quarta-feira, 23 de julho de 2008

Ele Amarelo, Eu Azul

De modo que minha imbecilidade juvenil me impelia a procurar, pelos cantos, um a quem pudesse nomear de “melhor amigo”. Era uma empreitada absurda que não poderia ter dado outro fruto que não frustrações em série. Eu concluí que isso de melhor amigo não era coisa que alguém decidisse encontrar, como quem caça javalis, ou borboletas.

E então, chegou até mim, de alguma forma, uma daquelas frases prontas cujo habitat preferido são caderninhos com adesivos do Pooh: “Na verdade, não existe um melhor amigo. Todos os nossos amigos nos completam com suas particularidades”. Era o que eu precisava ouvir. Sim, é como se um pedacinho de cada amigo construísse um Super Amigo, com super poderes, tipo o Megazord.

Depois de um bom espaço de tempo, que não consigo precisar, eu já estava completamente doutrinado quanto à verdade inescapável da inexistência de melhores amigos. Melhores amigos são como goblins! É tudo lenda.

E eu decidi contar isso ao Pedro - um sujeito baixinho, cujos cabelos extremamente lisos tremeluziam ao ritmo saltitante de seu andar. Estudávamos no mesmo colégio em 2002 e, feito dois cientistas deslumbrados, nós fazíamos uma série de constatações sobre o que estaria por vir depois que o Ensino Médio acabasse.

Pedro não se importava com cinema. Então, por mais que eu tentasse continuar uma conversa com “Caramba! Aquele filme custou 8,6 milhões! Dá pra acreditar?!” Ele sempre enveredava, depois de um pequeno silêncio, para algo como “Gente, eu preciso beijar na boca”.

Além disso, fazia questão de optar por filmes dublados e/ou nacionais. Pra mim, cinema ocupa o topo das preocupações. Tipo trabalho pro meu pai e religião pra minha mãe.

Pedro nunca me lê. Portanto, nunca se dedicou a tecer nem o menor dos elogios. Aliás, sempre preferiu comentários depreciativos como “Vamos melhorar essa letrinha, hein amigo?”. Ele também nunca apreciou meus desenhos. Nunca disse “Você desenha OK, Dave.” Provavelmente elogios nem façam parte do imaginário pedrístico. Eu penso que não se devem distribuir elogios gratuitamente, mas pontilhar alguns aqui e ali não faz mal algum.

Ele usa roupas compradas em lojas de departamento e não vê o menor problema em sair com uma camiseta, cujos 345 pares estão logo à sua frente, caminhando pelas ruas. Ele localiza toalhinhas de crochê sobre o telefone para não empoeirar e as colchas de cama trazem bordadinhos azuis. Bom, pra mim, toalhinhas de crochê estão para pochetes, assim como bordadinhos azuis estão para celular no cós da calça.

Pedro acha cultura pop do século XX uma coisa que é legal, mas que não o atinge de forma direta. Portanto, é complexo tentar conversar com ele sobre bandas de rock ou George Lucas.

Mas para meu completo assombro, já se passaram seis anos desde nossas conversas sobre garotos e divagações sobre o futuro no pátio daquele Liceu Maranhense. E, contrariando uma lista interminável de incompatibilidades e de crises existenciais de nossa amizade, eu não consigo mais conceber minha vida, sem que esse pequeno esteja por perto dando pitacos e debochando esporadicamente.

No dia do aniversário dele, a única coisa que eu realmente desejo é que ele viva muito. E que envelheça comigo.

Feliz Aniversário ao melhor amigo que eu tenho.

16 comentários:

Nanael Soubaim disse...

Nem sempre conseguimos falar o que queremos, Coniglio. Muitas vezes só temos a idéia pura do que queremos exprimir, mas a pobreza da linguagem humana é insuficiente para expressar. O modo que teu amigo tem para te elogiar, é corrigir tuas faltas. E como assim "Goblins não existem"? E os ministros são o quê? Gente?

Fabiana disse...

O mais legal das amizades verdadeiras é a diferença mesmo.

Glayce Santos disse...

ahhhhhhhh, que show! vc escreve muito bem! gostei muito! Dia 27 será niver de um GRANDE amigo, farei um post tb... vamos ver se chega aos pés do seu...rs

bjs

Ricardo Jung disse...

catzo...

só uso roupa de cor lisa que sobra na estamparia da minha madrinha, e a arte é minha religião...

is good good good be diferent

no more tears, just money

argh!


I know what I know:
http://artepoiesis.blogspot.com/

Luna disse...

Acho que o Pedro perde muito por não te ler, Dave. Nosso escritor mais chique!

Anônimo disse...

Caramba. Depois desse texto seu amigo tá te devendo um orgão. Preserve bem essa amizade, ela vale ouro.

Nathy Pöpper disse...

Belo texto de conto, amizadades sempre nos dão inspirações a mais! adorei mesmo o texto, parabéns

Anônimo disse...

"amigo é coisa que se guarda no lado esquerdo do peito..." acho que é assim a música que o Milton Nascimento canta e eu adoro...

Rafaela disse...

Megazord?
Desencavou!
Eu conheci minha melhor amiga em 2000, tipo na quinta série =P
Em 2002 todo o grupinho vivia brigando, a gente dá risada só de lembrar. Amo esse povo todo.

Edu França disse...

Poxa nunca fui Pedro de ninguém kkkkkkkkkkkkkkkk

Luna disse...

Ah, esqueci de dizer que eu não me importo de comprar roupas em loja de departamento. Assim, sobra dinheiro pra comprar um bandilivro e dvd. Quem manda ser pobre e não poder ter tudo... :P

Paulinha disse...

S2

Paulinha disse...

foffys! =3 rsrs

Marcos Lima disse...

“Na verdade, não existe um melhor amigo. Todos os nossos amigos nos completam com suas particularidades”

Amei, de verdade!!
Os amigos estão aí pra nos mostrar onde somos imperfeitos e tentar consertar milhões de defeitinhos que temos.

Belo texto. Acredito que eu também tenha Pedros em minha vida.

Abraços

Anônimo disse...

Bem,pra começar é difícil e ao mesmo tempo excitante ser descrito desta forma, já que sou o PEDRO dessa estória. Nesses 6 anos de convivência como esse magnífico "malabarista de palavras" aprendi muito, sorri bastante e chorei algumas vezes. Mas creio que tudo, TUDO mesmo valeu a pena, já que são essas diferenças que se complementam e formam um todo: uma grande amizade. Amigo, desculpas mil....afinal ainda temos muito que aprender (sempre estamos aprendendo!), embora já saiba que a vida não tem sentido algum sem a sua presença a cada nascer do sol! Espero que tudo que passamos sejam apenas os primeiros capítulos da nossa estória. OBRIGADO: pelas palavras, olhares e sentimentos!

Elthon Amorim disse...

adorei!