quinta-feira, 1 de maio de 2014

Uma cobrinha salvando nossa honra


Fonte: TV Conectados

  A capacidade que os teledramaturgos têm para fazerem dos vilões personagens muito mais interessantes do que os mocinhos, a ponto de o público torcer por eles, já é antiga. Desde fins dos anos oitenta que eles fazem o público desejar uma morte lenta e dolorosa para os mocinhos.

  Não é para menos, eles recebem as piores falas, as cenas mais idiotas, aquelas caras de vítimas inocentes que quase pedem um tapa na cara, e parecem ser o depósito de lixo dos defeitos mais íntimos de seus autores. Só são os mocinhos porque a trama diz que são, porque muitas vezes são absolutamente dispensáveis.

  A última novela do horário nobre, como se tornou tradição, é uma coleção de motivos para odiar o mocinho, ou no caso, a Helena da vez. Para quem nunca veio para Goiânia, aviso que o que aquela novela imbecil mostra só existe na cabeça oca do autor. Goianos patetas como aqueles seriam automaticamente os bestas de qualquer roda de conversa nesta metrópole, que já engoliu algumas cidades do entorno e tem todos os problemas de qualquer outra, inclusive o facto de que não existe um goianiense que todo mundo conheça.

  Goiano tem algumas coisas a ver com o texano, para o bem e para o mal. Além da mania de querer tudo grande e em grande quantidade. Goiano é romântico, sim, mas não é meloso. Goiano tem um "R" gutural e arrastado, não fala chiando, isso é coisa de carioca. Goiano parece tranqüilo, a primeira vista, mas tem pavio curto com gente fresca. Está com frescura para ir ter com aquela pessoa que te interessou? Vire as costas e o goiano te dá um chute na bunda, para deixares de fazer doce e ir logo ao que interessa.

  São apenas os erros mais elementares que gente que nunca saiu do litoral comete, ao tentar falar do interior do país. Acha que ter um milhão de habitantes a menos do que as suas cidades já torna qualquer lugar um rincão tranqüilo e alheio ao resto do mundo. Como parece ser a regra, gente que tem um fascínio incontido por um mau-caráter.

  Em meio a tantos personagens tão verossímeis e quase tão divertidos quanto acertar o joelho na própria nuca, uma geminiana paulista faz a única goiana verossímil e interessante. Inicialmente parecia ser uma personagem fútil e perversa, mas está fazendo um bem imenso a uma novela idiota, fazendo os personagens de água e sal que seriam os protagonistas ficarem ainda mais bobos. Se recebesse um pouco de atenção, se tornaria uma filial brasileira da Paola Bracho.
Vai fundo, minha aprendiz de desprezo!

  Não, eu não sou do fã clube de Viviane Pasmanter, sou um apreciador do que é bom. Após tantos anos tendo seu aspecto jovial explorado para fazer lolitas malvadas, mesmo já adulta, a mulher agora faz uma mãe de adolescentes, que cuida (mesmo que de modo belicoso) do pai senil a quem parece ter puxado sua personalidade escorpiana e debochada, e tem uma cobra como bicho de estimação. Aliás, ela educa seus rebentos muito melhor do que as outras mães da novela, aquelas bananas. O que ela faz para viver eu não sei, esses autores não parecem gostar do trabalho diário e deixam isso claro no pouco espaço que dão ao ambiente laboral.

  Não bastasse ser bonita, Viviane emprega muito bem sua carinha de desconfiada profissional à personagem, destacando-a ainda mais de gente que parece olhar para o nada o tempo todo. Uma personagem que deveria ser antipática e totalmente nociva na trama, passou a ser a única com os pés no chão, com emoções minimamente maduras e coerentes. Como foi criada para ser má, a personagem acaba recebendo uma atenção bem mais carinhosa da direção, não só do autor. Mas como os personagens sempre se desvirtuam no decorrer da trama, ela deixou de ser essencialmente uma vilã, agora tem seus momentos de maldade, mas é uma maldade absolutamente necessária para puxar os outros para a realidade.

  Ela tem expressividade, não faz a mesma cara do início ao fim do capítulo, como se fosse um manequim de vitrine, o que até faz bem para a actriz, porque mostra que aquela carinha bonita não se segura às custas de toxina botulínica. Sabem aquelas pessoas que há muito já trocaram o pancake pela argamassa, para disfarçar rugas e flacidez? É esse tipo que vira personagem de novela, mas Viviane tem conseguido fugir dessa armadilha. Não é só arreganhar boca e estufar os olhos, é dar vida à expressão, e dar vida à expressão inevitavelmente faz as marcas e rugas aparecerem, mesmo que elas sumam depois. Gente de verdade tem marcas de expressão, ainda que elas só apareçam quando a expressão está em uso. Até a Barbie da animação digital já exibe algumas, quando exagera na expressão!

  Até agora a menina malvada tem sido a única goiana do elenco que me faz reconhecê-la como tal. Ainda não a vi preparando arroz com pequi, frango e guariroba, ela é rica, tem quem faça isso por si, mas a brejeirice espontânea dela não faz apenas parecer uma goiana autêntica, faz os outros parecerem ainda mais falsos. Não conheço a actriz, mas deve ter uma personalidade muito forte, para não ter sido contaminada com as neuras do autor, que até agora tem demonstrado um desconhecimento de causa muito grande; como praticamente TODOS os seus colegas. Desperdiçar o talento da Julia Lemmertz já deve ter sido o suficiente para ele.

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