quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Dead Train XLIX

    Eles ganham o mundo. A estação 49 traz inimigos de verdade, com os quais nossa protagonista terá que lidar cedo ou tarde. Recline a poltrona e durma bem, o trem vai partir.


Ok, agora a coisa ficou séria. Vão para Quebec, Ottawa e Cidade do México, de onde embarcam para Mônaco (...) seiscentas páginas de actividades e exercícios escolares para se divertirem, enquanto os músicos de apoio se entediam com os cassinos, a marina, a bela paisagem, as paqueras... Coitados!

Voam para Los Angeles (...) Josephine lamenta informar os motivos de não irem à Cape Town. Patrícia deu um “NÃO” redondo e sonoro, quando pediram para os negros da banda cantarem nos bastidores, sendo substituídos por brancos bem treinados no palco. Ela não contou antes para não antecipar sentimentos que não acrescentam, e que são visíveis no olhar da mascote...

- Em resumo, sem Ron e Rita, não passamos nem no espaço aéreo da África do Sul (...) nossas letras nos deixaram de fora de toda a União Soviética. Portugal também alegou “Belas melodias, mas letras potencialmente subversivas” para voltar no convite. Fora uma pancada de países pequenos, que proibiram seus cidadãos de irem aos nossos shows, para não serem influenciados por nossa “cultura estranha”.

- Pra não voltarem cantando “Forgotten”, você quer dizer.

- Sim, Bobby, é isso. Meus avós, ao que parece, morreram em vão. Mas vamos desfranzir estes cenhos, temos dezoito países que querem muito a nossa presença, inclusive Alemanha, Itália e Japão, onde temos Shows em Tóquio e Nagoya. Eu sei o que vocês estão pensando e a resposta é sim, nós estamos indirectamente a serviço dos Estados Unidos da América, ainda no esforço de reconciliação pós-guerra.

- “Indirectamente”, fräulein?

Viram-se para trás e vêem a inspiração para a Branca de Neve da Disney se aproximando...

- Desculpem pelo atraso, tive problemas em casa. Patrícia, ninguém que presta favores ao governo americano está desamparado. Por terem aceitado convites que muitos artistas recusaram, por puro preconceito, vocês agora são embaixadores.

- Eu já desconfiava que você e meu pai serelepe tinham alguma ligação.

- Não fale muito, ela é capaz de deduzir até o seu código genético.

- Seu pai é um herói. Agora já podemos contar algumas coisas, Richard. Ele evitou um holocausto nuclear e fez a CIA de idiota para isso. Algumas das viagens de vocês, ele usa para executar missões.

- As dúvidas que pipocam em suas cabeças serão sanadas agora, mes amis. A verdade é que todo o mundo artístico americano está empenhado nisso. Vocês são testemunhas das idiotices que temos cometido nos últimos anos, por isso é de suma importância que plantemos simpatias por este país pelo mundo, porque nós vamos precisar. O que vocês vão ouvir agora é exclusivo para artistas de elite, que têm mais compromissos com a arte do que só ganhar dinheiro com seu trabalho. O mundo está mergulhando em uma era de ditaduras, e Washington infelizmente tem culpa, sob a alegação de conter o avanço da influência soviética. Como já disse Richard, é melhor viver em um país sacana onde se pode reclamar e chutar traseiros, do que em um pior onde só se tem permissão para falar bem do governo (...) é necessário que pessoas como vocês se empenhem em dar a melhor impressão possível, para que o resto do mundo não acredite que a América é habitada por monstros. Porque já há muita gente empenhada em disseminar essa imagem de vocês, alardeando que em países inimigos existe o paraíso instalado na Terra, algo de que qualquer ser pensante é capaz de desconfiar. Vocês (...) vão defender a imagem de seu país pelos próximos cinqüenta anos, com o trabalho que fizerem pelos próximos quinze. Eu espero e acredito sinceramente que (...) não estarei aqui para ver vocês se separando, se isso acontecer. Alerto que vocês vão amargar a antipatia e oposição ferrenha de muita gente aqui dentro, como já notaram, mas será um revés necessário. É um remédio amargo para uma doença grave, que eu acredito de coração que vocês estão aptos a ministrar.

- Jose, olhe para eles. Se isso foi para nos assustar, não deu certo. Já estamos acostumados com a agressividade gratuita de imbecis. Já sofremos até um atentado armado. Agora que sabemos que existe uma causa razoável, mande sair da frente quem não quiser ser atropelado, porque o Dead Train vai passar por cima. Galera, vamos fazer o Velho Mundo amar a América!

Richard explode de orgulho. Abraça e levanta a filha (...) Digam o que quiserem desses caras (...) mas o patriotismo deles poderia fazê-los dominar o mundo da forma mais tradicional. Não o fazem porque não querem. A austríaca vê na wunderbares-mädchen, como a chama, um foco consistente de esperança para a espécie. Conclui que a preparação da banda teve rigores acidentais acima do necessário (...) mas isso já é trabalho para Zigfrida.

Vão todos de trem para New York. O choque que tiveram em Los Angeles fez os novatos perderem o medo (...) vão encontrar políticos grandes, chanceleres, príncipes, reis e tudo o que não existe em seu país, mas vão como quem vai para o front de batalha; de quem está do outro lado não interessa o nome ou origem, é melhor para ele que seja amigo ou se renda.

&

O fã clube do México está lá, para a despedida. Sabe que ficarão quase três meses fora do continente, pedem então que entreguem algumas photographias ao fã clube de Frankfurt...

- Como???

- A gente aprendeu um pouco de alemão e troca correspondências com eles.

- Fã clube na Alemanha??? Gente, temos que correr atrás do sucesso de novo, ele escapou – avisa Patrícia.

- Vocês vão para Londres também, certo?

- Sim, temos um show agendado.

- Então se importaria em levar um presente para um membro do fã clube de lá?

Os dezoito (...) se viram para os fãs e aceitam levar um pacotinho de pouco menos de uma libra para esse fã. Matthew se dirige aos fãs e pergunta quantos seriam os fã clubes de que têm conhecimento (...) a poucos minutos de chamarem para o vôo, entregam os nomes e endereços dos dezesseis presidentes, mais a de Tóquio, que ainda está em formação. Tiram algumas photographias com os fãs e logo são chamados para o embarque. O avião, desta vez, é só para a banda e sua imprensa, tem gente suficiente para justificar a exclusividade.

Voam conversando sobre o que os fãs disseram. Talvez nem Josephine ainda saiba dessa proliferação de fã-clubes (...) Lembremos que esta turnê vai para a edição especial de fim de ano da revista. Aos poucos o tempo e o fuso horário fazem seu trabalho, o avião entra em território francês já de noite. Richard observa a filha, que está meditativa desde que os outros se calaram e cochilaram...

- Você não dormiu. A diferença de fuso horário vai lhe cobrar caro.

- Não consegui.

- Está fazendo aquela cara de novo, o que foi? A conversa em Los Angeles?

- Não. É a conversa no aeroporto. Isso pode ser útil para nossos propósitos coletivos, mas para a banda é uma carga a mais.

- “Para a banda”?

- Para mim, em especial. Eu expus minha cara à tapa, ao negar os caprichos daqueles governos ridículos! Você deve fazer idéia da gravidade, porque nossos desafetos já não são apenas artistas bobocas que correm atrás de manchetes estúpidas. E eu fiz isso em nome da banda, que agora são dezoito pessoas!

- Sua preocupação procede, mas não deve ser motivo para tirar seu sono. A gente raciocina melhor depois que o cérebro descansa e organiza a memória, sabia?

- Um pouco tarde. Terei que deixar o descanso para quando chegarmos a Monte Carlo.

O comandante anuncia os procedimentos para aterrissagem (...) A aeronave pousa em Lyon, de onde vão para Mônaco. Matthew e os repórteres da revista descem apressadamente (...) são surpreendidos pela massa de fãs que foi recepcionar a banda. Eles vão ao delírio quando Patrícia aparece na porta do avião em seu tailleur rosa. Enorme, altiva, linda, elegante e com o rosto assustadoramente parecido com o da princesa Grace. A imprensa local explora isso (...) É seguida de Rebeca, Renata, Ronald, Robert e Enzo. A imprensa faz questão de dizer que Ronald é herdeiro do título de Conde de Marselha.

O representante do hotel os encaminha para o ônibus (...) A viagem é rápida, logo enxergam o pontilhado das luzes dos edifícios de Mônaco. O país inteiro é do tamanho do bairro onde Renata morava em Goiânia. Entram no principado e rapidamente estão às portas do hotel. Richard não se impressiona com o luxo rebuscado (...) Apenas confirma os registros, assina papéis e são todos levados aos seus aposentos. Alguns empregados quase tratam Patrícia por “alteza”, ao verem-na passando. Os outros percebem que não é só a beleza estonteante da amiga que a faz ser o foco das atenções, mas deixarão para dizer isso quando estiverem instalados, com alguma privacidade.

Na suíte de Richard, a equipe inteira se reúne para algumas orientações. Ele sabe que de todos eles, só Renata tem experiência em viajar para um país distante e totalmente diferente do seu (...) Mônaco não é um bicho de sete cabeças, mas tem alguns temperos combinados de Itália e França que eles precisam saber, por exemplo, não tentar falar francês se não forem fluentes, é muito fácil xingar alguém acreditando que se está sendo gentil. São orientados a falar os idiomas que dominam, de preferência o inglês. A parte italiana Enzo conhece de cor e salteado, poderá socorrer alguém quando necessário. Renata (...) fala das reações que a figura de Patrícia causou, da entrada até chegarem ao elevador...

- Por isso nós teremos que aceitar sermos ignorados por alguns minutos, porque o assédio vai se focar nela. Eu notei várias pessoas com um “alteza” preso entre os dentes, se ela fosse quinze centímetros mais baixa a confusão teria sido completa.

- E é claro que a imprensa européia vai usar isso como gancho para qualquer coisa, e está torcendo para vê-las juntas – completa Matthew.

- Receio que não vamos decepcioná-los. Jose disse que ela quer me conhecer e já temos uma visita agendada. E eu nem treinei para ser parecida com ela!

- Acertou de primeira – brinca Rebeca.

Chegam mensageiros com presentes, a maioria para Patrícia. Bombons, flores, bilhetes carinhosos, bilhetes atrevidos, convites e miudezas mais. Richard analisa cuidadosamente os doces, por questão de segurança, liberando todos para amanhã, hoje a garota precisa dormir. Não antes, claro, de todos ligarem para casa, e ele para Los Angeles. Patrícia pede (...) para ajudá-la na ginástica à beira da piscina.

Pai e filha descem de camiseta branca e moletom azul, tudo muito básico (...) Os empregados do hotel, que passam ante o local, lamentam não terem câmeras espiãs. Ver Richard treinar caratê é quase como ver um ensaio para o massacre. Como seu ofício, ele também o ensina à filha (...) será útil se todas as barreiras contra o obcecado falharem. Malham pesado, como sempre, e voltam para o banho, mas ele recomenda com autoridade paterna que tire uma sesta, após os compromissos desta manhã.

Alguns hóspedes já acordados se deparam com as duas figuras imponentes avançando à escadaria. Eles demoram a entender a estatura da moça até lembrar que há uma banda americana hospedada no hotel (...) Eles sobem cumprimentando as pessoas, desfazendo parte da impressão de intocáveis. Uma mulher de meia idade toma coragem e interpela os dois...

- Bonjour, pardon moi, a senhorita seria a vocalista do Dead Train?

- Bonjour. Patrícia Petty Gardner às suas ordens, senhora. Meu pai, Richard Gardner.

- É um prazer, senhora.

Sua tendência à classe e ao refinamento aflora. A socialite sai da breve conversa absolutamente encantada. Teve algumas más impressões de turistas do continente americano, mas os segundos (...) com a americana, apagaram tudo. Enquanto isso, em Sunshadow, Nancy se prepara para ir ao colégio, deixando as gêmeas com Maria. Lhe dói deixar as filhas com outra pessoa, dói mais ainda deixa-las e não ter a outra para acompanhar. Entra em seu Volkswagen e segue para Summerfields. Prevenida, deixou para se maquiar quando chegar lá, porque vai em lágrimas.

Patrícia olha para o relógio e faz uma ligação, antes de ir para a coletiva...

- Hello?

- Mommy? I love you.

Agora sim, ela desata a chorar. Confessa que está triste com a distância, que (...) deixou as crianças com Maria e sentiu aquele Volkswagen ter o tamanho de um Bugatti Royale...

- Mommy, don’t cry! Estou trabalhando pra gente. Ontem tinha câmeras de tevê em Lyon, quem sabe a tevê mostra pra vocês!

- Ontem? Tem certeza?

- Eram várias! E hoje eu terei um encontro com o Príncipe Rainier III e a Princesa Grace, com toda certeza vão mostrar também. Nesta noite eu te ligo de novo, mas eu (...) não vou conseguir trabalhar direito sabendo que você está chorando.

- Nancy está chorando?!

Ela entrega o phone ao pai antes que ele derrube o hotel. Ele repete mais ou menos o que a filha disse e também promete ligar diariamente. Ele (...) liga para Josephine, pedindo que não deixe a esposa se sentir só...

- Mamãe Urso não ficará só, Brain, fique tranqüilo. Patrícia está pronta para o encontro?

- Está. Ela só está incomodada com a polarização das atenções, mas isso era previsível.

- Ninguém vai chama-la de “alteza”, eles não cometeriam essa gafe. Ligarei para Nancy assim que der a hora de ela estar em casa.

Vão para o palco do show, com uma turba de paparazzi no encalço. Admiram a paisagem, enquanto caminham, com a marina lá em baixo (...) Todos com roupas confortáveis, frescas e soltas no corpo, para aproveitar a brisa e ajudar contra o calor. A fauna automotiva lhes é estranha, a maioria dela parece ter sido cortada ao meio. Ranault, Opel, Mini, Vauxhal, Audi, Citröen, Triumphy; mas também há os de tamanho normal, como BMW, Mercedes-Benz, Rolls Royce, Volvo e Jaguar. O palco é maior do que imaginavam, com vista para Mônaco Ville (...) Afinam os instrumentos, acertam o som, testam as luzes, calibram as vozes e ensaiam um pouco. Notaram a acústica inédita decorrente da topographia do principado...

- Tem um eco aqui. Rebeca, faça um solo para eu analisar isso.

Nada que um anteparo perfurado ou plantas ornamentais não consigam resolver. Um Mercedes-Benz passa, o vidro desce e os ocupantes observam (...) as semelhanças que a imprensa mostrou são confirmadas ao vivo. Seguem caminho para o palácio. A parte pesada do ensaio já terminou, agora cuidam de detalhes do camarim e depois voltam ao hotel. Só exigem que a água esteja em temperatura ambiente e proíbem expressamente qualquer quantidade de bebida alcóolica de qualquer tipo. Agora vão, que Patrícia precisa descansar o que não descansou durante o vôo, até para não pensar demais na tristeza da mãe.

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