O post de hoje é um oferecimento - embora não remunerado - da Sessão da Tarde, que apresentou hoje (e inétido nesta semana) o desenho mais Disney da Fox: Anastácia.
O desenho é inspirado em uma (na verdade, algumas) das muitas lendas que cercam a Revolução Russa, nome com o qual apelidamos os múltiplos processos pelos quais o país passou em 1917. A própria Rússia é pródiga em mitos e quetais. Não são raros os relatos de czares (alguns tradutores preferem tzares) trocados por sósias, de conspirações, milagres e maldições. As várias lendas que se cruzam no desenho se referem logicamente à personagem-título, mas também a Rasputim, à família imperial e ao motivo da Revolução. Sim, há lendas quanto a isto.
Uma das cenas do longa dá a entender que os fuzilamentos da família se deram na própria Revolução (quando, na verdade, ocorreram em 1818) e que esta teria ocorrido em 1916, logo depois do famoso último baile, em vez de 1917. Em outra, transparece o que era dito ao povo russo sobre o czar: homem bom, afetuoso, o "papaizinho" do povo e que só os nobres e funcionários eram maus.
Um interessante mito aparece no desenho com relação a Rasputim. Criatura soturna e sombria, sobre ele giram também uma série de hipóteses. Uma delas diz que Rasputim teria sido amante de Alexandra, a czarina; outra, que ele a teria enfeitiçado (ou conquistado sua confiança cega, ou, ainda, que teria insuflado nela um irremediável fanatismo religioso) por supostamente conseguir aliviar as terríveis dores do pequeno Alexei (que era hemofílico), único filho homem do casal imperial. Imaginem o que era ter o único herdeiro, tão desejado para quem tinha tido quatro filhas, sofrendo de uma doença que mal era conhecida e sem chances de cura à época, tendo dores e hemorragias o tempo todo e ainda sabendo que o gene era transmitido pela mãe (uma das poucas coisas que então se sabia sobre a doença).
O desenho se apóia em parte dessa lenda, que diz que o bom czar teria expulsado Rasputim quando descobriu sua charlatanice, quando, de fato, a própria czarina chegou prestar-lhe homenagens fúnebres. A associação dele com a família Romanov está no cerne das muitas teorias da conspiração que cercam a Revolução Russa: ele teria envenenado os czares de fanatismo, os teria hipnotizado, ou envolvido em "forças ocultas". Teorias conspiratórias, com fanáticos/místicos/sociedades secretas e outros são mais comuns do que se pensa com relação à história e, como escrevi acima, comuníssimas na Rússia.
Anastácia está no meio dessa questão toda, também cercada de mitos e de falsas Anastácias pululando nos anos que se seguiram à Revolução. Um pouco dessa realidade permeia o desenho e está exatamente na fala da avó, que diz que está cansada de grãs-duquesas Anastácias, que farsantes vinham do mundo todo para fazer se passar por ela e que havia gangues especializadas em treinar moças a se passarem pela jovem. Muitos filmes já foram feitos sobre o caso, sempre voltando a uma ou a mais de uma dessas lendas.
Num dos muitos episódios da vida real que mais parecem ter sido inventadas, a família inteira foi canonizada pela Igreja Ortodoxa Russa, no rastro revisionista surgido após o fim da URSS, que fez ressurgir algumas dessas ficções - as quais geraram a película da Fox.
Algum pesquisador que odeia mitos achou os ossos dela, que na verdade foi realmente morta com a família em 1918, mas não conseguiu exterminar todas essas lendas - nem a beleza de um desenho com muitas liberdades históricas e cenas que realmente me encantaram. Reconheci muitos dos locais que aparecem no longa quando estive em São Petesburgo, em boquiaberta visita à cidade. Impressionou-me a pesquisa estéticas do desenhistas - e o roteiro fantasioso idem.
É por essas e outras que digo: Sessão da Tarde e Talicoisa também são cultura.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Sessão da Tarde e Talicoisa também são cultura
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6 comentários:
Eu detesto esse desenho. A história é interessante, mas acho totalmente insuportável de assistir.
P.s: a postági aí de cima é minha.
Uma boa lenda pode ensinar mais do que a história.
Sorry baby, só vc mesmo pra ver beleza num filme deprimente e chato como esse. E olha que eu nem estou falando da demonização dos comunistas que o desenho faz. Tudo nele é terrível. Odeio, odeio, odeio, com todas as minhas forças esse anastácia. Já passei para os alunos, só pra ficar duas aulas desconstruindo o filme.
E, olha, que em sem tratando de princesas, meu senso crítico some, adoro filmes açucarados. Mas esse filme é muito mal caráter.
Beijos.
Sem dúvida é das nossas melhores leitoras. Merece pedir textos exclusivos.
Bem, na verdade certamente a demonização dos comunistas é uma das estranhíssimas lendas que se ergueram, embora eu tenha abordado o tema um tanto indiretamente. Uma leitura mais atenta do texto e dos linques respectivos talvez retirasse este equívoco de que eu estaria defendendo esta visão.
Teorias da conspiração e lendas podem trazer uma importante crítica, como a que tu fizeste, Fabiana. Como tu, também cito a lenda e o porque de ela ter ressurgido na época do desenho da Fox. Abordo este ponto de forma um tanto breve no texto, reconheço. Na verdade, gosto de citar o desenho como um exemplo de distorção histórica, por isso uso tanto os termos fição, lenda e mito no texto e remeto a sites que fornecem um outro lado dessas "liberdades históricas".
Quanto ao trabalho em si, algumas cenas são muito belas; a do baile imaginário é minha preferida.
Desenhos animados são excelentes fontes de crítica histórica.Pelo menos na minha humilde opinião.
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