sábado, 14 de novembro de 2009

Crônica de Lambretta

Era uma Lambretinha comum, do tipo que até há dez anos era comprada com o troco da padaria, mas hoje vale o mesmo que uma motocicleta pequena.
A moça viajava de carona, sentada de lado, sem medo de se queimar no escapamento, nem de se ferir com os raios da roda traseira. Primeiro porque a roda, bem pequena, está oculta sob o veículo; segundo porque o escapamento, bem curto, está oculto sob o veículo.
Interessante que pouca gente se dava conta da cena. A moça de beleza singela, nos seus joviais trinta e poucos anos, usava um longo vestido branco rodado. O rapaz também estava a caráter, mas da mesma forma que se ignora o noivo em um casamento, também estava o meu grupo interessado na figura da moça.
Não era uma beleza extraordinária, mas estava extraordinariamente bela com os cabelos presos por um laço, sapatos delicados e pose que uma motocicleta não permitiria.
Talvez por estar ciente das limitações de sua condução, o rapaz não respondia à provocação de um garotão em uma motocicleta de entrega, que acelerava insistentemente. Bastou a moça fazer cara de nojo e ele acelerou, furou o sinal, deixando o casal em paz. Mas onde está um guarda de trânsito numa hora dessas?
O vento moderado lhe balançava a saia do vestido e as anáguas. Uma senhora que parecia querer atravessar o vidro do supermercado, se mostrava admirada com o facto de ela usar anáguas. Pareciam brumas a esconder um tesouro secreto, de um tempo em que era um tesouro secreto. A menina ao seu lado, talvez sua neta, achava "uma gracinha", mas não deu tom de que dispensaria suas calças ultra baixas, não enquanto suas amigas estivessem olhando. Eu nem sabia que ainda se vendiam anáguas!
A cena me lembrou algumas passagens de Roman Holiday. Mas foi um delírio saudosista. Audrey é que era mulher de verdade. Provavelmente aquela moça era, pelo menos, fã do trabalho da diva, se parecia com ela.
A Lambretta começou a pipocar mais frenética e saiu com o sinal verde. A saia balançando, as anáguas esvoaçando como um rastro de névoa e todo mundo voltando às compras.
Felizmente existem dvds em supermercados.

4 comentários:

Adriane Schroeder disse...

Poético!
Mas só andaria numa lambreta de capacete. E agora o povo a chama de scooter. Ê mania besta de mudar o nome das coisas...!

Nanael Soubaim disse...

Lá fora o nome é scooter mesmo. Soa mais agressivo e mercadológico do que motoneta.

Adriane Schroeder disse...

Eu pretifo Lambreta. Ou motoneta.
Agressividade não combina em nada com ela.

Nanael Soubaim disse...

Já estão replicando a Romi Isetta, quem sabe seria interessante uma réplica da Lambrettona também, talvez uma versão eléctrica opcional... Quem sabe.