Uma das particularidades do meu emprego é o contacto freqüente e quase directo com faculdades da área de pharmácia. Que desgraça, meus amigos!
A incompetência já comum em qualquer profissão é realçada pelo lema "Pago, logo passo". A incapacidade de interpretação de textos é um insulto, não bastassem os "imterpretasão" que já vi escritos por formandos, muitos só conseguem ler literalmente. Se isto já é um problema em qualquer área, imagine em uma Vigilância Sanitária, onde a lida com leis é parte da rotina. Interpretar leis ao pé da letra é como comprar um guarda-chuva de aço, quando se ouve que "vai chover canivete".
Cálculos? Só os renais.
Mas a onda de incapacitação profissional vai muito além dos cursos de pharmácia... Aliás, se virem isto lerão "p-rarmácia" ou "pra Márcia". E é essa gente que vai interpretar receituário médico ou mesmo dosar formulações com princípios activos, coadjuvantes e veículos, se o médico tiver cometido um erro (grandes chances se vir de uma Unicoiser da vida) ele não saberá corrigir ou ligar para confirmar a dosagem. Donos de drogarias já estão se aproveitando desta incapacidade para pagar pouco e garantir que o (i)responsável técnico vai empurrar qualquer cousa para o cliente, até camisinha para monge budista. Lembrando: o responsável técnico de uma drogaria ou pharmácia cai facilmente nas leis contra o tráfico de entorpecentes. Eles não pesam os riscos da profissão.
Certos de que o diploma virá, uma parcela assustadoramente grande dos estudantes está negligenciando o aprendizado, o aperfeiçoamento e a diversificação acadêmica, tripé que garantiu a revolução científica do início do século passado e está fomentando as inovações tecnológicas deste início de século. A negligência se vê nos autos de infração que saem em profusão e diáriamente, alguns simplesmente porque o engomadinho não vê necessidade de uma lixeira com pedal para o banheiro de uso público, na empresa.
Agora a justificativa do título. Estamos no limiar do insuportável para a falta de mão-de-obra competente. Milhares de vagas, só em Goiás, estão sendo preenchidas por gente de fora, até por imigrantes. Não é só questão de diploma, isto, como disse acima, qualquer um que faça uni-duni-tê no vestibular de uma faculdade particular consegue. A questão é a completa falta de conteúdo de nossos formandos. Há países que deixam a educação em segundo plano, mas negligenciar como o Brasil, só o Brasil. A praga da aula por videoconferência deveria ter facilitado a vida de quem quer estudar em instituições renomadas, mas só fez reduzir ainda mais os custos das medíocres. Até eu tenho computador com webcam (que nunca usei, confesso), então até eu poderia dar aulas para qualquer um em qualquer parte do mundo. Até as provas são unificadas e impressas em graphicas, o que facilita tanto a fraude que não há como não pensar que não ocorra a todo instante. Há faculdades antigas que gastam com divulgação, só pra alertarem os candidatos que elas não têm nada a ver com outras quase homônimas.
Sim, temos faculdades sérias, as que existiam antes de o Ministério da Educação abrir as pernas para qualquer especulador que queira ganhar dinheiro fácil e rápido. Escrevi no blog Talicoisa (aqui) um texto satírico a respeito, que arrancou risos, mas as cousas pioraram muito de lá para cá. Toda aquela fanfarra de punição e fechamento de cursos ainda não surtiu os efeitos que deveria surtir, e com todo mundo de olho na copa (enquanto o Senado refaz tudo o que foi obrigado a desfazer no início do ano) o caso vai sendo esquecido. Ter um diplominha de licenciatura de uma Universidade Federal (mesmo sucateada) ou uma PUC vale mais do que muitos doutorados, simplesmente porque tem mais conteúdo e mais alicerce. O problema é que muitos cursos da primeira são totalmente diurnos e as vagas são escassas. Gratuita, mas quem trabalha dificilmente pode usufruir.
A indústria nacional está travada não só pela burocracia estúpida que cresce na gestão de indicados políticos, mas também pela falta de mão de obra. Os sindicatos caem de pau se alguém começar a importar engenheiros da Alemanha, mas infelizmente é o que precisaremos fazer muito em breve. Porque mesmo que a situação se reverta agora, vão seis anos no mínimo para fazer efeito. O transporte público de Goiânia é vítima de algo assim, já ouvi aberrações de técnicos, mas provavelmente os donos das empresas mandaram que soltassem as asneiras.
Ainda raciocinando como se o Brasil estivesse sob reserva de mercado, poucos estão vendo corporações estrangeiras comprarem empresas nacionais, colocando gente sua nos cargos de comando e reduzindo a mão-de-obra local à condição subalterna. Mesmo as que têm política de valorização dos nativos (como multinacionais brasileiras) estão precisando fazê-lo, porque o brasileiro sabe de cór o esquema tático da seleção dos Estados Unidos, mas não faz idéia do poder de fogo que suas empresas ainda têm. Eu conheço e digo, eles fazem nossos leões miarem fino e baixinho. Seus profissionais mais estúpidos não fariam feio entre os nossos, até os puxa-sacos deles precisam ter muito mais conteúdo do que o nossos para garantir seus empregos.
É notória em Goiás uma série de histórias de japoneses que vieram, compraram terras que ninguém queria e rapidamente estavam tendo lucros. Por que? Porque no país de onde vieram eles aprenderam. Quem fez lá o equivalente ao nosso ensino fundamental, tem muito mais com o que se virar do que a maioria dessas faculdades caça-níqueis oferece. Eles aprenderam mesmo a tirar da terra o que ela pode oferecer, e dar à terra condições para isso, não apenas tirar e abandonar quando não conseguir mais. De onde suponho que a perpetuação da piadinha sobre a genitália dos japoneses é só despeito, tenho uma colega descendente e casada com um, ela desmente na hora e revira os olhinhos. Aliás, não só os japoneses, o pessoal da Região Sul está fazendo a festa e enriquecendo muito com a nossa incompetência. Goiás, hoje, produz uva quase o ano inteiro e com muita qualidade, graças à patota que fala com as mãos e os cotovelos. Tutti buona gente.
O índice de desperdício na maioria das nossas manufaturas é estarrecedor, e poucas aproveitam ou vendem suas sobras para fundição. Fora que a qualidade da usinagem (quando a máquina corta e modela o metal bruto) é feita na base do "mais ou menos tá bom". Quando metalúrgicos bávaros começarem a aparecer, empresas fecharem e chefes de produção irem para o torno, todo mundo vai piar, reclamar das potências imperialistas estrangeiras. Mas ninguém vai se dar conta que a culpa será nossa, exclusivamente nossa. Um bom executivo de segundo escalão que passar as férias no Brasil, ainda em férias se torna facilmente dono de uma empresa, sem tirar um centavo do bolso, só planejando empréstimos com racionalidade e pagando com o lucro que o antigo dono jogava fora, o que pode (quase certo que será) significar a demissão de todo um corpo de directoria.
Diploma já não é mais atestado de cultura, pelo contrário, dependendo de onde tiver saído se torna prejorativo. Tem gente formada, asseguro, que pensa que metro quadrdo é para ambientes quadrados, que o Maracanã se mede em metros redondos. então o Edifício Copan (aqui) seria em metros tortos? Metros cobrinhas? Metros em curva? Não sei. Sei que a insignificância da formação de nossos profissionais legará ao brasileiro a fama de burro de carga divertido, porque é só o que a maioria de nós está apta a fazer em escala global. Sim, para quem não sabe nós vivemos em um planeta, existem países neste planeta e muitos deles já começaram a exportar profissionais de primeira linha para cá, muitos destes profissionais já perceberam que não damos conta do recado e estão trazendo auxiliares de seus países; alguns deles já são chefes de seus antigos contractantes. Depois não me venham com xenophobia, isto é desculpa de incompetente.
Existe sim pressão, existem interesses, existem conspirações, os sanduíches de lanchonetes de fora têm sim gosto de papelão amanteigado. Mas diz o ditado que cachorro não entra por porta fechada, e a nossa porta profissional está arrancada do portal.
No andar da carruagem, em breve o Brasil continuará sendo país de brasileiros, mas sob comando aberto e directo de imigrandes e seus descendentes. Sabem de uma coisa? Bem feito para nós. Quem mandou votar e não dar a descarga direito?
2 comentários:
Metros redondos??????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????
Ca-ram-ba!!!!!
Mas eu também tenho algumas histórias tristes de professores para contar. Muito tristes.
Ah, o texto é ótimo, como sempre. Bora montar definitivamente a Unicoiser?
O pior, querida, é que me refiro não só a niversitários, mas também a mestres e doutores... Vamos aprender idiomas, para dizer um "sim senhor" na língua do chefe.
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