terça-feira, 23 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LXVII

    Ela é Princess, Agente Princess. A estação 67 traz um ponto nodal da trama, que definirá tudo o que vier. Não perguntem demais e embarquem, o trem vai partir.


Em algum lugar de Minnesota, Chuck lidera uma assembleia (...) todos os Street Warriors optam pela mudança de vida, tão radical quanto a de terem deixado o conforto de suas antigas casas. O velho soldado vai a um telephone público e espera conseguir falar com Richard...

- Ele está na casa da Patrícia, Chuck. Mas não se preocupe, eu transfiro a ligação.

- Comé que é?

- Meu marido é um gênio, lembra-se?

Ela transfere (...) Patrícia vai contrariada até o aparelho cor de rosa, mas logo a contrariedade desaparece, notando a gravidade na voz do motoqueiro, e chama o pai...

- Só por uns tempos, Ritchie, até a gente tomar rumo na vida.

- Sem essa, vocês são o tipo de gente que é bem-vinda a Sunshadow. Podem vir que lhes arranjaremos casa e trabalho.

- Poxa, cara... Valeu mesmo, irmão! Valeu mesmo! A gente tá indo... Galera, agora a gente mora em Sunshadow! Simbora pra casa!

Richard explica à filha o que aconteceu. Embora ela se alegre em ter os motoqueiros na cidade em definitivo, se entristece pelos motivos. Avisa a todos que vai à prefeitura, tratar da acolhida, enquanto o pai chama Josephine, Simpson e Grant para uma conversa reservada na biblioteca. As coisas que previram estão acontecendo antes do que imaginavam que fossem acontecer, o que não significa que terminarão também com antecedência...

- Ele disse que viu um cara atirando em um motociclista por ele ter se recusado a cortar os cabelos. Só por ter se recusado a cortar os cabelos. Claro que todo mundo cercou o sujeito e deu-lhe uma lição, mas isso foi o ápice de uma série de atrocidades que eles testemunharam desde que foram embora.

- Eles, pelo menos, estão bem?

- Estão, Grant, estão. Mas o rapaz ficou paraplégico e a polícia local fez vistas grossas. Ele foi acolhido pelo bando e virá com ele. Estou pensando em utilizá-los como força policial do município, afinal já foram militares, conhecem o serviço.

É uma idéia bem acolhida (...) por agora tratam de fazer ligações para prevenir todos os membros e dar colocação aos amigos. Eles chegam a tempo de terem uma refeição decente, e o novato de quase enfartar por conhecer o Dead Train e Jose De Lane de uma só vez. São (...) encaminhados para alguns dos imóveis ainda vazios da cidade velha. Grant se apresenta com cara de urgência, meio constrangido pela presença de Patrícia...

- Eh... Papai vai salvar o mundo um pouco e já volta.

- Ok, vou guardar um pedaço do bolo de banana e nozes pra vocês.

- Você vai saber de tudo assim que isto terminar, Patrícia. Vamos, Brain.

- “Brain”?

Grant lhe conta que já é hora de ela saber de algumas coisas, mas depois da emergência (...) Vão à biblioteca de Patrícia, onde Josephine, Bart, Tobby e Zigfrida os aguardam, eles por videophonia. O caso é grave, mas não é uma notícia necessariamente ruim, os agentes avisam que a massa de pessoas que podem colaborar inconscientemente é bem maior do que o previsto (...) As más notícias são as de sempre (...) só acrescentando que o pavio do oriente médio está em seus últimos centímetros. Agora falam de Patrícia. Ela tem sido a colaboradora inconsciente mais preciosa desde que a organização teve início, a ponto de ter se tornado subconsciente com viés para semiconsciente por conta própria...

- Assim sendo, Brain, acreditamos que ela já pode saber de algumas coisas.

- Não sei, agente Doom. Eu confio muito no taco dela, mas só quem a acompanha de perto sabe o quanto ela é ocupada, não quero que se preocupe também com os problemas da “paz mundial”. Eu posso consentir se, e somente se houver assistência permanente para ela.

- Agente Firehair se apresentando, Brain. Vou usar a assistência aos Street Warriors como pretexto.

- Ok, se tudo permanecer nesses termos, eu consinto.

Encerram a reunião e marcam a vinda de Zigfrida (...) e vão falar com Patrícia. Ela faz aquela cara, quando eles chegam. Está de terninho amarelo e camisa preta, em sua suíte, quer explicações para o modo como o pai foi chamado. O próprio diz o que exactamente é a organização, de sua independência e seu alcance global. Falam das ações mais recentes e da verdade sobre o atentado contra Josephine, além de sua importância inconsciente para as operações...

- Eu fiz isso? Quando?

- Na turnê de 1964, quando decidiu dar mais meia hora de show em Beirute, após recusar todos aqueles países. Você não imagina os inimigos que arranjou com isso, lá e aqui.

- Então eu tinha razão em ser saudosista... Esse mundo que se avizinha é horroroso! Previsão?

- Fim dos anos oitenta, início de noventa – diz Grant.

- Certo... Você, Arthur, depois teremos uma conversa reservada, quando os outros saírem da suíte... Tá, não tem como voltar e fingir que não sei de tudo isso, se bem que acredito que não me contaram nem metade. Jose, vamos reunir a banda e redefinir nossas estratégias, um mínimo eles têm que saber. Os outros, eu aceito a responsabilidade, podem escolher meu codinome. Agora, por favor, quero falar a sós com meu marido.

Eles saem (...) Ela fecha a porta de mogno de folha dupla, se vira para ele e o encara...

- Há algo que você queira me dizer?

- Eu sou um colaborador de base, sei o mínimo indispensável.

- Mesmo com a convivência com Jose e Bart? Vamos lá, me surpreenda.

- Mikomi está marcada para morrer, a família a considera uma traidora, mas ela tem a proteção da organização.

- O que mais?

- Eu não sei muito mais, além de que existe uma conspiração para viciar as pessoas em prazeres fáceis, para serem mais facilmente induzidas ao consumo indiscriminado e ao voto em gente torpe, usando a mídia e entidades de fachada.

- Sabe mais do que imagina, está conseguindo me surpreender. Continue.

Ele conta o que sua memória lhe permite, com a esposa ajudando (...) Mesmo sob o risco de ser tachada de careta, tem agora um rascunho de estratégia para suas ações. Dá por encerrada a conversa e avisa...

- Isso foi para mostrar que você não deve guardar segredos de mim. É melhor você me contar do que eu descobrir sozinha, eu sou sua esposa e você deve sempre confiar em mim, entendeu? Vamos para junto dos outros, para nossas vidas civis... Ah, antes que eu me esqueça, Greg... Eu te amo.

O vitral amarelado no fim do corredor entre os blocos das suítes empresta um pouco de efeito à cena, os outros aplaudem e ovacionam (...) Patrícia vai ler e reler o material que a avó lhe deixou.

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Josephine finalmente pode conversar amenidades com a agora comadre (...) enquanto David Grant distrai Ana Clara e Justino com histórias de espionagem legítimas (...) sacia a vontade de ter tido netos, já que também não teve filhos, não por falta de tentar. Enviuvou ainda jovem e nunca mais quis saber de outra mulher, se envolveu cedo e acidentalmente com a espionagem internacional (...) Às vezes pensa que foi ter a vida por um fio inúmeras vezes, que o ajudou a superar o trauma. Quando descobriram que tinha fundado uma organização anônima, para contrapor o aparato estatal, já estava forte e influente demais para ser detido.

Patrícia conversa com os companheiros de banda, fala o que pode falar e avisa que as letras ácidas e o sarcasmo do Dead Train serão mais necessários, com o passar do tempo...

- É algo que pode bem nortear nossas futuras composições. As pessoas tenderão a ficar mais preguiçosas, mais egoístas, imediatistas, promíscuas, mais hipócritas, alienadas, rancorosas, mal humoradas...

- Cara, você tá descrevendo o próprio inferno – afirma Rebeca! Não tem nada que a gente possa fazer pra evitar isso?

- Não. No máximo, podemos manter Sunshadow como um foco onde isso não seja visto como normal. Ainda temos um tempo até essa época mais amena passar, mas depois de, sei lá, de 1975, vamos ladeira abaixo a toda velocidade.

- Vamos pagar o preço de parecermos caretas para uns e comunistas para outros – diz Ronald.

- Nós já pagamos esse preço – diz Enzo. O que me preocupa é o modo como vão cobrar isso.

Conversa de adultos. A biblioteca, apesar de usar madeiras claras, com pedaços de madeiras coloridas enxertados como se fossem traços no croqui, fica com o clima pesado (...) quando Robert os faz lembrar de uma coisa, de um namoro que Zigfrida teve na Suécia e, quando voltou lá, após a turnê, a decepcionou muito...

- Não adianta a gente atacar o sistema, as empresas, as religiões, as ideologias, se no fundo são as pessoas que estragam tudo. Todas as nossas campanhas e entrevistas têm um toque humanista, precisamos adaptar isso a essa circunstância e fazer as pessoas enxergarem outra pessoa, detrás da mesa ou do guichê.

O romântico dá uma sugestão prática. Quando Zigfrida chegar a Sunshadow, para cuidar dos Street Warriors, terão com ela (...) Por hoje é só, voltam para fora, que seus pares estão esperando. Silvia, por exemplo, está quase furando o chão da sala (...) O conjunto azul de terninho com bermuda nem amarrotou, por ter se recusado a se sentar (...) Nem Laura conseguiu acalmá-la, mas lhe dá alguma razão, o semblante de mártir de Patrícia foi de assustar mesmo. Ela se aproxima de Renata, que ficou calada durante quase toda a reunião, ela simplesmente diz que tudo ficará bem, com aquela cara de quem sabe mais do que está falando (...) “Sua avó que me disse”.

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Zigfrida chega já com uma suíte permanente à sua espera, na casa da agente Princess (...) A primeira providência da sueca é acabar com a abstinência, quer um abraço com direito a balançadas e pulinhos. É apresentada à sogra e cunhados da anfitriã e posta a par da situação (...) uma conversa mais demorada revelou a tristeza de terem que deixar a estrada. Estão todos colocados, a maioria integrada à agora respeitável força policial da cidade, alguns estão em bares e o rapaz baleado está recebendo cuidados médicos. Sobrevivência e acolhimento não são problemas, Sunshadow está acostumada a eles e os preza, o problema é a falta da vida que deixaram...

- Eu experimentei por um bom tempo a sensação, dou toda razão a eles. Foi mais ou menos como viver no espaço e agora enfrentar a reentrada na atmosfera.

- A Renata tem razão, estamos voltando à barbárie com maquiagem de sociedade moderna. Aliás, ela está ajudando, não está?

- Está, muito, mas a sua experiência vai ser muito valiosa. Não dá mais para reunir todos de uma vez para um passeio, agora eles têm escalas ou horários fixos. Dá para ir um terço de cada vez, no máximo uns quarenta por cento, eles sentiriam o desfalque.

- Eles foram muito corajosos, poderiam ter cruzado a linha que os separava dos vândalos, seria mais confortável. Vou me instalar e depois vamos à chefatura, falar com o Chuck.

Ocupa a suíte que dá para o coreto, onde Patrícia gosta de ler (...) Com o tempo esfriando rápido, ela dificilmente verá isso. Desce em seguida, para irem ver o tenente Charles Bridge comandando os novos policiais, Chuck nunca pensou que voltaria a usar aquelas divisas. Lidar com papéis nem é tão ruim (...) o ruim é ficar entre quatro paredes, quando o cheiro da relva úmida ainda está tão fresco na memória.

Enquanto elas tratam do novo trauma do homem, em casa Renata cuida da irmã, deixando os pais livres para namorar (...) cantarolando “So many cats on the table, so many hearts falling in love, so many kids playing in the heaven and the heaven is now on the table...” para entreter a menina. Ela repete e dança de modo pueril, rindo solta e frenética a cada refrão. Levou à sério o alerta de Patrícia, já tinha recebido avisos a respeito no astral, mas não imaginava que a situação já estivesse tão deteriorada. Quer vacinar a pequena (...) de modo que seja uma disseminadora natural dessa vacina.

Voltando à chefatura, Chuck agradece pela ajuda e pelas dicas de actividades psicopedagógicas. Elas voltam para casa, contentes, afinal o medo era maior do que o perigo (...) Duas semanas e eles voltam ao estado de relaxamento de antes, bem a tempo de prevenir uma depressão (...) Quando Dezembro chega, três pares de olhos vêem fascinados o que só conheciam por filmes, a neve caindo. Se empacotam e vão para fora, ver aqueles flocos in loco. Ana Clara colhe alguns na mão esquerda e sentencia...

- É gelo ralado!

- No, girl, is not! Parece, mas não é...

Patrícia chega risonha com uma enciclopédia ilustrada, com imagens ampliadas de flocos de neve, que mais se parecem com estrelas natalinas artesanais (...) Enquanto eles vêem as photos, ela busca um microscópio, colhe alguns flocos na lâmina e os faz observar; ter aquele aparelho à mão pela primeira vez, só aumenta o encantamento. Os últimos anos foram de dilapidação da educação pública no Brasil, já não se ensina mais philosophia e música tornou-se disciplina de luxo, as novas escolas estão sendo construídas já sem os espaços para elas.

No conforto da propriedade, estando Gerald entretido com o pequeno Amilton, Deborah vasculha o aparentemente infindável acervo familiar (...) sempre encontra uma nova coisa velha para se distrair. De revistas dos anos 1900 até os 40s há centenas (...) ainda via gente que insistia em usar aqueles vestidos incômodos e pesados em plenos anos trinta. Ri de si mesma, lembrando com muito carinho de tudo aquilo. Muita gente em Sunshadow ainda tem peças de época nos baús, ainda se vêem carros dos anos dez em funcionamento, embora sejam bem poucos, bem como toda a cidade velha tem pilhas de rádios valvulados do início do século (...) Sua casa, com um museu já grande a cem metros, é repleta de adoráveis catrevagens em pleno funcionamento. Chora de saudades de algumas pessoas, especialmente da mãe, mas é um choro morno de acalanto, já sem dor e sem tolher o sorriso enorme. Decide ligar para o irmão, para contar o que encontrou...

- Debby, que tesouro! Aposto que tem muito mais coisas escondidas por aí!

- Gerald não faz ideia de quantos baús, quantas pastas e quantas malas ele tem neste galpão. Estou vasculhando agora, depois de ter passado o aspirador de pó, não sou louca, uma mala que ele disse que estava fechada desde 1933.

- Debby, cuidado, deve ter colônias de fungos aí dentro!

- Que nada, tem é um fedor insuportável de naftalina!

- Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra...

- Por isso deixei a janela meio aberta e o ventilador ligado... Hey... Você tem que ver isto! Lembra daquelas canções que a gente ouvia papai e nossos tios cantarem? Acabo de encontrar partituras e letras delas... Que droga, agora tô chorando...

Marcam um encontro na casa de Patrícia. Toda a banda (...) decidiu ir ver. Tomam cuidado, pois as folhas amareladas estão bastante quebradiças, tanto que Patrícia trata de colocar todas na copiadora, para a tia poder guardar os originais. Eles lêem algumas, combinam tons e primeiras vozes, então vão aos instrumentos, arrancar mais lágrimas de seus pais e tios, com as crianças estranhando a choradeira. Ah, é tão bom arrancar lágrimas daqueles adultos! É tão bom fazê-los desabafar o que ainda tinham trancado no peito! Zigfrida fica eufórica, vendo aqueles marmanjos todos se derretendo (...) Franzina e com seus enormes olhos azuis brilhando de alegria, ela tira Justino assim que tocam uma valsinha e começa a rodopiar com ele pela sala (...) encorajando os outros a fazerem o mesmo. Funciona, as duas valsinhas seguintes fazem a sala se tornar uma pista de dança. Matthew photographa com prazer, gasta dois rolos de filme da melhor qualidade (...) Fica no ar a possibilidade de um baile da saudade, com cenário e roupas de antes da guerra. Zigfrida, a atiçadora, liga para Josephine enquanto os outros conversam animados sobre as canções e a idéia do baile...

- Oh la la! Eu amei a ideia! Amei! Tenho um baita arquivo pessoal e os estúdios têm outro gigantesco! Eu quero participar!

- Ah! Ah! Ah! Ah! Ah... Eu sou uma cobrinha mesmo! Aticei todo mundo, até você! Cara, você precisa ver o povo dançando, quando o Matt revelar as photos! Foi demais!

- E os seis tocando... Mon dieu, faz tanto tempo que não danço uma valsa! Depois do natal eu quero ver isso de perto.

- Vamos tocar tudo de novo, Jose, e te mandaremos tanto uma gravação quanto cópias das photos, antes de a neve pesada cair – diz Patrícia.

- Oh, desculpe, liguei o viva voz sem querer...

- Desde quando você faz algo sem querer, mademoiselle Fälkstaden?

- Nunca – diz sorrindo de orelha a orelha. Ei, que tal tocar uma pra ela ouvir? Depois fazemos uma gravação bem bacana!

Para sua majestade estrelar, tudo. Dois dias depois, ela recebe (...) a fita e as photographias. Poucas vezes os olhos dela brilharam como na infância, evento que se rarefez muito após o atentado (...) Roda a gravação e põe todo mundo para dançar; pais, irmãos, cunhados, sobrinhos já grandinhos, até os empregados da mansão, quer todo mundo rodopiando pelo salão de dança...

- Ah, c’est si bom! C’est si bom!

Por algumas horas se esquece de que é uma das pessoas mais poderosas do mundo, com responsabilidades inerentes (...) A autoridade inquestionável da agente Star fica lá fora, durante o festejo improvisado (...) Por mais este motivo, ama mais aqueles seis a cada dia. Não precisou de um parto para ser mãe e amar como uma.

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