sexta-feira, 17 de junho de 2011

O Dom de cantar

Cantem com Deus
Eu costumo dizer que gente boa não morre, desencarna. Quem morre é o perverso.

Ontem desencarnou Eduardo Gomes de Faria, que fez dupla com Eustáquio Gomes de Faria, a famosa dupla Dom e Ravel (aqui, aqui e aqui) dos anos setenta.

Era uma época difícil, como os livrinho de história (cada vez mais "estória" do que documento) já devem ter lhes mostrado. Era tão difícil, que havia o slogan estatal "Brasil: ame-o ou deixe-o". Minas Gerais disse "fui" e exportou uma população inteira para os Estados Unidos.

A dupla gostava de cantar o amor ao Brasil, ao contrário do pessimismo reinante. O regime, vendo o conteúdo, decidiu se valer do repertório de Dom e Ravel como hinos populares, tocados em comícios, pronunciamentos de autoridades e propagandas oficiais. Mesmo assim sofreram censura.

Hoje a esquerda politipata, que tornou-se tão reacionária e cega quanto a direita politipata, festeja o passamento de Dom, que vai se encontrar com Ravel e cantar com ele a um público que sabe apreciar o amor incondicional. Essa gente não sabe, mas eles também foram vítimas de acusações sem provas e levados aos porões da ditadura. Eles também foram indenizados, pois o trauma custou-lhes a carreira, e depois a ingratidão rancorosa da nova república os legou ao esquecimento.

Eu cresci em quartéis, onde todos lamentavam a injustiça de que foram vítimas, por terem contrariado a vaidade dos protegidos do regime, quase todos hoje aliados do governo. Sim, revoltatinhos de boutique, eles contrariaram o regime que vocês os acusam de terem servido, de um modo como vocês são incapazes de imaginar

Eles também fizeram uma canção em agradecimento ao homem do campo, algo tão poético e sensível como os cornodoloridos são incapazes de fazer. Sem melodramas e sem orquestras imensas para acompanhar letras pífias.

Primeiro foi Ravel, aos cinqüenta e seis anos, em 2000, ontem Dom o seguiu com sessenta e quatro anos. Óbitos precoces, certamente acelerados pelos maus tratos recebidos. Eles eram rapazes franzinhos, na época. Tinham mais cabelo do que carne.

Provavelmente a música "Você também é responsável" ajudou a despertar a ira dos direitopadas que estavam no poder, pois tem tom de movimento social. Em uma época em que o governo chamava para si toda a responsabilidade (e poder) dos destinos do país, convocar a população civil a fazer a sua parte era altamente subversivo.



Viram? Só não fizeram escândalos infantilescos com discursos futilmente prolixos, mas a convocação à responsabilidade individual e social é clara.

Época triste. Nunca pensei que sairia de uma ditadura, onde até soldados se mostravam descontentes com o regime (eu estava lá, nos quartéis, eu testemunhei) para cair em uma ditabranda, onde os simpatizantes transformam seus "heróis" em deidades e aplaudem absolutamente tudo o que fazem.

A seguir, a homenagem que eles fizeram aos camponeses.

2 comentários:

Adriane Schroeder disse...

Adorava a música Obrigado ao homem do campo.
Mentira.








Ainda adoro.

Nanael Soubaim disse...

Obrigado ao homem do campo, que ajudou a sustentar o país na pior fase da crise mundial, que ainda persiste.