segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Dead Train in the rain LIII

    Agora já foi! A estação 53 tem um segredo para te contar: Sua vida não quer saber dos teus planos, ela tem seus próprios. Conte até dez e embarque, o trem vai partir.


É um país muito pequeno, que acabou encontrando no pouco tamanho uma de suas chaves para o desenvolvimento (...) embora os Estados Unidos comprovem que tamanho não é impedimento. O hotel foi escolhido por Bart, com arquitetura típica e os empregados bem próximos dos hóspedes, porque se há algo sólido nos estereótipos, é o excesso de respeito para com a privacidade, que acaba gerando uma cultura de indiferença que está longe das intenções dessa gente.

Falar em recepção calorosa na Suíça é, no mínimo, uma piada de mau gosto. A recepção dos fãs é muito animada, com direito a cantoria e exibição de productos licenciados, como uma marca de câmera photográphica que produz modelos verde e preto, com exterior emborrachado e texturizado, e alças em forma de trilhos, tudo para não ser apenas uma bugiganga qualquer com um adesivo da franquia na carcaça.

A ida para o hotel é muito ordeira, fica fácil identificar os paparazzi (...) Quando lá chegam, a surpresa é generalizada, especialmente os seis pares de olhinhos juvenis brilham como quem ganha uma surpresa de natal. Quase uma tonelada de doces e chocolates da melhor procedência que foram enviados por fãs. Antes que Rebeca se atire à gula, Ronald a pega nos braços, só para prevenir. Patrícia (...) manda cada um pegar três tabletes e nada mais, o resto será enviado para Sunshadow hoje mesmo...

- Sem conversa! Vocês estão malucos? Conheço-os muito bem, especialmente vocês cinco! Peguem três, cada um, eu pegarei uma cesta de bombons para consumo coletivo, o resto voa hoje para os Estados Unidos.

A liderança às vezes tem suas horas chatas. Sobem aos aposentos, dentro de duas horas terão uma coletiva (...) Mal se arranjam e Matthew recebe uma ligação da Califórnia...

- Grande Dennis! Quais as novas, garoto de praia?

- Matt, cara, começou uma polêmica do tamanho de um tsunami por aqui! Aqueles babaquinhas do “The Special Boys” voltaram da turnê com uns discursos nada a ver! E o empresário deles está embarcando nessa! Começaram uma campanha para proibir negros e brancos de trabalharem no mesmo ambiente, você já sacou a deles, não sacou?

- Saquei... Um trio de cabeças-ocas vai a um país que se apóia em pseudociência nazista e volta querendo encher a América de merda estrangeira, como se não tivéssemos as nossas próprias para limpar... O quê??? O que é isso, eles querem cometer suicídio?

- A gente acabou de voltar do lugar onde eles marcaram a coletiva, meu irmão. Estão se juntando a um bando de pastores picaretas pra tentar separar Rebby e Ron.

- Ok, valeu, meu irmão. Vou avisar Patty e Ritchie, mas não me peça pra contar aos dois ou uma terceira guerra mundial vai acontecer. Já avisaram pra Jose?

- O Brian está falando com ela agora, no Jose’s Hotel. Aí, eles vão acabar sabendo de qualquer jeito, porque isso vai sair nos noticiários. É bom vocês darem um jeito de contar o quanto antes ou... Eh... Vou desligar agora, o Brian chegou e parece que ele viu a morte de perto. Valeu, até a volta. Cara, você está bem?

Ele desliga e vai falar com os dois. Patrícia volta a fazer aquela cara, Richard diz que uma surra parece não ter sido suficiente e Matthew tenta colocar foco na conversa (...) A moçoila conhece a amiga e sabe que só há um modo de contar-lhe algo: contando. Vai à suíte onde sabe que estão e lá os encontra...

- Que bom encontrar vocês dois, o Dennis mandou um recado. Os três boçais voltaram da turnê e estão fazendo campanha para tirar Ron e Rita da banda, mas principalmente para separar vocês dois. Voltaram como militantes racistas daquele país e angariaram a simpatia daquelas igrejas de bíblia de sovaco. Não faz meia hora que a coletiva deles acabou e os jornais do país inteiro já estão noticiando.

- Valeu, irmã. Você vai ter a resposta agorinha, feche a porta e escute lá de fora.

A garota diz já tirando o minivestido e pegando um preservativo. Ela não faz questão de ser discreta, grita de verdade, fazendo o restante da banda sair de seus quartos, olhando para Patrícia, tão rubra que aprece ter acabado de voltar dos alpes. Ela olha freneticamente para os outros, para a porta, para qualquer lugar (...) O espetáculo termina e um silêncio súbito toma conta do andar, em alguns minutos a porta se abre e Rebeca aparece de toalha...

- Conta isso pra eles do jeito que achar melhor. Mas, cara! ISSO É BOM DEMAIS! Bobby, deixa que eu conto pros nossos pais. Agora deixem o Ron descansar até a coletiva, eu vou tomar uma ducha.

Fecha a porta e vai tirar o suor. Renata cutuca a amiga, pedindo uma explicação que vá além de “Alguém na banda não é mais virgem”. Patrícia explica, de início eles ficam indignados (...) mas pesando os motivos eles começam a rir e fazem uma festa de improviso, parabenizando a baixinha assim que ela sai pronta para a coletiva. Todos, exceto Patrícia, que ainda está mais branca do que o normal, só de pensar no episódio. Zigfrida tem mais um abacaxi para descascar.

Todos concordam que isso ficará longe dos ouvidos da imprensa (...) Vão à coletiva e Patrícia se limita a dar o recado, de onde os repórteres deduzem que sua falta de cor seja pela raiva. Ela afirma que a lei mais idiota do mundo vai cair, e que todos verão o casamento de Rebeca e Ronald nas manchetes. Finaliza com um desabafo de quem tem lutos em família...

- Depois de tudo o que nossos pais e avós passaram por causa da guerra, disseminar a ideia de segregação é a coisa mais antiamericana que existe! É dar razão aos inimigos, inclusive ao covarde que matou a família e se matou em seguida, após a derrota vergonhosa. No que tange a este assunto, é só o que a Dead Train tem a dizer.

- Sabia que você daria conta do recado.

- Mas você apelou!

- Relax, foi só um ataque de fúria que eu canalizei para outra coisa. Melhor do que sair quebrando o hotel, convenhamos.

- Sim, concordo. A... Não estourou?

- Nenhuma das três. Fica fria.

Terminam de cochichar e dão andamento à coletiva. Cada vez que alguém pergunta sobre Gregory, o episódio vem à mente e ela volta a ficar rubra, porque pela primeira vez se imagina transando com ele (...) Finalmente alguém se lembra da polêmica da dieta da banda, e finalmente ela pode falar sem tremer...

- Quer dizer, essa rigidez toda é realmente necessária?

- Absolutamente necessária, talvez não seja. Talvez eu exagere um pouco aqui e ali, mas essa disciplina alimentar nos deixa em nossa melhor forma o tempo todo.

- Você fez quase uma tonelada de chocolates viajar para a América por causa disso?

- Sim. Você não conhece esses dezessete como eu conheço. Aliás, foi gente que nos conhece no cerne que começou com essa dieta, bem nos nossos primeiros shows: nossas mães. Sim, tudo isso é cuidado de mamãe para com seus rebentos, e tenho certeza que as mães dos novatos aprovam isso.

Eles a olham com cara de “Como assim?” e ela revela que ligou para a mãe de cada um deles, assegurando que cuidaria de todos como se fossem seus filhos, e ganhou a gratidão de cada uma por isso...

- Cara, sério?

- Foi a sua mãe quem começou e me ligou, Jack, então achei por bem tranqüilizar todas.

Os suíços começam a rir das caras que eles fazem. A coletiva continua já com um padrão bem mais suave, mais parecido com um caderno de cultura do que com um policial.

&

Desta vez Rebeca tem que contrariar sua natureza (...) Pensaram que Renata e Matthew seriam os com maiores chances de fazer as coisas antes da hora, nunca que dois amigos com idades próximas se precipitassem. Ela explica lentamente o que aconteceu, os motivos, as circunstâncias e as alternativas danosas que tinha à disposição...

- Enfim! Foi, não tem volta. Usamos camisinhas, não tem gravidez. A gente já tinha motivos para se casar assim que essa lei de debilóides cair, agora é questão de honra!

- Ah, agora você tocou no ponto! Questão de honra mesmo! Quero falar com ele.

- Vai ter que esperar, ele está levando um sabão do pai, neste exacto momento.

Enquanto isso, Patrícia liga para a mãe (...) Fala das caras que os dois estão fazendo e o que deduz que estejam ouvindo, então pede que os chame imediatamente assim que os dois desligarem, o que acontece em questão de minutos...

- Norma, é Nancy. Quero falar com vocês e com os pais de Ronald, aqui em casa, agora... Bom dia, David, é Nancy. Estamos esperando por você e Diana em minha casa, para tratar de seus filhos. Sim, é necessário que seja aqui, um lugar neutro e com duas crianças de colo sensíveis a tons agressivos. Eles já estão vindo.

Mesmo em tom civilizado, a conversa é tensa. Nancy os lembra a todo momento dos anos de amizade e parceria, o que já passaram pelos seus filhos e tudo o que eles estão enfrentando agora (...) Reitera que eles só fizeram isso em resposta à agressão. Com algumas horas, eles começam a compreender, mas David ainda está decepcionado com Ronald, Norma defende o pretenso genro...

- Você não conhece Rebeca, David. Ela é dominadora, sabe colocar uma pessoa contra a parede, só a Patty, eu não sei como consegue ser imune! Se eles transaram, é porque ela deu um ultimato para ele tomar uma atitude.

- Tem certeza do que está falando?

- Sabe o que ela falou ao telephone? “Eu conversei com o Ron e ele fez o que um homem tem que fazer”. Em situações assim ela não conversa, ela dá um ultimato.

- Então a coisa muda de figura! Fui injusto com meu filho... De uma coisa vocês tenham certeza, quando tiverem idade, eles se casam. Nenhum conde de nossa linhagem deixou uma moça desamparada, e não será desta vez (...) Vamos celebrar a união de nossas famílias!

Nancy busca um bom vinho e o caso é dado por encerrado (...) Fica acertado que isso permanecerá restrito às famílias e a quem já sabe, inclusive Josephine...

- Mon dieu...

- E parece que ela gostou da experiência.

- Oh, eu tenho certeza! Não conheço um que não tenha gostado! E os pais deles, como reagiram?

- Mamãe está intermediando uma conversa, antes que se transforme em guerra. Espero por notícias a qualquer momento.

- Boa providência. Eu ligarei para ela daqui a pouco. Patty, pelo menos eles se preveniram?

- Três camisinhas.

- Gulosos! Eles estão aptos ao trabalho?

- Estão vendo passarinho verde, afinando e sincronizando que é uma beleza! Deixe isso comigo, é minha função controlar os dezessete. Apenas cuide da minha mãe por mim.

Ela cuidará. Liga imediatamente para Nancy e tem as boas notícias em primeira mão, já avisando que ninguém de fora do círculo deve ter conhecimento disso. Paralelamente, Zigfrida está conversando com o casal de apressadinhos (...) a reprimenda paterna abalou Ronald, as expectativas sobre ele são muito grandes e as cobranças idem. David (...) liga para o hotel e o chama. Se explica e se desculpa, por não tê-lo ouvido além do “A gente transou”. Já deveria ter se dado conta de que a vida do rapazote não tem a menor intenção de seguir os planos dele, muito menos os seus, então só pede que ele honre o compromisso e abençoa o relacionamento dos dois; algo que soaria démodé à maioria, mas que dá um alívio enorme aos ombros de quem traz quase um milênio de tradição familiar, de livre e espontânea vontade.

Agora vão conhecer o local do show, esperando que os incidentes da manhã fiquem por lá. O que encontram por lá? Mais (...) chocolate, vários com declarações de amor dos fãs. O prefeito está lá, com a desculpa de receber os músicos mais comentados do ano (...) A apresentação será ao ar livre, em espaço aberto, mas o suíço é tão honesto, que quem não conseguiu ingressos não cogita entrar na área destinada ao show...

- Isso é comovente, prefeito! Vou conversar com minha filha a respeito, só um instante.

Richard conversa com ela, por alguns minutos, e a própria Patrícia comunica que, havendo condições de segurança e conforto, cada pagante poderá levar um acompanhante. Lá vai o prefeito, contar ao conselho o que conseguiu para os fãs nativos. Na noite do dia seguinte a área fica lotada. Um mar de gente pula e dança ao som de Dead Train (...) Quando voltam para o hotel, mais chocolate os espera.

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