sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Como desandaram as novelas

Novela boa foi esta aqui!
Mãe madura e bem-sucedida faz mil caretas com um envelope nas mãos...
- Filha, uma carta pra você.
Vai à mesa farta e diversificada que qualquer família brasileira tem. A menina passa geléia de damasco no queijo curado, mas não morde, antes abre o envelope...
- Ah, é a vizinha do 507.
- O que ela quer?
- Que eu pare de dar pro marido dela.
- Você está tendo um caso com um homem casado?!!
- Mãe, deixa de caretice! Esse discurso do século vinte não pega mais, valeu! O corpo é meu, eu faço o que eu quiser com ele. Esse papo de casamento é invenção patriarcal pra subjugar a mulher e tolher seu direito de escolha! Quando duas pessoas se curtem, tipo, tudo rola, não tem hipocrisia!
- Pelo menos você está se prevenindo?
- Sim, já deixei a clínica de teste de DNA paga.
- Essa é a minha filhinha!
Toca a campainha e a empregada paulistana com sotaque pernambucano vai atender...
- Mãe, tô indo pra praia.
- Também estou saindo, vou pra clínica de estética.
E ficam o dia inteiro fazendo o que disseram que iriam fazer.
Enquanto isso, no núcleo de cotas, todos observam o garotinho que está reaprendendo a andar com suas muletas...
- Para onde você vai, nessas férias?
- Vou para Piropó do Quiproquó.
- Ah, lá tem paisagens lindas, cheias de brasilidade.
- Pois é, e a sua mãe?
- Vai bem, fazendo crochê para se distrair.
- Ê, vida de aposentado!
Todos riem da piada. Juro, a última fala foi uma piada politicamente correcta. Por que não está rindo, seu... seu... seu politicamente incorrecto!!!
De volta ao núcleo de classe média, mãe e filha decidem ir para Nagasaki, assim, de sopetão. Apenas pegam o táxi, vão para o aeroporto e embarcam. Fácil! Não entendo porque todo mundo não passa um fim de semana no exterior, de vez em quando!
Mãe e filha encontram no Japão seus amores da escolinha. Se abraçam, se beijam, fazem piadas que só seus pares entendem e vão para um restaurante. Não comem nada, só conversam...
- O que você tem feito?
- Ah, ando tendo uns projectos de abrir uma clínica de massagem holística no Brasil.
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- O que você tem feito?
- Tô pensando em voltar pro Brasil, tocar uns negócios do meu pai.
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- Não sabia que você tinha uma filha, desconsiderando que não nos víamos desde 1986.
- Ah, foi do meu casamento com o Armando. Lembra do Armando?
- Lembro, como vai ele?
- Virou o garanhão da novela, tem uma clínica cirúrgica em Ipanema. E você, tem filhos?
- Não. Estou solteiro até hoje...
Voltam para o Brasil na tarde de domingo, à noitinha desembarcam no Rio e voltam para casa, na Barra da Tijuca. A mãe então faz uma revelação, o amigo que encontrou no Japão, onde todos entendiam português...
- Ele é o seu verdadeiro pai.
Escândalo! Escândalo! Escândalo! Mãe e filha rompem e se odeiam para sempre, a menina só volta uma vez por semana para pegar a mesada. Passa a morar com uma amiga do núcleo cômico da novela.
Cinqüenta capítulos depois, a menina reaparece de mala e cuia, dizendo que está grávida. O pai é o padeiro da confeitaria da esquina, que é gay, mas estava bêbado na noite em questão. A mãe decide ligar para o ex-marido e para o verdadeiro pai da menina, ambos dizem o mesmo...
- Eu te odeio! Você me escondeu a verdade por todos esses anos! nunca mais quero falar com você!
Ela chora e decide acolher a filha sozinha.
No dia do parto, sem ninguém ter avisado, pai e ex-pai aparecem, se cumprimentam...
- Como vai?
- Muuuuuuuuuuuuuu!!!
Não ficam amigos, mas perdoam a traição. Então o padeiro do Bexiga, meu, aparece, com sons de choros ao fundo...
- Nasceram, meu! É tudo umas lindeza, meu, as cinco!
Termina a única fala dele na novela. Infelizmente a menina-mãe morre, não sem antes perdoar a mãe por ter escondido tudo. No último capítulo, os quatro aparecem em um parque em pleno horário comercial, quando todos deveriam estar trabalhando. O pai das crianças fica mudo, mas os avós e o ex-marido falam...
- Elas não são lindas?
- São! Saudades dela!
- Muuuuuu!
- Tudo bem, o importante é que ela me perdoou.
FIM... Graças à Deus!


Por muitos anos todas as novelas foram variações disto. Era tão ruim e repetitivo, que bastou começarem a fazer uns pastelões mequetrefes que, por comparação, todos estão achando o máximo.
Eu passo. Fico com a sessão nostalgia do Youtube.

4 comentários:

Nanael Soubaim disse...

Estamos conseguindo mais seguidores, sinal seguro de recuperação (lenta, mas sólida) do Talicoisa.

Adriane Schroeder disse...

Menino, adorei essa novela!
Parece mesmo um resumo de tudo que andou rolando ultimamente.
A coisa tá tão feia que qualquer coisa requentada é mil vezes melhor que o restante.
Vide Ti ti ti.

Nanael Soubaim disse...

E não é? Basta desmembrar e encher lingüiça com um monte de personagens irrelevantes, que temos uma novela de horário nobre prontinha para rodar.

Adriane Schroeder disse...

Se é. Bota uns 400 figurantes de uma cultura exótica aleatória que termemos uma novela de Gloria Perez.