sexta-feira, 8 de julho de 2011

O ocaso da comédia


Houve época em que o humor era livre. Ironicamente, durante a ditadura havia mais liberdade dentro das emissoras do que hoje, para o humorismo.

Houve época em que um programa de humor podia satirizar programas de outras emissoras, imaginem os programas de dentro.

Os humoristas eram exímios parodiadores de actores e cantores de sucesso. O escracho corria solto e o riso ia atrás, se molhando de tanto "ra, ra, ra". Era para os outros artistas um bom negócio ser parodiado, ajudava a vender ingressos, discos, até mesmo os productos que eles anunciavam. Famílias inteiras ficavam à espera dos programas de humor começarem, dos oito aos oitenta anos, sem medo de que uma piada pudesse perverter o caráter das crianças. E asseguro que as roupas da época eram bem curtas e justas.

Houve uma excelente safra de humoristas até início dos anos noventa. A última foi o Casseta e Planeta, que enquanto teve liberdade conseguia arrancar suor de tanto seu público rir. Rapidamente descobriram que citar, ainda que por alto, a programação de outras emissoras era considerado crime hediondo. Concentraram-se na programação da casa. Foram uns poucos, mas profícuos anos de dores de barriga, motivação para ficar acordado até um pouco mais tarde.

Mas a vaidade e a incapacidade de receber críticas acabou com a festa, e o poder humorístico começou a declinar. Ninguém trabalha a contento sem liberdade para pazer o que sabe, mesmo um torneiro mecânico sabe disso. Sabe que há uma diferença entre regulamentar os procedimentos e engessar um bom profissional. Foi isto que fizeram com o humor.

Começou com gente que se aventurou em novelas e se enchia de "não-me-toques". As paródias ficavam tão mais interessantes quanto mais se reclamava delas, mas também crescia a pressão para a censura interna, que acabou ocorrendo. Um se achou no direito, todos também se acharam e os risos deram lugar à perplexidade, com a vontade de mastigar o televisor, de raiva.

As moçoilas, digo, os garotos do Casseta e Planeta, todos muito alegres, beberam na fonte de outro programa épico, o TV Pirata. A trupe pirata chegou a satirizar novelas de outras emissoras, garantindo altíssimos índices de audiência à casa onde trabalhavam. Era o auge dos anos oitenta, da hiper inflação, da miniaturização dos biquinis. A liberdade da televisão parecia excessiva a muita gente, era justo regulamentar, mas com o tempo o que se fez foi amordaçar mesmo, porque programas de mau gosto e deliberadamente ofensivos estão no ar, mas os "regulamentadores" não os incomodam. O mundo-cão é deixado solto, enquanto o mundo-riso ficou na memória de quem o conheceu. Sem humor de qualidade, os programas de baixaria passaram a polarizar a audiência do público mais simples, e com o tempo também os ditos mais esclarecidos. Se antes ria-se do exagero humorístico, hoje ri-se da pessoa sendo ridicularizada em público, à sério, via satélite. Ria-se do contexto, ri-se do indivíduo.

A televisão foi invadida por piadas fracas, excessivametne contextualizadas, que abusam de bordões apelativos e pecam ainda mais por serem longamente explicadas pelos seus contadores. De piada que não se entende hoje, um dia se ri. Piada que não se entende e te explicam, um dia vida philosophia de botequim, mas nunca arranca risos de ninguém.

No andar da carruagem, um dia o expectador será processado se não rir sonoramente de uma piada ruim, de um porgrama ruim, com um elenco ruim.  Porque as piadas estão caminhando para a completa alienação, tomando os extremos como balizas, o do tão inofensivo que não faz efeito, e o do propositalmente ofensivo. Ente os dois, os programas de mundo-cão e baixarias de família ganham o espaço que já foi do humorismo.

Não delongarei em explicar as implicações de os melhores humoristas estarem velhos ou já de pés juntos, pois quem discerne sabe o quanto isto agrava a situação. Apenas declaro o meu direito reservado de não dar audiência à televisão de hoje, não que uma só pessoa faça falta às emissoras, mas a falta das emissoras faz muito bem a esta pessoa. Não me darei o trabalho de me adequar aos "novos tempos", porque eles nada mais são do que a idade média em roupagem contemporânea.




Mais TV Pirata, cliquem aqui e rachem o bico de rir.

2 comentários:

Adriane Schroeder disse...

Eu era apaixonada pelo TV pirata e amava a novela Fogo no Rabo, morria de rir com o Barbosa.




Barbosa!

Nanael Soubaim disse...

Rir... Barbosa...