sexta-feira, 22 de abril de 2011

Um dedo de prosa - 80


Sete anos de oitentismo puros!
 A respeito do revival dos anos oitenta, com ênfase no brega escancarado, eu acho pouco. Não que eu tenha sido rico e feliz naquela época, mas tínhamos acabado de sair de uma ditadura e não desconfiávamos que acabaríamos caindo em outra, a da patrulha do politicamente patético. No início era um movimento sincero, mas logo se corrompeu assim que viu o poder rapidamente ganho. Processa-se qualquer um por qualquer cousa. Foi um tempo em que ser machista ou racista era sinônimo de ser um completo idiota, hoje se tornou sinônimo de "movimentos de direita".

Algo que a década já balzaquiana nos legou, foi a música descompromissada, feita para desestressar e mandar todo o resto para o escambáu. Foi uma época em que muita tranqueira saiu do forno, do mesmo forno que nos deu a música descompromissada, que não se levava à sério. O vinil era o mesmo, mas tranqueiras sempre pegam carona no trem do sucesso, seja qual for.

Foi o auge da finada TV Cultura, das roupas coloridas, da explosão das bandas que rompiam de vez com os formatos dos anos setenta, além de roupas com cortes muito esquisitos. Esquisitos, mas alegres. Ninguém estranhava, ao contrário da década seguinte, se tu saísse de casa com tons cítricos misturados a um rosa choque. Parece ridículo? Às vezes era, mas muita gente sabia unir com maestria essas cores difíceis. Os homens exageraram nesta época, usando o dobro de tecido para fazer um terno, era moda "defunto gordo" que jovializava o traje social, às vezes em excesso.
Os anos oitenta já figuram no conceito de vintage.

A diversidade, porém, era a tônica. O xadrez e o pie-de-poule tinham voltado à tona e ainda hoje resistem, mas nos cortes da época deixavam a mulher poderosa, com ar de princesa. A propósito, o casamento entre Charles e Diana ainda ia bem, suportando as pressões internas, e o romantismo crescia na mesma proporção em que os biquínis encolhiam. A sobriedade das estampas não ofuscava a alegria e fluidez dos modelitos, mesmo os mais colados pareciam ter movimento. Essa alegria toda, da chamada "Geração Saúde", acabou contaminando a moda, os artistas e tudo mais. As modelos, para quem não se lembra, ainda eram vistas como modelos de beleza e não como vitrine para glamourizar o uso de drogas, como aconteceu com a malfadada época do "heroína chique" e suas esquálidas menininhas.

A tônica dos artistas era de se levar o trabalho à sério, nunca o seu resultado. Disto nasceram Ultraje à Rigor, Kid Vinil, As Patotinhas, Blitz, até os Mamonas Assassinas beberam nesta fonte.
Nas artes graphicas tivemos a consagração de gênios como Laerte Coutinho, Angeli, Glauco e Adão Iturrusgarai. Artistas novatos recorriam até à xerox de altíssimo contraste para compor fanzines, conseguindo efeitos muito bons com quase nenhum recurso. Imaginem toda essa parafernália digital ao alcance deles!

Uma década, na verdade do factos, dura de três a seis anos, no miolinho. Antes disso tem muita influência da década anterior, depois começa a se transformar na próxima. Os anos oitenta purinhos vão de 1982 até 1988, mais longevos do que a média. Neste período, ainda que sob ameaça de uma guerra nuclear, tivemos a última chance do optimismo mundial. Michael Jackson alcançava o status de rei do pop, tendo Madona como rainha e Cindy Lauper como a duquesa rebelde. Estavam ascendendo. Annie Lennox, Roxette, Air Supply, U2 e uma miríade de garotos firmava pé no sucesso. Gente que ainda hoje está na activa, mas alguns já deram o que tinham que dar, sejamos sinceros.
A Xuxa vem desta época. A Angélica também. Mas programas infantís realmente infantís, como Carrossel e Bambalalão também. Aliás, Carrossel foi título de uma novela mexicana que marcou o fim do reinado absoluto da Globo, e abriu caminho para as tosqueiras que o SBT importa até hoje. Mas a maioria das novelas ainda valia a minha audiência.

Menudo, Dominó, Polegar, Tremendo e outras tranqueiras ficaram no caminho. Pensei que nunca fossem ter fim, mas Deus é maior.


Mas o importante dos anos oitenta, é que as pessoas não tinham vergonha de sua alegria, nem se exigia um motivo para se estar alegre. Um sujeito com o walkman nos ouvidos era geralmente um sujeito feliz. As músicas de então ainda valiam à pena, as antigas ainda eram baratas de se comprar e a fita cassete gravava qualquer cousa, qualquer mesmo, não existia esse negócio de incompatibilidade. Se tu colocar um gravador analógico na saída de som do computador, do iphone ou qualquer desses brinquedos que te algemam à loja da marca, o que sair de lá ele grava, depois é só redigilalizar e limpar, se quiser. De graça.
Claro, uma década tem prazo de validade, no máximo dez anos. Mas por que tudo o que ela tem de bom precisa ficar no passado. Por que?

2 comentários:

Nanael Soubaim disse...

Ninguém gostou, penso em deletar.

Adriane Schroeder disse...

NNão deleta, não!
Eu amei, só não pude comentar ainda, estou com a vida um bocado corrida, mas pretendo voltar à ativa em breve!!!
*0´s é um assunto muito bom, Nanael!