sábado, 6 de fevereiro de 2010

O que aprender com o crime


Não. Antes que alguém tenha um ataque histérico (ou escrotal), não estou defendendo nem mesmo elogiando os criminosos. Este texto apenas mostra porque o crime organizado parece funcionar tão bem, enquanto o poder público instituído parece ter tomado uma overdose de sonífero. Dentre os muitos motivos, cito alguns dos principais:


  • Primeiro porque é organizado. As comunicações são eficientes e seus integrantes se entendem, não há quebra de hierarquia sem punição exemplar e o objectivo de cada um é fazer tudo funcionar. Precisou agir, se age. Não se extraviam documentos e não se aceitam desculpas para o erro;

  • Segundo porque não há favorecimentos. Se alguém consegue produzir tem recompensa, se não consegue não tem. Simples assim. Pode ser um figurão na organização, se der palpite errado terá, no mínimo, que prestar satisfações formais ao grupo, às vezes até à comunidade em que se instalaram;

  • Terceiro porque não há burocracia. A documentação é a mínima necessária e o que já foi apresentado não será exigido novamente. Ninguém fica sem trabalho por isto, apenas se passa muito rapidamente da papelada para o "trabalho" propriamente dito, e este é estimulado. Sem os excessos dos documentos supérfulos, que facilitam fraudes, todas as decisões são ágeis e precisas, deixando mais tempo e recursos para o que realmente interessa;

  • Quarto porque não há conflitos de interesses. Quando se precisa comprar armamento, se compra armamento; quando se precisa comprar viaturas, se compram viaturas, mas carros de verdade, não bolinhas com motores de mil cilindradas e sessenta e seis cavalos. As decisões de compra são tomadas com base nas necessidades, não há margens para preceitos pessoais emperrarem o que precisa andar, até porque cada área é regida por profissionais competentes, não leigos burros da base aliada;

  • Quinto porque existe lealdade (ainda que na marra) à organização. Se alguém disser que vai dar o seu pior para atrapalhar as decisões do maioral, na mesma noite estará falando bobagens ao capeta. Não gostar do outro não é motivo para emperrar o progresso do grupo. É comum matar o chefe para tomar seu lugar, mas enquanto ele for o chefe, haverá respeito e presteza às suas ordens;

  • Sexto porque não há corrupção. Desviar verba é suicídio. Sempre haverá alguém que denuncie, de olho no cargo, o meliante. Ninguém atrapalha as investigações internas, ser amigo ou parente não livra a cara e tudo é rápido, não se perde tempo com trâmites fúteis. Os membros do grupo agem sabendo que terão satisfações se alguém lhes prejudicar, seja quem for;

  • Sétimo porque as leis são simples e calaras, não dando margens para interpretações, porque interessa ao comando que seus membros saibam de cór seus direitos e deveres, porque nenhum advogado vai safar quem descumprir as regras, ainda que seja alguém querido no meio.

Foi muito triste para mim, há cerca de dois anos, perceber que o modelo ideal de administração pública está entre os criminosos. Vivo sendo atrapalhado por gente que não quer trabalhar, outros que vivem ligando para o sindicato para saber se há alguma greve agendada, já de olho em algum ponto turístico, por pessoas que inventam burocracias torpes para afagar seus egos (estou sendo gentil, não falarei de cousa pior) megalomaníacos. Poderia faltar ao trabalho por três dias sem ter que dar satisfações, mas as muitas horas extras que já tenho não interessam a ninguém, na verdade nem são computadas, já que não serão pagas mesmo. Ou seja, me pagam para não trabalhar, talvez seja o que estou fazendo de errado.

Elogios pelos meus serviços já recebi, mas elogios não custeiam minhas necessidades, não facilitam meu trabalho, não curam lesões por esforço repetitivo, nem mesmo me interessam. O que preciso é de resultados.

Como eu há muitos, muitas pessoas que já pensaram em abandonar o serviço público e de vez em quando voltam a cogitar. Porque gente que trabalha e faz tudo funcionar, não é interessante nem mesmo para o tolo eleitor, que gosta de barulho e confete. Como eu há muitos que não se conformam, sabendo que qualquer ladrãozinho na cadeia recebe mais recursos do que nos pagam de bruto.

2 comentários:

Adriane Schroeder disse...

Amei a profunda ironia do texto, Nanael.
O crime é mais organizado e eficiente que o Estado... um dos principais problemas é a questão das vaidades pessoais.
Também ninguém me paga pelas horas extras. Quando vem um hipócrita elogiar meu trabalho, digo com um sorriso no rosto: "obrigada, mas prefiro minha parte em dinheiro".

Nanael Soubaim disse...

Estou há mais de sete anos contínuos no serviço público, com pelo menos meia hora extra por dia... Faça os cálculos. Detalhe, quem trabalha directamente em câmaras ou palácios administrativos, ganha pelo menos o triplo do que os não agraciados recebem, pela metade do serviço.