessoais... É, irônico né? Numa comunidade que pregava a ausência da propriedade, o cara tinha artigos caros de higiene pessoal, grana, toalhinhas “lindas” como essa aí, além de recortes de jornais.

- Deixe eu ver... A hipocrisia nunca foi unilateral... Vão usar as nossas falhas para negar o holocausto, espere para ver.

- Mesmo com a própria Alemanha afirmando??! PORRA, RITCHIE!!! PORRA!!! Levei tiro à toa, cara?! À TOA??!!

Patrícia volta após ter alertado os outros agentes, quando ouve o pai conversando com o General Nelson. Ela compreende a mensagem cifrada, compreende e tem consciência de sua gravidade (...) Fazem uma varredura em Michigan e identificam de imediato os possíveis neonazistas em cargos públicos, todos acima de qualquer suspeita, mas estão entre os que travavam o casamento de Rebeca e Ronald. Josephine alerta os agentes alemães a respeito e pede urgência no envio dos dados. Por desencargo de consciência, mesmo sabendo o quanto são travados pela burocracia e pela pressão política, CIA e FBI são postos a par do que foi descoberto, mas nem pensem em saber o que a organização pretende fazer a respeito, ela não lhes deve satisfações.

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Apesar dos desgostos do mês anterior, a cidade volta a ter festa. Renata celebra o casamento de Mikomi e Robert (...) Rebeca, quase irreconhecível, irradia um brilho imenso nos olhos, emoldurados por um sorriso meigo e vasto, nem se lembrando que há pouco estava proibida de se casar com seu namorado (...) Assim que a sacerdotisa os libera, Rebeca quase os estrangula com um abraço sacolejante. A animação fica a cargo deles mesmos, apesar de alguns colegas de profissão estarem presentes. Josephine e Bart, padrinhos do noivo, paparicam Mikomi Spring enquanto seu marido canta com os outros. Norma e Robert esperam estar vivos para verem Rebeca no altar com Ronald.

Enzo e Silvia são os próximos (...) Por agora os quase sessenta e cinco mil habitantes da cidade, mais uma penca de fãs que viajaram só para prestigiá-los, festejam com os seis e suas famílias. Aproveitando o ensejo, William vai ter com Arthur, ciente do que reza a cartilha do príncipe consorte, de mãos dadas com Carolina...

- Eu queria aproveitar a ocasião para deixar algumas coisas claras... Você sabe que o nosso namoro já foi um tanto longe...

- Sim, eu sei, estou de olho em vocês dois faz tempo!

- Fosse com a Susie, eu teria a mesma atenção... Que infelizmente não tive no tempo certo... Well... Arthur, eu não quero mais que a sua mãe volte para o Brasil.

- Só tem um jeito. Se for casamento, eu não faço objeções, levo vocês dois agora para formalizarem a união.

- Agora não, eles têm que ter sua própria festa de casamento – diz Patrícia! Pede logo, Will!

- Carol, você quer virar cidadã americana? Quer se casar comigo?

- Quero...

Eles levam os pombinhos para frente, para todo mundo (...) servir de testemunha. O casamento é à tarde, a casa de Patrícia está cheia de crianças, o que a obrigou a colocar um portãozinho ao pé da escada, para evitar acidentes. Mas algumas dão trabalho, Eduarda desce com Eddie nos braços e Susie com Heliot debaixo do braço, ambas querendo saber como eles conseguiram subir (...) Eddie olha para Audrey e Melinda, com ar de vitória...

- Eu subi!

Ela estende a mãozinha esquerda e recebe uma bala de cada uma, mas as tem confiscadas (...) pensa em tirar satisfações, mas se encolhe quando vê que é a irmã...

- Muito bonito, Eddie Rodrigues Ribeiro Rocha! E vocês duas, venham conosco, vamos falar com sua irmã a respeito!

Não foi por terem burlado regras, foi por terem feito por motivo torpe: aposta. As duas nunca tiveram vida mole, não querem que as irmãs se acostumem a ela. Patrícia olha para as irmãs, lá de cima, e encarna Nancy...

- Me expliquem isso, mocinhas!

São as três postas de castigo, cada uma em uma suíte (...) É o tempo de as amigas discutirem com seus pais a respeito, e das três meditarem sobre o que podem e o que não podem fazer. Isso horrorizaria alguns pedagogos modernos, mas Zigfrida endossa a providência, só ressalvando que meia hora geralmente é o bastante (...) trazem as três de volta à festa, já com alguns pontos acertados, vão arranjar algo para ocupar parte de suas horas vagas.

A festa termina pouco depois de os recém casados partirem para sua lua de mel, em local sigiloso, deixando um casal maduro e uma moça de pavio curto suspirando em Sunshadow.

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Gravam um especial de natal com outros músicos, em New York. Os músicos de apoio do Dead Train estão no meio da orquestra (...) Durante os intervalos, os seis avaliam o desempenho da companhia de logística. Compraram boas participações de alguns patrocinadores fiéis, passando de prestadores de serviços para acionistas ordinários. Caminho oposto ao de muitas novas estrelas, que estão apostando alto em bancos que oferecem taxas (...) que os outros não conseguem oferecer. Bem, os seis aprenderam com Richard, desde cedo, que não se deve comprar dinheiro, deve-se ganhá-lo com trabalho. Dinheiro é documento de troca, não mercadoria, a quebra de 1929 ensinou isso, mas parece que as pessoas estão esquecendo rapidamente. Os seis aprovam os resultados, assinam e mandam para o escritório da logística. Chega o momento de cantarem com a que Patrícia chama de “A voz mais maravilhosa que já apareceu no mundo”, vão cantar com os irmãos Carpenter. A forte tendência de Richard proteger Karen salta aos olhos treinados do sexteto. A tendência dela de se comparar a outras mulheres (...) como Patrícia, também. Vão à primeira canção, fazem um coral para Karen cantar “Ave Maria”.

Cantam oficialmente “Hug Now” pela primeira vez. O apelo pela coesão familiar casa bem com a proposta de um especial de natal, mas alguns (...) já rotulando de caretice e apego ao passado. A música tem elementos de rock, mas uma cadência lenta e melancólica (...) Os Carpenters e a maioria dos músicos presentes adoram. Aquele toque distorcido de guitarra, como em um ambiente aquático, cai no gosto até de quem não gostou da música.

Uma semana depois sai o clipe da obra. É uma ligeira novela que mostra uma família negligente, que educa os filhos (...) sem atentar para sua formação. Os pais brigando na frente das crianças, descontando nelas as suas frustrações diárias, em seguida os dois crescendo e se tornando rebeldes (...) Um dia eles somem, os pais começam a brigar até se darem conta do erro que têm cometido. Encontram a filha na sarjeta, com marcas e traumas indeléveis, e o rapaz em uma gaveta do necrotério. Em cada cena aparece um dos seis, como cantor e observador etéreo (...) conseguem chamar muita atenção não só para o novo álbum, também para a mensagem da canção.

No dia seguinte Josephine os chama, um productor dos estúdios quer fazer um filme baseado no clipe (...) Assinam toda a papelada e eles começam a preparar tudo, serão apenas dois actores fixos, poucos cenários e algumas locações, esperam lançar o filme em um ano. Apesar das agruras e desgostos deste início de década, os seis prosperam (...) aplicando seus rendimentos em productos e serviços, nunca em papéis que valerão uma fortuna daqui a um mês. Nos bastidores a organização já se cansou de avisar ao serviço secreto oficial, está por sua conta investigando indícios de lavagem de dinheiro do crime organizado por detrás dessas ofertas irresistíveis. Faltam apenas provas materiais vinculantes.

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