Como vocês poderão perceber durante nossa convivência aqui no Talicoisa, eu sou uma pessoa um tanto quanto confusa – ou bizarra, como vocês preferirem. Vocês já devem ter notado que meu humor sofre alterações constantes e, conseqüentemente, os meus textos também. Nas primeiras investidas aqui dixei meu lado romântico tomar conta de mim e até gostei do resultado. Semana passada já chutei o pau da barraca e hoje a coisa vai ser ainda mais diferente.
Vou falar sobre meu poeta preferido e vocês verão que de romântico o homem não tem é nada. Pra começar, meu poema preferido dele é esse, chamado “Versos íntimos”:
Vou falar sobre meu poeta preferido e vocês verão que de romântico o homem não tem é nada. Pra começar, meu poema preferido dele é esse, chamado “Versos íntimos”:
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Sutil o moço, não? Repararam nas rimas perfeitas, na métrica dos versos? Simplesmente primoroso, seguindo à risca as regras do Parnasianismo, movimento do qual fez parte (e o meu preferido, diga-se de passagem). Mas o cumprimento das regras pára por aí. Repararam no pessimismo presente em cada palavra? Um pessimismo expressado em sua plenitude, de uma maneira fantástica. “O beijo, amigo, é a véspera do escarro”.Tem coisa mais pessimista do que isso, gente?
Não me perguntem porque que gosto tanto das poesias do Augusto dos Anjos, eu não saberia explicar. Mas ele escrevia de uma maneira que mexe comigo. Talvez pelo estilo único, pelo linguajar às vezes rebuscado ou porque eu gostaria de tentar entender o motivo pelo qual ele escrevia sobre essas coisas. Ou, talvez, porque nunca nenhum poeta ou escritor se atreveu a escrever sobre o que o Augusto dos Anjos escreveu – e da maneira que escreveu. Isso me perturba, mas, ao mesmo tempo, eu admiro toda sua obra. Tá vendo como eu sou estranha? Pois é...
Pelo que eu já estudei sobre o homem (vocês sabem que eu sou jornalista, e jornalista fuça em tudo, pesquisa sobre tudo e quer saber sobre tudo) dizem que ele era um cético em relação às possibilidades do amor e falava muito sobre o “eu”, que foi sempre o centro de suas poesias. O que me intriga é que não só o amor, mas todos os assuntos que ele aborda em sua obra, acabam sempre sendo reduzidos ao asco, ao nojo. Ele se apóia em termos e palavras científicas e passa longe das palavras suaves. Não foi sem motivo que ficou conhecido como o Poeta da Morte.
Ele só teve um livro editado, chamado “Eu” (eu tenho, eu tenho!), que reúne todas as suas poesias. Quando leio e releio o livro, sempre há algo diferente, que eu não havia reparado antes. Ele revela um pessimismo atroz, suas temáticas sempre giram em torno da morte, da decomposição da matéria, dos vermes, do mórbido. Revela, ainda, e acredito que de forma mais enfática, uma visão trágica da existência. Da dele? Da nossa? Das pessoas daquele tempo? Não sei. Só sei que Augusto dos Anjos foi um poeta singular, eu diria até único, com um estilo jamais visto na literatura brasileira – e talvez mundial, eu me atreveria a dizer. É, sem dúvida alguma, meu poeta preferido. Só queria saber, por alguns instantes que sejam, o que se passava na cabeça desse homem, que morreu cedo, aos trinta anos de idade, em 1914. Fico imaginando o que mais ele teria produzido se tivesse tido mais tempo por essas bandas.
Pra vocês, mais uma poesia desse paraibano. Mais uma das minhas preferidas, dentre todas as escritas por ele. Essa se chama “Psicologia de um vencido” e é simplesmente sensacional:
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme -- este operário das ruínas --
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
É ou não é uma coisa de louco? Você conseguiria usar esse monte de palavra estranha tudo junto assim? Eu não!
Acho que o assunto não encerra aqui. Acredito que eu ainda volte a falar sobre Augusto dos Anjos no Talicoisa. E, quem sabe, não consigo arrebatar mais algumas pessoas para o rol de admiradores de sua obra por aqui. Já fico satisfeita se consegui despertar a curiosidade de vocês.
4 comentários:
Muito legal você falar sobre o Augusto dos Anjos, são poucas as pessoas que conheço que gostam dele, na minha opinião ele não chegava a ser pessimista, apenas via ou representava a vida por uma ótica oposta aos dos outros, masi pra realismo cru que pra pessimismo.
Eu também gosto muito do Augusto dos Anjos. E creio, sinceramente, que esses rótulos escolares é que fazem com que ele seja entendido como um pessimista. Como disse o Dark no comentário aí de cima, também o vejo como um realista. As imagens que ele cria, usando esse vocabulário científico, são de uma beleza sem par.
Eu tenho o livro do Augusto dos Anjos perdido em algum lugar... Gostava dele na adolescência, porque era um poeta diferente, nada meloso. Totalmente rock'n'roll!
Sou formada em Letras e sempre fui apaixonada pelas obras de Augusto dos Anjos desde a época do colegial. Agora estou fazendo uma pesquisa justamente sobre o pessimismo presente nas obras dele, pesquisando acabei encontrando o blogg. Amei, parabéns! Augusto dos Anjos também é o meu poeta preferido, ele é único, fenomenal e eterno.
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