quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Dead Train in the rain XLVIII

   A fúria de Rebeca. A estação 48 está repleta de nuances que a vida mostra, mas a maioria das pessoas não observa; e se dá mal. Tenham juízo e embarquem, o trem vai partir.


Como já se tornou comum, os garotos entregam os calhamaços aos professores, na frente de todos os colegas (...) o desempenho no período em que estão presentes é um bom atestado. Para o que estão acostumados, aquilo são férias; até porque as de verão eles passarão na Europa, trabalhando. Vão os sete para a sala de aula, já discutindo planos para a faculdade. Patrícia e Renata já têm definido o que querem, os outros ainda estão decidindo, mas dúvida realmente só Rebeca tem (...) ela se vê dividida entre várias carreiras que a agradaram muito, além da de música, é claro.

O intervalo é mais uma reunião íntima dos sete, desta vez com Rebeca e Ronald no centro da discussão. A pouca idade da garota não tem sido empecilho para assumir as responsabilidades da banda, então levam á sério o que ela diz...

- Sei lá, Enzo! No começo era só paquera, a gente tinha afinidades, sabe? Mas agora eu quero casar com o Ron!

- Vão ter que esperar, bambina. Ainda teremos anos de resistência até essa lei cretina cair.

- Agora não, porque não sou louca o bastante, mas eu quero casar com o Ron e ter três chocolatinhos com ele.

- Vocês sabem que há a remota possibilidade de ao menos uma criança nascer branca, não sabem?

- Sério???

- Sério??? Então arrisca o Ron levar a fama de corno?

- Segundo o maior gênio vivo da humanidade, meu pai, os genes dele ainda guardam muita informação dos antepassados brancos, e me consta que vocês nunca tiveram parentes de cor, então...

- Esse risco não existe! Eles nunca vão se casar!

Os sete se viram para o desaforado e o próprio continua...

- A sagrada estrutura da família cristã americana está resguardada por leis divinas, e qualquer coisa que nasça desses dois, será um bastardo pagão que nunca...

Ele não termina de falar e Rebeca se levanta furiosa. Ele começa a se afastar e ela estende a mão até um esfregão encostado na parede, ele começa a correr desesperado e ela lança o esfregão com toda força (...) o esfregão se enrosca em suas pernas e ele cai. A cena é aterradora. O rapaz caído no chão, com o nariz sangrando, enquanto Rebeca se aproxima a passos largos, com Patrícia atrás, tentando alcançá-la. O pátio inteiro se retrai e o tempo sofre um lapso. Não há som, nem cheiro, nem vento que impressione o tato, só há movimento. A garota pega o rapaz pelo colarinho, faz uma alavanca dobrando um dos joelhos e o levanta com as mãos, pressionando-o contra a parede. Alguns alunos viram seus rostos para não verem a cena de violência extrema que esperam, mas Rebeca surpreende...

- Vá se foder, babaca! Você não passa de um otário alienado que não faz a menor idéia de como o mundo funciona. Você acha que é cristão, mas ignora que os apóstolos viajaram por todo o mundo conhecido da época, eles não ficaram cozinhando cérebros de ostras em banho-maria na Galileia, como você e a sua turma de perdedores fazem! Eles não ficavam escolhendo quem mereceria ou não, porque isso não cabia a eles. Ao contrário de você, imbecil, que aponta o dedo para os outros, para esconder seu caráter mesquinho e sua personalidade medíocre! Eu vou me casar com o Ron e serei a Condessa de Marselha, enquanto você vai ser empurrado pra primeira putinha com cara de santa que seus pais otários encontrarem, vai mofar em um casamento infeliz, tendo de esticar um sorriso falso para todo mundo na rua, e fingir que não sabe que os filhos que vai sustentar não serão seus, e ainda manter as aparências quando encontrar a piranha moralista transando com outro na sua cama, porque o que o seu deusinho, seja qual for, mas não é o de Jesus, não tolera que se saia de um inferno celebrado por um sacerdote tão babaca e infeliz quanto seus seguidores. Lembre-se sempre e guarde minhas palavras, vagabundo; Eu sou e continuarei sendo feliz com o Ronald; Você é e continuará sendo infeliz pelo resto de sua vidazinha medíocre de fungo. Agora cai fora, antes que eu esqueça o respeito que tenho pela Patty.

- Por que diabos vocês continuam provocando ela? Vocês agem como se tivessem cinco anos, enfiando a mão no liquidificador para ver se realmente corta! Eu não posso estar sempre por perto e ela não estará sempre de bom humor! Se dão algum valor a essas carcaças que lhes revestem, vão brincar de valentões com outros idiotas como vocês, ela é perigosa de verdade!

Volta aos outros amparando a amiga, como que dizendo que a perdoa antes de ela pedir desculpas por ter perdido o controle (...) Na directoria, a adolescente encara Lawson como se o desafiasse a dizer um só desaforo. A mesa está cheia de coisas que poderia usar; um grampeador, um pesado perfurador de ferro fundido, canetas-tinteiro, extrator de grampos, abridor de envelopes, régua de aço, lápis bem apontados e o tradicional telephone, com seu fio longo e resistente. Ela tenta tirar da cabeça suas idéias belicistas, enquanto ele não soltar uma asneira...

- Eu soube do que meu sobrinho disse, então, embora sua reação tenha sido exagerada, não posso censurá-la totalmente.

- Aquele porra é seu sobrinho? Ele não tem nada a ver com você! Ele é adoptado?

- Não, ele foi estragado pelo meu cunhado, que é meio bronco...

- Meu pai é bronco, nem por isso ele se dá o direito de soltar mer... digo, soltar ofensas pra quem está quieto no seu canto!

- Rebeca, você tem muitos fãs neste colégio, como também é muito estimada por uma parcela muito grande da nossa comunidade. Por isso eu devo pedir que se controle, deixe que eu cuide dos encrenqueiros, é a minha função.

- Legal saber. Topa dar um passeio pelo pátio, de vez em quando? Prevenir ajuda muito.

A baixinha atrevida pode ser entendida como um misto de experiências precoces, muita actividade mental e quase nenhuma inibição. Não admira que encare até policiais(...) Ele reconhece, porém, que um idiota xingar os filhos (...) faz qualquer mulher soltar fogo pelas ventas. Ela (...) Não ficou feliz e eufórica pelo que fez, mas não se arrepende de tê-lo feito. É recebida por seus pares com carinho, especialmente pelo irmão, que desde cedo aprendeu a reconhecer a delicadeza que há debaixo daquela armadura medieval.

Zigfrida toma conhecimento e aproveita sua ida a Sunshadow para tratar do assunto. Ela conversa com os seis sobre as longas análises que fez das lâminas que escolheram. Antes de tudo, alisa o rostinho ainda arredondado da ferinha e dá um resumo sintético e simplificado de suas conclusões a seu respeito...

- Você é linda! Não interessa o que o outros pensem, você é linda.

- Obrigada.

Ela sorri largamente, até com os olhos, deixando os dois incisivos bem aparentes, dando-lhe um ar de menina boazinha que enganaria facilmente quem não a conhece. A sueca então começa de facto, se virando para Patrícia...

- Vossa Majestade, me impressionou a admiração de vossos súditos por vossa real pessoa, tanto quanto sua taciturna avaliação própria. Por isso mesmo fico feliz em ver a diferença entre o pré-Greg e o pós-Greg. Você deixou de ser uma saudosista inveterada para ser, digamos, vintage. Dá para notar que você usaria as roupas da juventude da sua mãe.

- Usaria mesmo, acho lindas, se eu coubesse nelas é claro.

Ela se levanta e (...) traz algumas roupas que estavam no baú em que estão as da avó. São sete vestidos dos anos quarenta e cinqüenta, fora camisas, blusas, uma bermuda, dois pares de calças e um conjunto de praia. Renata pega algumas, testa e sobe com um vestido verde ao quarto da anfitriã, desce (...) com só o penteado destoando do conjunto...

- Olha só, as roupas da sua mãe me servem!

- Fora quadril e derriére avantajados, é claro.

Olham para a porta, é Nancy com as gêmeas. Ela nunca pensou que veria alguém usando aquelas roupas novamente. Barra até os tornozelos, gola fechada com botões até a cintura e mangas curtas meio bufantes. Ela confessa que queria passar essas roupas para a filha, mas Patrícia cresceu demais (...) Todos os seis, exceto Rebeca, são dos anos quarenta. Todos têm ao menos uma tênue lembrança do que se via na época. Rebeca, com quase o mesmo tamanho, procura alguma coisa no monte, sobe com algo que não sabe o que é e volta com uma bermuda curta e um top de manguinhas bufantes, brancos com estampa de flores estilizadas. Para sua surpresa, é a roupa de praia da juventude da mamãe urso...

- Jura? Se eu colocar um pedaço de pano na barriga, dá pra usar tranqüilo na rua.

- Yep! Se vocês gostarem de alguma coisa, podem levar!

Enzo entra no meio e separa algo para Silvia também. Após as compras, todos voltam à psicóloga. Zigfrida mostra a Nancy um resumo de suas conclusões, confirmando o que já dissera de Patrícia, mas estendendo um pouco para Renata, que sente nos ombros o peso de uma mediunidade muito avançada. A melhoria de Patrícia tem nome e sobrenome: Gregory Winston, que trouxe para os anos sessenta a sua vida afetiva; pelo menos a maior parte dela.

A maturidade dos seis é comprovada (...) O maior sonhador do grupo é Robert. É ele quem vê as coisas de modo mais optimista, o mais romântico e infelizmente é também o mais fácil de ser enganado. Rebeca segura sua mão imediatamente, dando o recado que a sueca já esperava ver. Os pés mais firmes no chão são os de Patrícia, mas Ronald a segue de perto. Enzo tem um problema com a autocrítica, ela é excessiva e parece ter piorado com o problema da namorada, por isso quer incluir Silvia em algumas dinâmicas.

A noite desce rápido e (...) Enzo vai ver como está Silvia (...) Ele apresenta o conjunto de bermuda de sarja verde e blusa branca com apliques na gola, que lhe coube do espólio. Explica a origem e a garota se apressa em vesti-lo. Longe de ficar folgado, lhe serve, principalmente porque Nancy é mais alta do que Laura, que vê a filha voltar feliz de seu quarto...

- Acreditei mesmo que fosse gostar, Silvia.

- Dá uma volta.

Ela dá um giro e encanta. É mais ou menos o que a mãe vestia no verão, antes de engravidar. Laura, na realidade, é bem jovem, seria no máximo uma irmã bem mais velha de Enzo (...) Apesar da besteira que acredita ter feito, conseguiu uma filha muito dedicada e muito estudiosa, o que a manteve longe dos riscos pelos quais pagou. A enfiou cedo na escola e cedo lhe confiou as tarefas domésticas, receita que deu certo e teria sido perfeita, não tivesse acompanhado uma mentira; bem intencionada, mas uma mentira que quase lhe custou mais caro do que a expulsão de casa...

- Eu achei lindo! Nunca tinha visto igual.

- Você só tem seis meses mais do que a Rebeca, não lembraria mesmo desse estilo. Que tal ajeitar pra gente fazer um passeio, antes de voltarmos para a turnê?

Combinam o passeio. Na tarde de sexta-feira ele a leva à bordo de um DeSoto S11C Custon Club preto 1948, com interior marrom e branco, em um passeio em baixa velocidade por Sunshadow, de capota baixa e uma brisa suave nos rostos. O carro custou uma ninharia, estava em excelentes condições e caiu no gosto do rapazote, foi salvo de virar sucata e serve Maria a maior parte do tempo. Enquanto eles passeiam, os paparazzi clicam.

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