Mais uma vez a mão sutil da sincronicidade me traz (ou me leva a) uma pérola quase esquecida. Vendo cartuns da época da guerra, o site me ofereceu também uma pancada de desenhos da Betty Boop, alguns deles banidos, uns poucos com toda razão, a maioria por pura perseguição mesmo. Eis que me deparo com uma obra feita quando pensávamos que todos já a tinham esquecido. O próprio filme "Uma Cilada para Roger Rabbit" fez crer que aquela era a primeira aparição da personagem em décadas.
Vamos ao filme. The Romance of Betty Boop foi feito na segunda fase dos anos oitenta, em 1985, quando as tosqueiras proliferaram feito ervas daninhas em horta abandonada. A economia com a animação é evidente. Aliás, até fins dos anos noventa, foi um sofrimento só. O que diferencia o trabalho dos animadores, é o uso de colagens em preto e branco, muitas feitas em copiadoras com alto contraste.
A técnica não é absolutamente genial, genial é utilizá-la para concentrar esforços onde interessa, e aqui foi feito. As cores se concentram em Betty, seus amigos e seus ambientes, todo o resto sofre corte orçamentário de tinta. Inclusive pessoas em tons de cinza, em cenários coloridos.
A trama se passa em Nova Iorque, em 1939. Betty, como sempre, é pau para toda obra, e vive em um apartamento que poderia facilmente ser trocado por uma Kombi... Com a vantagem de não precisar aturar vizinhos malas.
Ela é apaixonada por um actor, uma das poucas profissões que davam dinheiro entre a grande depressão e a segunda guerra mundial. Sonhando com esse cidadão, ela acaba desprezando o amor de um amigo, Freddie, que é vendedor de gelo, e fica no subsolo da depressão quando é rejeitado por ela.
Hmm... Estou vendo carinhas de estranheza. Farei um adendo: A geladeira só se popularizou depois da guerra, meus queridos. Antes, as pessoas tinham caixas espessas, na quais colocavam gelo, para poderem preservar os alimentos. Geladeira mesmo, só os ricos e as empresas, como as fábricas de gelo, tinham.
Voltando. A trama tem uma reviravolta quando um mafioso, que vai cobrar uma dívida do dono da boate onde ela trabalha, se interessa por ela. Para piorar, o tal galã está na plateia, e Betty não poupa esforços para seduzi-lo, em seu clássico e indefectível vestidinho vermelho. Daí para frente a confusão realmente começa e vocês terão que ver o filme, para saber.
Tem de tudo um pouco, e tosco, como convém à década perdida, como a chamávamos antes de ela terminar. O modo como as colagens são colocadas, não tem como não ser proposital, porque se vê que são colagens em preto e branco, não desenhos que não receberam cores. Um experimentalismo que fez pensar, no começo, se tratar de um filme dos anos sessenta, porque os personagens secundários são típicos de então, mas o apartamento de Betty e a aparição de Freddie, me fizeram ler a descrição do filme antes de ele terminar.
Aliás, o clássico e vintagesco vestido vermelho passa a ser, quase sempre, roupa de baixo. Sobre ele, ela coloca mini vestidinhos que, francamente, parecem cobrir menos do que ele... Parece impossível? Mas foi a impressão que me deu.
Betty está linda, valente e versátil, como é de seu feitio. O gênio arredio, combativo e o coração de ouro estão intactos, apesar do trauma da perseguição sofrida décadas antes. A sutil adaptação de seus traços para os anos oitenta não tiraram um milímetro de seu chame e beleza, pelo contrário, fizeram por ela o que as técnicas dos anos trinta não permitiam, não sem custar uma fortuna.
O filme poderia ser bem melhor, é verdade, mas fica claro que não se trata de uma super produção. Talvez hoje fizessem algo refinado e repleto de referências às animações clássicas, afinal, releituras de diversas origens e estilos proliferam. Público, ela ainda tem. No fim, ela acaba bancando a idiota, mas tem uma decepção, chuta o pau da barraca e se redime, antes de a fila andar.
Outras animações foram feitas, no decorrer da década, como Hollywood Mistery, ver aqui. com estilo e roupagem mais clássicos, inclusive com os personagens das animações originais e animação melhor cuidada. No mais, aproveitem a animação.
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