Estive pensando numa crônica divertidíssima do Luís Fernando Veríssimo (e dessa vez é dele mesmo, garanto!), em que ele brinca com o significado de algumas palavras, entre as quais o verbo "defenestrar".
Graças a Veríssimo, pude tirar uma onda com um professor da faculdade que quis zombar de mim usando o verbo, provavelmente acreditando que eu o desconhecia. Alegou que tinha defenestrado um trabalho meu, cujas correções eu gostaria de ver. Eu respondi, na lata: "Se assim tu o fizeste, caso me fosse possível, defenestrar-te-ia eu." E emendei: "Viu, professor? Fui ainda mais fresca que o sr., não só usei o verbo defenestrar, mas também a mesóclise". Sim, como disse Amélie Poulain, às vezes parece que alguém te sopra a resposta perfeita.
Mas, voltando ao tema, realmente existem palavras que parecem ter outro significado. Algumas porque realmente tinham originalmente um sentido diferente do que normalmente damos a elas, até que o tempo, a ignorância do termo original ou mesmo a criatividade foram agregando outras funções à palavra, que, em alguns casos, nem é mais usada em sua acepção original.
Cito três exemplos:
Prejuízo, tão atrelado à ideia de dano no nosso português, é uma palavra responsável por um monte de falsos cognatos, por exemplo, em espanhol e inglês. Mas a culpa, por incrível que pareça, não é dos hermanos nem da língua anglo-saxã. É nossa mesma, que esquecemos que "pré" = "anterior" e "juízo" = "julgamento", então "prejuízo = preconceito", como corretamente trazem as línguas anteriormente citadas, o que nossos dicionários mais comuns ignoram solenemente.
Revolução, que hoje associamos a mudanças, em geral bruscas, originalmente significa "re" + "evoluir", termo usado ao movimento dos astros, representava seus ciclos. Mesmo no sentido político, inicialmente também enfocava esse conceito (ciclos, voltar ao estado natural). A palavra passou a mudar e mudar, até que hoje se usa tanto o termo que uma revolução pode não ser tão revolucionária assim. Principalmente se for colocado o termo "verdadeira" junto a ela.
Sinistro hoje pode significar até algo muito bom. Originalmente, significa esquerda, no sentido de orientação geográfica. Por também significar canhoto, acabou agregando o preconceito e o medo do Diabo, que, pela clássica associação (inclusive semântica, em diversas línguas) "direito = certo" gerou seu oposto, "esquerdo/canhoto = errado". Nessa lógica, "Deus = certo", "Diabo = errado"; "Deus = direito", "Diabo = Canhoto", sendo inclusive um dos muitos nomes dados ao Ser-do-Mal. Seguindo esse raciocínio, sinistro acabou sendo associado a tudo que é mau, inclusive acidentes de trânsito. Agora, porque é que acabou significando o oposto do termo original, dizem as más líguas que vem de traduções equivocadas e/ou "moderninhas" feitas a gírias estadunidenses.
Na verdade, as mudanças fazem parte da dinâmica humana, o que, inevitavelmente, se reflete nas palavras. Ainda mais no português, língua tão rica e polissêmica. Assim, citando o clássico poema "O lutador" de Drummond:
Lutar com palavras
É a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.[...]
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue...
Entretanto, luto.[...]
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono. [...]
(Fonte: ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 17.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983. p.172-175. )
Que palavras vocês conhecem se parecem ou se tornaram outras?
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Palavras que se tornaram outras
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2 comentários:
"Homem". Palavra antes destinada ao mamífero bípede adulto, com capacidade de discernimento e capaz de assumir responsabilidade, hoje designa qualquer idiota com algo pendurado entre as pernas, ainda que um peixinho ornamental tenha mais senso do ridículo.
Ahahahahah!
Ótima, Nanael!
Sapiens nem tão sapiens, não é?
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