Na porpaganda...
Nossa instituição é da mais alta estirpe. Aqui o seu filho terá um ambiente organizado, bem aparelhado, com uma completa equipe psicopedagógica altamente qualificada para atendê-lo. Dispomos de um amplo pátio e a companhia dos melhores sobrenomes de Brasília.
Nossa linha pedagógica permite ao aluno um aprendizado amplo e profundo, preparando-o para o mundo sem os traumas desnecessários que acomete a infância de hoje. Traga seu filho para o Le Petit Glou-Glou, ele não vai querer saber de férias.
Tudo isto porque nós temos um jeito doferente de ensinar, com carinho e rigor, para que a criança se torne um adulto saudável e socialmente aceitável. O que estão esperando? Trataremos seu filho como se fosse nosso... Vassalo.
Inteiramente grátis, vocês levam para casa o livro "Minha Luta" de "Adolfo, O Incomprendido", com belas ilustrações e passagens explicativas das expressões em alemão, para irem se acostumando às nossas idéias e à noção da sociedade que queremos para nosso país.
Na entrevista...
Temos um nome a zelar. Os filhos dos mais eminentes políticos e juízes estudam aqui, é uma escola de gente superior e não podemos admitir um comportamento fora dos padrões. Nossos dois mil setecentos e sessenta e oito uniformes, um para cada ocasião, e pagos à parte, devem estar sempre impecáveis, abotoados até o queixo e com aspecto de novo, embora provavelmente nem dez por cento deles sejam utilizados. No fim do ano serão cremados em acto solene e novos deverão ser adquiridos para a série seguinte. Abriremos um precedente para o seu filho, já que precisa usar essas botas ortopédicas raras, ultracaras e feitas sob medida sem opção de cor ou modelo, mas mediante pagamento de taxa para nos guarnecer caso um vulto da alta sociedade brasiliense note a diferença. Compreenda que temos o nome do colégio a zelar, é o Le Petit Glou-Glou, é a nata da sociedade brasiliense, é o mais próximo do primeiro mundo que se pode ter no Brasil.
Ao ter que dar satisfações, após ameaças de morte...
Bem, sim. Nós deixamos seu filho de fora da excursão, apesar de sabermos que ele só pode usar essas botas e serem o único ítem que não consta no uniforme de gala número quatrocentos e três, que é quente, desconfortável e altamente impróprio para o nosso clima. Mas aceite que agimos certo em impôr uma humilhação desnecessária, obrigando-o a ver o ônibus indo embora com seus coleguinhas, debaixo de sol, e depois ficar preso na sala de castigos, sendo ultrajado pela nossa competente psicopedagoga, sob olhares impotentes de nossa psicóloga. Um dia ele vai nos agradecer por esta lição de disciplina, você verá como será um cidadão útil. Sabe aqueles anjinhos que queimaram aquele selvagem no ponto de ônibus? Aprenderam conosco. Nós ensinamos que normas fúteis e protocolos supérfulos valem mais do que as pessoas. Os choros compulsivos e de claro sofrimento foram uma lição que ele levará pelo resto da vida, e vocês também, afinal o filho é o meio mais eficiente de atingir os pais.
Na reunião de pais, à qual os reclamantes não foram chamados...
É inadmissível que uma mãe desocupada venha nos atrapalhar. E para quê? Para discutir bobagens! Por causa de um chorinho à toa, que durou uma ou duas horas, uma tarde talvez. Mas isto não importa. Importa que vocês, pais e mães, devem confiar cegamente nas normas organizacionais feudalísticas do Le Pettit Glou-Glou. Nós somos infalíveis, nós sabemos o que é melhor para seus filhos. Se os meus tivessem sobrevivido, hoje me agradeceriam pelos castigos que receberam, sei do que estou falando. Nós sabemos como diferenciá-los do vulgo comum, da gentinha vulgar que é obrigada a sustentar nossa maravilhosa elite. Sob a nossa supervisão, seus filhos têm tudo para comandarem este país, para deixar tudo como está. Sem nós eles não são nada. Então estejam avisados, nos obedeçam.
Nota à imprensa, que soube do escabro...
Nós somos uma entidade com plena liberdade de escolha pedagógica. Visamos a boa formação de nossos alunos, que levarão nosso nome à Rainha da Inglaterra. Claro que fiscais já estiveram aqui e nos notificaram, mas os deputados livraram nossas caras; não publiquem esta parte ou terão problemas. A pessoa que lhes fez queixa é uma mal educada, não baixou a cabeça para podermos cuspir nela, e tudo de que não precisamos é de mães mal educadas. Cobramos os olhos da cara e por isto temos o direito de chamar torturas psicológicas medievais de pedagogia, ainda que não ofereçam nenhum benefício pedagógico. Nossa psicóloga acompanhou a sessão de tortura, sim, mas ele ganha aqui dez vezes o que a rede pública paga às imbecís sentimentalóides, que preferem honrar a profissão, então ficou calada. Nós somos o Le Petit Glou-Glou, temos um nome, uma hierarquia social, um nível de elite, we are the champions. é um nome francês, não esses nominhos brasileiros que fedem até na tela do computador. Marista... Rá, rá, rá... Nome sem pompa.
Agora parem de encher o saco ou cortamos a propaganda de página central inteira.
Sem mais para o momento, nos colocamos à disposição para esclarecimentos;
Sra, dra, deusa Dona Ogra.
Entrevista à imprensa, de óculos escuros, máscara cirúrgica e maquiagem pesada, depois que a avó alemã, heroína de guerra, despencou de Berlim e deu pau em todos numa surra só, inclusive no segurança que foi socorrer a equipe...
Caros repórteres, estou com conjuntivite, gripe suína e sensibilidade cutânea, o que impede que vocês cheguem muito perto. E por favor, nada de zoom.
Nossa equipe chegou à conclusão que tudo não passou de um equívoco. Foram tomadas as devidas providências para que a normalidade volte ao nosso renomado e nobilíssimo Le Petit Glou-Glou. Então, assim sendo, queremos deixar nossos protestos de boa sorte ao querido aluno que, por força maior, migra para uma renomada instituição em Goiânia. Sentiremos saudades do menininho aleijado que usava botinas ridículas, que era alvo fácil de nossos escárnios e da ira de nossas pedabobas, que descontavam nele a raiva que passam em casa. Pena que não se adaptou às nossas técnicas de vassalagem, mas o que esperar de um aleijado?
A avó alemã fica por alguns meses, até ter certeza de que a mentalidade que combateu, ao lado de sua finada mãe, não prejudicou o neto. Alerta à filha e ao genro para que tomem cuidado com quem se intitula "A Sociedade" e julga ter a verdade em suas mãos. A mentalidade medievalesca que originou o nazismo, reitera, se esconde sob as boas intenções e é falsamente chamada de "disciplina" por aqueles que sentem prazer em exercer poder sobre o outro. Na Alemanha, onde esta erva daninha germinou, seus seguidores são tudo, menos gente boa da sociedade. Antes de ir, avisa que se acontecer de novo, não sabe e não se importa como, mas levará o garoto consigo.
2 comentários:
Caramba!!!!
Isso me pareceu ligeiramente auto-biográfico. Procede?
Na verdade, é uma sátira ao incidente que envolveu recentemente o colégio brailiense "Le Petit Galois". Mas agora que falaste... Há sim ligeiras semelhanças com minha longa e péssima vida acadêmica.
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