sábado, 20 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LXIV

    A noiva! Festa na estação 64! Todos pegos de surpresa e tudo o que poderia ser contra ficou sem tempo para agir; manter segredo é um dos segredos da felicidade. Jogue o buquê e embarque, o trem já vai partir.

À noitinha, na casa de Patrícia, a banda se reúne com Daniel para o balanço do primeiro dia (...) os dados são realmente muito positivos, fornecidos pelos patrocinadores. A anfitriã se recosta na poltrona, olha para a biblioteca como se estivesse se despedindo dela. Amanhã, a esta hora, estará casada e a caminho do Brasil. O ambiente está repleto de gente, viva e morta, parentes e simples admiradores astrais, todos esperando pelo desenrolar da trama. Nancy alisa o queixo da herdeira, com um sorriso que não faz questão de esconder...
- Suspirando de novo, honey.
- Yeap, mom. Às vezes eu custo a acreditar que já sou uma mulher, que vou assumir um matrimônio e dividir minha cama com um homem... Mas eu sou. Tenho saudades da infância, mas talvez só porque eu cabia nos seus braços, pois ela cumpriu bem com seu papel. Foi tão bom!
- Agora eu é que caibo nos seus. Me dá um abraço, vai.
Ela pega a mãe no colo e a enche de afagos, como espera fazer com seus filhos em alguns anos (...) Josephine conversa com Richard sobre a (...) gema que ajudaram a lapidar. Estão tratando de barrar notícias caluniosas, para não estragar a festa dela, inclusive uma nota que insinuava que elas seriam amantes, e que Gregory seria apenas um despiste para a homossexualidade. Patrícia, alheia a isso, enche a mãe de afagos e beijos (...) Nancy começa a se sentir segura nos braços da filha, sensação que corresponde à realidade, a moça é muito boa no caratê.
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Luxemburgo e Mônaco avisam que seus regentes já se encontram em território americano, em sigilo, e chegarão ainda pela manhã a Sunshadow. Josephine e Grant vão buscá-los na Greenbrier de Richard (...) Eles descem no aeroporto de Sunshadow, disfarçados e entram imediatamente na van, seguindo para a propriedade de Deborah e Gerald (...) se sentirão em casa.
Os protocolos são os mesmos de seu debute. Patrícia desta vez é assessorada, muito bem assessorada, mas mantém o silêncio e a meditação, enquanto relê o diário de Naomi. Olha para o vestido de noiva, de um glamour extraordinário, se volta para o diário e medita (...) Nancy se dedica a mimá-la.
No centro de convenções, os primeiros fãs entram e encontram fileiras de bancos sendo montadas diante da réplica do trem morto, perguntam aos patrocinadores (...) mas eles também desconhecem as intenções. Perguntam a Renata, que coordena tudo...
- Compareçam na hora marcada, a Patty vai ficar muito feliz de ver vocês aqui. Só isso.
Ela volta ao trabalho procurando manter a maior calma possível, ciente de que está sendo assessorada pela avó da noiva. As caixas com os cartões de lembrança chegam e ela inspeciona uma a uma (...). Matthew, feliz de finalmente poder trabalhar com a noiva, sem amargar semanas de separação, ajusta e testa as câmeras. A decoração está guardada (...) O centro de convenções enche e todos photographam aquela montagem.
O tempo voa. A tarde chega antes do que se dão conta, nem perceberam que estavam quase prontos (...) os músicos de apoio do Dead Train ajudam os outros na afinação. O povo começa a desconfiar (...) Talvez seja um show inédito. Quando os convidados ilustres, em seus trajes de festa começam a chegar, os corações começam a palpitar e todos ficam frenéticos. Renata (...) vai com Matthew para casa, precisa estar de volta antes dos noivos...
- É essa a surpresa. Patty Petty vai se casar hoje, e vocês estão formalmente convidados. Podem ir àquele balcão e pegar seus convites.
O que a motoqueira (...) tem o efeito de uma bomba atômica. Em questão de minutos o mundo fica sabendo do casamento e todas as câmeras da região se voltam para o centro de convenções de Sunshadow. Matthew liga para o Coast to Coast e eles liberam uma edição vespertina extraordinária, pegando todo mundo de surpresa. O lugar fica repleto de autoridades internacionais, com CIA e FBI apostos em todos os cantos (...) Richard coordena toda a segurança, enquanto monitora o boato de que a filha passará a lua de mel em Atenas.
Está quase na hora. Richard vai para casa, o motorista emprestado pelo presidente já o espera ao volante do Cadillac de Patrícia. Ela está na sala, sozinha, altiva em seu vestido de noiva. Tudo foi desenhado para ela, para realçar sua beleza rara; a gola alta, os pequenos bufantes das mangas longas, o colo sob tecido translucido, o tronco costurado como se fosse uma peça única a copiar seu corpo, a saia esvoaçante, ampla e densa que avança para uma cauda curta e arredondada sob um véu mais longo (...) Ela desce o véu assim que o pai encantado com seu rebento entra e a conduz ao carro. Logo o Fleetwood que ela mesma restaurou a leva para sua cerimônia de casamento.
Quase tanto quanto com a notícia do casamento, os presentes se espantam em saber que Renata vai celebrá-lo (...) ganha uma aura mística de sacerdotisa. A orquestra começa com o último ensaio, já avisaram que o carro está chegando. Repórteres e paparazzi o seguem, mantidos a uma pequena distância pela escolta policial, requerida para assegurar a integridade da noiva. Mas quem poderia estragar tudo está (...) ciente de que jamais chegará a tempo.
O Cadillac Fletwood Sedan Imperial V16 1931 estaciona. Patrícia (...) Permanece impassível dentro do carro, até ser chamada. Dá a hora e Richard desce, enorme e sóbrio, auxiliando sua cria. Então Bart começa a reger a orquestra, a marcha nupcial de Felix Mendelssohn avisa e todos se viram para a entrada do centro de convenções. Praticamente o mundo inteiro se vira para lá. Solene, imponente, principesca, Patrícia arranca suspiros dos milhares de presentes (...) vai de braço dado com o pai, feliz, serena, ciente de que todas as fases de sua vida deram conta do recado e hoje só somam, sem reclamar uma atenção tardia. Só desvia o olhar quando passa por Grace, a quem dá um sorriso correspondido, mas sem parar. Música competente, anda no compasso da marcha, para chegar lá quando ela estiver terminando.
Para os fãs é uma honraria suprema, estão testemunhando o que pode ser a noite mais feliz da vida de sua musa máxima, poderão dizer (...) “Eu fui convidado para o casamento de Patty Petty e estive lá”, com a imprensa mundial de prova (...) pode se considerar uma lenda entre seus conhecidos.
Chegam ao altar, montado na última hora, e Richard entrega simbolicamente sua filha a Gregory. Bart vai rapidamente para seu posto de padrinho da noiva, com Josephine. Renata começa a falar...
- Senhoras e senhores, vossas altezas, eminência, excelências, amigos, imprensa, familiares e queridos fãs, muito obrigada por terem vindo. Celebramos hoje o matrimônio de nossa amada Patrícia Petty Gardner com nosso querido Gregory Winston. Caríssimos, não foi fácil, vocês sabem que não foi. Desde que começamos nossa carreira que as provações nos tentaram à desistência, e bem antes disso, no debute de Patrícia, sei que Gregory já tinha se encantado com ela. Como não se encantar com ela, que é tão linda de coração quanto de feições? Os noivos vêm de atribulações severas de suas infâncias, ele sem família, ela tendo testemunhado eventos terríveis, mas ambos sobreviveram com a dignidade que se atribui a verdadeiros reis e rainhas. As últimas tentações, em vez de seus intentos, só conseguiram precipitar o que já era inevitável, o enlace e formalização do amor que os dois nutriram e consolidaram durante os anos, ainda mais durante os últimos meses. Sim, foi o casamento dos dois que motivou o início da tradição desta convenção, sintam-se privilegiados. Esta humilde serva de Nosso Senhor Jesus Cristo, tem a honra de celebrar e dourar os laços que finalmente darão uma família a Gregory. Então, como manda a tradição, na presença e testemunha de nossos padrinhos, familiares e convidados, eu pergunto; Patrícia Petty Gardner, é de sua livre e espontânea vontade se unir maritalmente a Gregory Winston, para amá-lo e respeitá-lo, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na alegria e na adversidade, relevando suas faltas e guardando suas virtudes até que o desenlace os separe?
- Sim, é.
- Gregory Winston, é de sua livre e espontânea vontade se unir maritalmente a Patrícia Petty Gardner, para amá-la e respeitá-la, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na alegria e na adversidade, relevando suas faltas e guardando suas virtudes até que o desenlace os separe?
- Sim, é.
- Em nome de Nosso amado Senhor Jesus, ponho nestas alianças todo o bom magnetismo e todo o amor que vocês suscitam em cada um dos presentes, em corpo ou em espírito. Gregory, repita comigo, enquanto coloca a aliança em Patrícia...
- Patrícia, tome esta aliança como sinal de meu amor, meu respeito e minha admiração. Serei seu esposo fiél e companheiro em todas as ocasiões em que você me evocar, com palavras e pensamentos, em tudo o que me for possível.
- Gregory, tome esta aliança como sinal de meu amor, meu respeito e minha admiração. Serei sua esposa fiél e companheira em todas as ocasiões em que você me evocar, com palavras e pensamentos, em tudo o que me for possível.
- Muito bem. O juiz de paz se aproxime. Assinem aqui, por favor... Então, pelos poderes a nós outorgados pela lei e autoridade emprestada pelo Nosso Criador, eu vos declaro marido e mulher. Podem se beijar.
A festa e as lágrimas tomam conta da cidade. O restante da noite é a consolidação de Patrícia na função de guia de Sunshadow, que foi de sua avó. Renata olha para Naomi, que agradece de coração astral por sua celebração. Agora ela vai para a festa, que suas obrigações já foram cumpridas. Às vezes é muito bom ser médium.
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O choque é inevitável. Quando eles chegam àquele rincão quente e úmido, sem infraestrutura, que a maior parte do mundo sequer sabe que existe (...) Patrícia choca o povo assim que desce da Rural Willys, para acompanhar o marido e anfitriões ao mercado municipal, a notícia de sua beleza e porte se alastra por Rio Verde (...) o rio-verdense em geral ainda nem sabe o que é Dead Train. Ela se comunica bem com os nativos, já Gregory precisa da esposa para saber o que estão falando. Eles compram pequi e guariroba para o almoço, falaram muito dos vegetais na viagem de Goiânia para Rio Verde e a americana quer experimentar. Café moído e torrado na hora ela conhece, Renata tem uma máquina em casa...
- Até hoje eles têm o mesmo Nash Ambassador 1951 preto e prata, já foi apelidado de “Brazilianash”.
O sotaque logo denuncia que não é moça dessas bandas (...) Voltam para a wagon e seguem para a região sul do município, que ainda é só mato. Pelo vidro do carro (...) ela observa a rusticidade das construções, em contraste com algumas casas de arquitetura bastante moderna. Pela mesma vigia é admirada pelos cidadãos, que reconhecem o casal da frente, mas não fazem idéia de quem seja o de trás, ainda mais aquela figura angélica.
Após muito sacolejo e risadas, chegam à pequena fazenda (...) A sede é ampla, de adobe com a pintura azul exibindo alguns descascados, telhado de quatro águas e alicerce de pedras magmáticas. Aliás, o telhado é visto por dentro, não há forro. Leila abre as janelas de madeira rústica e o interior se ilumina. São levados ao quarto que prepararam para sua lua de mel. É o que Renata e os pais lhe disseram, tudo muito simples e rústico, com o único banheiro da casa no fim da cozinha, ao lado de uma despensa que também serve de depósito de velharias. Patrícia vê galinhas e porcos cercados no quintal, uma árvore aparentemente frutífera que desconhece e outras enormes ao fundo. Ela abraça o marido e diz, em tom de brincadeira “Wellcome to the 19th century”. Não fossem a energia eléctrica e o telephone, instalados há pouco tempo, seria assim mesmo.
A cozinha é ampla, feita para receber visitas, com piso de cimento queimado como toda a casa. Há uma construção de alvenaria, à janela, que pelas características ela deduz ser um fogão. Os anfitriões confirmam, colocando lenha e fogo, para fazer um café. A geladeira azul claro é nova, dela tiram leite, o doce de leite, o queijo curado, uma rapadura e uma goiabada cascão. De uma lata tiram o pão de queijo que fizeram hoje bem cedinho. Gregory espera que aqui a esposa consiga se desligar de suas obrigações profissionais. É à mesa, na melhor tradição goiana, que os hóspedes são realmente apresentados à casa. Os americanos precisam reaprender a comer, os hábitos são totalmente diferentes e os acepipes são pouco adaptáveis aos hábitos que conhecem. O pracinha avisa que comer com as mãos, é comum na região.
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Confirmam, Conrad embarcou para a Europa com documentos falsos. Richard quer que ele seja pego bem longe dos Estados Unidos (...) Dois agentes a bordo fingem discutir sobre o destino de Patrícia Petty (...) O maníaco memoriza cada palavra.
Em Sunshadow, ele confere o relógio e leva a família à casa de Renata (...) O restante da banda já está lá, só esperando por eles para ter notícias de sua líder. Renata liga para a casa dos avós, será a terceira ligação que recebem desde a instalação da linha. A avó novamente leva um susto, será assim até se acostumar à campainha do aparelho. Em segundos, mãe e filha estão se desmanchando novamente...
- Mommy?
- Honey...
A rasgação de seda comove nas duas cidades. A moça fala das coisas que já viu, dos bichos no quintal, onde há árvores com frutas estranhas, do mercado onde compraram vegetais endêmicos...
- Ela saiu do carro, no centro da cidade? Lá se foi a discrição! Já devem estar falando dela até em Montividiu!
- Isso é ruim?
- Bem, Mamãe Urso, se aqui ela já chama muita atenção, imagine lá. Não demora a chegar visitas pra conhecer a “bonitona do estrangeiro”. Todo mundo sabe onde meus avós moram.
A ligação dura meia hora (...) Ficam por mais algum tempo e voltam para casa, felizes de saber que o casal está bem e tendo boas experiências. Uma motoqueira aborda Richard, antes de ele ir para a oficina, que já pede uma ampliação...
- Os teus amigos mandaram te entregar isto.
- Obrigado, mamma Buzzy.
Ele abre o envelope e tem uma das raras boas notícias vindas do serviço secreto, (...) Destrói a mensagem, como de hábito, e vai produzir os componentes que tem para entregar.

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