A fúria de Rebeca. A estação 48 está repleta de nuances que a vida mostra, mas a maioria das pessoas não observa; e se dá mal. Tenham juízo e embarquem, o trem vai partir.
Como já se tornou comum, os garotos entregam
os calhamaços aos professores, na frente de todos os colegas (...) o desempenho no período em que estão presentes é um bom atestado. Para o
que estão acostumados, aquilo são férias; até porque as de verão eles passarão
na Europa, trabalhando. Vão os sete para a sala de aula, já discutindo planos
para a faculdade. Patrícia e Renata já têm definido o que querem, os outros
ainda estão decidindo, mas dúvida realmente só Rebeca tem (...) ela se vê dividida entre várias carreiras que a agradaram muito, além da
de música, é claro.
O intervalo é mais uma reunião íntima dos
sete, desta vez com Rebeca e Ronald no centro da discussão. A pouca idade da
garota não tem sido empecilho para assumir as responsabilidades da banda, então
levam á sério o que ela diz...
- Sei lá, Enzo! No começo era só paquera, a
gente tinha afinidades, sabe? Mas agora eu quero casar com o Ron!
- Vão ter que esperar, bambina. Ainda teremos
anos de resistência até essa lei cretina cair.
- Agora não, porque não sou louca o bastante,
mas eu quero casar com o Ron e ter três chocolatinhos com ele.
- Vocês sabem que há a remota possibilidade
de ao menos uma criança nascer branca, não sabem?
- Sério???
- Sério??? Então arrisca o Ron levar a fama
de corno?
- Segundo o maior gênio vivo da humanidade,
meu pai, os genes dele ainda guardam muita informação dos antepassados brancos,
e me consta que vocês nunca tiveram parentes de cor, então...
- Esse risco não existe! Eles nunca vão se
casar!
Os sete se viram para o desaforado e o
próprio continua...
- A sagrada estrutura da família cristã
americana está resguardada por leis divinas, e qualquer coisa que nasça desses
dois, será um bastardo pagão que nunca...
Ele não termina de falar e Rebeca se levanta
furiosa. Ele começa a se afastar e ela estende a mão até um esfregão encostado
na parede, ele começa a correr desesperado e ela lança o esfregão com toda
força (...) o esfregão se enrosca em suas pernas e
ele cai. A cena é aterradora. O rapaz caído no chão, com o nariz sangrando,
enquanto Rebeca se aproxima a passos largos, com Patrícia atrás, tentando
alcançá-la. O pátio inteiro se retrai e o tempo sofre um lapso. Não há som, nem
cheiro, nem vento que impressione o tato, só há movimento. A garota pega o
rapaz pelo colarinho, faz uma alavanca dobrando um dos joelhos e o levanta com
as mãos, pressionando-o contra a parede. Alguns alunos viram seus rostos para
não verem a cena de violência extrema que esperam, mas Rebeca surpreende...
- Vá se foder, babaca! Você não passa de um
otário alienado que não faz a menor idéia de como o mundo funciona. Você acha
que é cristão, mas ignora que os apóstolos viajaram por todo o mundo conhecido
da época, eles não ficaram cozinhando cérebros de ostras em banho-maria na
Galileia, como você e a sua turma de perdedores fazem! Eles não ficavam
escolhendo quem mereceria ou não, porque isso não cabia a eles. Ao contrário de
você, imbecil, que aponta o dedo para os outros, para esconder seu caráter
mesquinho e sua personalidade medíocre! Eu vou me casar com o Ron e serei a
Condessa de Marselha, enquanto você vai ser empurrado pra primeira putinha com
cara de santa que seus pais otários encontrarem, vai mofar em um casamento
infeliz, tendo de esticar um sorriso falso para todo mundo na rua, e fingir que
não sabe que os filhos que vai sustentar não serão seus, e ainda manter as
aparências quando encontrar a piranha moralista transando com outro na sua
cama, porque o que o seu deusinho, seja qual for, mas não é o de Jesus, não
tolera que se saia de um inferno celebrado por um sacerdote tão babaca e
infeliz quanto seus seguidores. Lembre-se sempre e guarde minhas palavras,
vagabundo; Eu sou e continuarei sendo feliz com o Ronald; Você é e continuará
sendo infeliz pelo resto de sua vidazinha medíocre de fungo. Agora cai fora,
antes que eu esqueça o respeito que tenho pela Patty.
- Por que diabos vocês continuam provocando
ela? Vocês agem como se tivessem cinco anos, enfiando a mão no liquidificador
para ver se realmente corta! Eu não posso estar sempre por perto e ela não
estará sempre de bom humor! Se dão algum valor a essas carcaças que lhes
revestem, vão brincar de valentões com outros idiotas como vocês, ela é
perigosa de verdade!
Volta aos outros amparando a amiga, como que
dizendo que a perdoa antes de ela pedir desculpas por ter perdido o controle (...) Na
directoria, a adolescente encara Lawson como se o desafiasse a dizer um só
desaforo. A mesa está cheia de coisas que poderia usar; um grampeador, um
pesado perfurador de ferro fundido, canetas-tinteiro, extrator de grampos,
abridor de envelopes, régua de aço, lápis bem apontados e o tradicional
telephone, com seu fio longo e resistente. Ela tenta tirar da cabeça suas idéias
belicistas, enquanto ele não soltar uma asneira...
- Eu soube do que meu sobrinho disse, então,
embora sua reação tenha sido exagerada, não posso censurá-la totalmente.
- Aquele porra é seu sobrinho? Ele não tem
nada a ver com você! Ele é adoptado?
- Não, ele foi estragado pelo meu cunhado,
que é meio bronco...
- Meu pai é bronco, nem por isso ele se dá o
direito de soltar mer... digo, soltar ofensas pra quem está quieto no seu
canto!
- Rebeca, você tem muitos fãs neste colégio,
como também é muito estimada por uma parcela muito grande da nossa comunidade.
Por isso eu devo pedir que se controle, deixe que eu cuide dos encrenqueiros, é
a minha função.
- Legal saber. Topa dar um passeio pelo
pátio, de vez em quando? Prevenir ajuda muito.
A baixinha atrevida pode ser entendida como
um misto de experiências precoces, muita actividade mental e quase nenhuma
inibição. Não admira que encare até policiais(...) Ele reconhece, porém, que um idiota xingar os filhos (...) faz qualquer mulher soltar fogo pelas ventas. Ela (...) Não ficou feliz e eufórica pelo que fez,
mas não se arrepende de tê-lo feito. É recebida por seus pares com carinho,
especialmente pelo irmão, que desde cedo aprendeu a reconhecer a delicadeza que
há debaixo daquela armadura medieval.
Zigfrida toma conhecimento e aproveita sua
ida a Sunshadow para tratar do assunto. Ela conversa com os seis sobre as
longas análises que fez das lâminas que escolheram. Antes de tudo, alisa o
rostinho ainda arredondado da ferinha e dá um resumo sintético e simplificado
de suas conclusões a seu respeito...
- Você é linda! Não interessa o que o outros
pensem, você é linda.
- Obrigada.
Ela sorri largamente, até com os olhos,
deixando os dois incisivos bem aparentes, dando-lhe um ar de menina boazinha
que enganaria facilmente quem não a conhece. A sueca então começa de facto, se
virando para Patrícia...
- Vossa Majestade, me impressionou a
admiração de vossos súditos por vossa real pessoa, tanto quanto sua taciturna
avaliação própria. Por isso mesmo fico feliz em ver a diferença entre o pré-Greg
e o pós-Greg. Você deixou de ser uma saudosista inveterada para ser, digamos,
vintage. Dá para notar que você usaria as roupas da juventude da sua mãe.
- Usaria mesmo, acho lindas, se eu coubesse
nelas é claro.
Ela se levanta e (...) traz algumas roupas que estavam no baú em que estão as da avó. São sete
vestidos dos anos quarenta e cinqüenta, fora camisas, blusas, uma bermuda, dois
pares de calças e um conjunto de praia. Renata pega algumas, testa e sobe com
um vestido verde ao quarto da anfitriã, desce (...) com só o
penteado destoando do conjunto...
- Olha só, as roupas da sua mãe me servem!
- Fora quadril e derriére avantajados, é
claro.
Olham para a porta, é Nancy com as gêmeas.
Ela nunca pensou que veria alguém usando aquelas roupas novamente. Barra até os
tornozelos, gola fechada com botões até a cintura e mangas curtas meio
bufantes. Ela confessa que queria passar essas roupas para a filha, mas
Patrícia cresceu demais (...) Todos os seis,
exceto Rebeca, são dos anos quarenta. Todos têm ao menos uma tênue lembrança do
que se via na época. Rebeca, com quase o mesmo tamanho, procura alguma coisa no
monte, sobe com algo que não sabe o que é e volta com uma bermuda curta e um
top de manguinhas bufantes, brancos com estampa de flores estilizadas. Para sua
surpresa, é a roupa de praia da juventude da mamãe urso...
- Jura? Se eu colocar um pedaço de pano na
barriga, dá pra usar tranqüilo na rua.
- Yep! Se vocês gostarem de alguma coisa,
podem levar!
Enzo entra no meio e separa algo para Silvia
também. Após as compras, todos voltam à psicóloga. Zigfrida mostra a Nancy um
resumo de suas conclusões, confirmando o que já dissera de Patrícia, mas
estendendo um pouco para Renata, que sente nos ombros o peso de uma mediunidade
muito avançada. A melhoria de Patrícia tem nome e sobrenome: Gregory Winston, que
trouxe para os anos sessenta a sua vida afetiva; pelo menos a maior parte dela.
A maturidade dos seis é comprovada (...) O
maior sonhador do grupo é Robert. É ele quem vê as coisas de modo mais
optimista, o mais romântico e infelizmente é também o mais fácil de ser
enganado. Rebeca segura sua mão imediatamente, dando o recado que a sueca já
esperava ver. Os pés mais firmes no chão são os de Patrícia, mas Ronald a segue
de perto. Enzo tem um problema com a autocrítica, ela é excessiva e parece ter
piorado com o problema da namorada, por isso quer incluir Silvia em algumas
dinâmicas.
A noite desce rápido e (...) Enzo vai ver como está Silvia (...) Ele
apresenta o conjunto de bermuda de sarja verde e blusa branca com apliques na
gola, que lhe coube do espólio. Explica a origem e a garota se apressa em
vesti-lo. Longe de ficar folgado, lhe serve, principalmente porque Nancy é mais
alta do que Laura, que vê a filha voltar feliz de seu quarto...
- Acreditei mesmo que fosse gostar, Silvia.
- Dá uma volta.
Ela dá um giro e encanta. É mais ou menos o
que a mãe vestia no verão, antes de engravidar. Laura, na realidade, é bem
jovem, seria no máximo uma irmã bem mais velha de Enzo (...) Apesar da besteira que acredita ter feito, conseguiu uma
filha muito dedicada e muito estudiosa, o que a manteve longe dos riscos pelos
quais pagou. A enfiou cedo na escola e cedo lhe confiou as tarefas domésticas,
receita que deu certo e teria sido perfeita, não tivesse acompanhado uma
mentira; bem intencionada, mas uma mentira que quase lhe custou mais caro do
que a expulsão de casa...
- Eu achei lindo! Nunca tinha visto igual.
- Você só tem seis meses mais do que a
Rebeca, não lembraria mesmo desse estilo. Que tal ajeitar pra gente fazer um
passeio, antes de voltarmos para a turnê?
Combinam o passeio. Na tarde de sexta-feira
ele a leva à bordo de um DeSoto S11C Custon Club preto 1948, com interior
marrom e branco, em um passeio em baixa velocidade por Sunshadow, de capota
baixa e uma brisa suave nos rostos. O carro custou uma ninharia, estava em
excelentes condições e caiu no gosto do rapazote, foi salvo de virar sucata e
serve Maria a maior parte do tempo. Enquanto eles passeiam, os paparazzi
clicam.
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