sexta-feira, 20 de julho de 2012

A síntese do cavalheiro: Tony Bennett

Existem productos que se vendem sozinhos. São aqueles que, com poucas actualizações ao longo do tempo, que não lhes tiram o caráter marcante, dispensam maiores campanhas publicitárias, poupando assim o seu público de ser enganado pelas agências. São productos que aliaram a altíssima qualidade com o carisma e a facilidade de compreensão, combinação rara e geralmente desprezada por marqueteiros ditos antenados. O cantor Tony Bennett é um desses productos.

Seu nome não nega a ascendência, Anthony Dominick Benedetto nasceu em Astoria, no Queens, Nova Iorque, no auge dos anos loucos, em três de Agosto de 1926. A quarta-feira negra se deu pouco antes de ele se entender por gente. Talvez por saber bem das conseqüências de uma economia especulativa, preferiu trabalhar até onde ag6uentasse, e continua firme até hoje, dando shows pelo mundo inteiro, inclusive no Brasil, em 2009, sua única visita profissional ao país. Como não poderia deixar de ser, Goiânia ficou de fora.

Um dos poucos artistas dos quais é arriscado falar mal em público, porque os fãs sabem quem ele é e geralmente consideram-no um membro da família, o filho de Anna e John Benedetto se envolveu com a música desde cedo. O tio Dick, dançarino de sapateado, em uma época em que milhares deles dançavam por comida, lhe deu a primeira oportunidade. Está desde os dez anos na estrada.

Um dos, se não o, mais marcante episódio de sua vida, foi a Segunda Guerra Mundial, em cujos estágios finais lutou contra a pátria de seu pai, em Novembro de 1944. Uma guerra pode te destruir em vida, bem como pode te transformar em uma criatura infinitamente mais evoluída, isso independe de capacidade de luta, pouco depende da maturidade psicológica e nem sempre uma boa religiosidade ajuda, é preciso ter alguma sorte de cair nas condições correctas, como um comandante que não almeje a glória pessoal a qualquer custo, integrar um batalhão coeso e bem relacionado, bem como contar com o "acaso". Voltou em 1946.

Apesar do talento patente e da competência posta à prova pelo tempo, ele não é um cantor meramente intuitivo, estudou pintura e música na Hight Scholl of Industrial Art, onde desenvolveu suas técnicas próprias. Aluno dedicado, que caiu de amores por sua arte desde o início, mas com os pés no chão, sabia que a fama pode ser (e quase sempre é) efêmera. Após a guerra entrou para o American Theatre Wing, onde estudou belo canto, ou seja, se aprimorou ainda mais; teve toda a sorte de que já falei ser necessária e voltou da Europa um homem novo, embora com as mesmas raízes do rapaz que foi lutar. Aceitou de bom grado as sugestões de seus professores, para o refino de seu talento, como imitar outros cantores, inclusive seu futuro amigo Frank Sinatra; aquele que se recusou a se hospedar em um hotel, por ter barrado como hóspede um de seus músicos, que era negro. Algo que ambos tinham em comum, era a intimidade e pessoalidade com seus colegas, não preciso dizer que isso ajudou muito a criar grandes amigos e inimigos; as ligações com a máfia, não necessariamente com seus negócios, são verídicas.

Começou seu sucesso já maduro, aos vinte e seis anos, em 1950, assinando com a Columbia Records. Casou-se em 1952 com Patricia Beech, estudante de jazz e sua fã. Normalmente fãs e ídolos não se dão bem no m atrimônio, a intimidade revela traços que os holofotes ofuscam. Tiveram dois filhos, D'Andrea em 1954 e Daegal 1955, ano de seu primeiro long play. Sua competência, acimentada nos clubes noturnos, era atestada em uma época em que os microphones eram muito menos sensíveis que os de hoje, exigindo uma voz empostada e potente, não um ou outro, mas ambos. Além de amigo, era o parceiros mais lucrativo de Sinatra, a quem conseguia incentivar e dar um pé nos fundilhos, quando desanimava. Então já era um cantor internacional. Na época era um feito para poucos.

Seu prestígio se manteve mesmo quando o rock surgiu oficialmente, em 1955, ano em que a solidez das carreiras foi posta à prova, alguns aderiram e outros sucumbiram á criação de Bill Harley. Bennett não só resistiu, como foi um porto seguro para os que, por muitos anos, ficaram assustados com a novidade barulhenta.

Nos anos sessenta, com a invasão britânica, capitaneada por Jhonn Lennon e seus corsários malucos, mais gente caiu e ele permaneceu, ficando como que um tecodonte entre os que hoje são os dinossauros do rock. Mas mesmo ele e Sinatra não poderiam sair ilesos da investida dos Beatles, começaram a ser vistos como cantores quadrados, com músicas de velhos, ídolos da vovó e assim por diante. Só recuperariam o brilho original nos anos noventa, quando o povo percebeu que a garotada de então não dava (e continua não dando) conta do recado. A gavadora e amigos o pressionaram a entrar na onda, ele tentou e o resultado foi desastroso.

Activista dos direitos civís, arriscou o pescoço recusando-se a cantar na África do Sul em 1965, apoiando uma passeata pelo fim do apartheid, que só aconteceu mesmo em 1994, sob protestos veementes dos conservadores. Mas ele viveu para ver o regime cair e mostrar, com toda a população humana do país sendo reconhecido como cidadãos, que a áfrica do Sul não era tão desenvolvida quanto a antiga situação se iludia para acreditar.

Longe de ser um bicho-grilo, Bennett  é um cavalheiro à moda antiga, do tipo que manda flores e chama de "minha querida" a sua esposa. Mas estamos falando de um ser humano, como tal ele falhou. Teve problemas com cocaína nos anos setenta, em 1979 chegou perto de uma overdose, alegadamente causada pela depressão e pelo desespero, ele chamou os filhos dizendo "Olha, estou perdido aqui! Parece que as pessoas não querem mais ouvir a minha música!". Todos os cantores clássicos estavam em relativas dificuldades, foi uma década de tanta experimentação, que ser singelo e despretensioso tornava-se um diferencial gigantesco, mas a pecha de antiguado ainda manchava a imagem de Bennett. Agravava o processo de divórcio, que se estendeu de 1965 até 1971, sendo acusado, e processado, de adultério por Patrícia. Seu filho D'Andrea, o Danny, limitado musicalmente, mas um excelente administrador, passou a cuidar dos negócios do pai.

Ressurgiu em 1986, quando voltou à Columbia Records e sua carreira voltou a brilhar. Não que tenha sido interrompida, mas o velho soldado voltou a ver seus esforços darem frutos. Ironicamente, Danny percebeu que o mesmo público que rejeitara seu pai, em nova geração agora o reconhecia como monstro sagrado da música popular. Passou a trabalhar junto à, e aqui este expressão é cabível, juventude. Foi quando a cultura retrô e vintage começou a ganhar corpo e as cousas boas do passado passaram a ser reconhecidas, deixando-se as ruins no túmulo de onde podem ficar até serem consumidas pela terra.

Bennett ajudou muita gente, mas muita gente mesmo! As figuras mais recentes foram a saudosa Amy Winehouse e a performática Lady Gaga, que em dueto com o bardo, mostrou que tem muito maias talento do que o marketing e o personagem permitem transparecer. O repertório dele é vasto, mas "I Left My Heart in San Francisco" de 1962, ainda é seu hino.

A lista de condecorações é extensa: Medaçhão de Bronze de New York City (1969), sua estrela na Calçada da Fama, seu none na seleta Big Band and Jazz Hall of Fame, sete "Doutor Honoris Causa" de 1974 até hoje, fora haver quatro livros oficiais só a seu respeito, inclusive a auto biographia, enfim, é um nobiliarca na república mais sólida do mundo.

Pai de quatro, de dois casamentos, com Patrícia Beech e Sandra Grant, esta de 1971 a 1984, e hoje casado com Susan Crow. Bennett enterrou um sem-número de amigos, e de inimigos também. Estes nunca tiveram muita voz. O cavalheiro desfruta do respeito de uma geração que estava desescarnando quando ele começou a cantar, e não conheceu seu auge sobre a terra. Somando-se a isso o séquito de fãs que conseguiu manter, e amigos que ajudou, pode até soar estranho quando ele diz que sua ambição é ficar velho. Mas é verdade, não há ambição maior para quem retomou uma parábola ascendente, com tendência para uma reta vertical, do que envelhecer e ver suas amarguras ficando lá atrás, no passado, enquanto desfruta dos louros de seu trabalho. Apesar de tudo, de todo o sofrimento, de todos os lutos, de todas as lutas, ele reconhece que a vida foi boa.


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