sábado, 18 de julho de 2009

Electrokombosophica

A Kombi subia a Marginal Pinheiros tranqüilamente. Enquanto os motoristas dos outros veículos se desgastavam no congestionamento, queimando combustível em aceleradas inúteis, apenas para esvair a frustração, o daquela Kombi 1976 pisava placidamente no acelerador, tirando o pé quando o fluxo parava.

Uma Kombi comum, sem qualquer adereço, sem pintura estravagante, apenas rodas da Saveiro e retrovisores do Marea. Nada explicava a calma daquele motorista.

Todos os carros fazendo barulho, jogando fumaça, com trocas frenéticas de marchas, e aquela Kombi indo silente e serena a uma média de 8km/h. A média do trânsito.

O motorista da kombi simplesmente olhava o crepúsculo, sacava a câmera e batia uma photographia. Sua postura, porém, passava desapercebia aos outros motoristas, que ligavam masoquistamente os rádios para saberem quantos quilômetros de lentidão ainda havia pela frente. Só aumentava. O teto preto não aumentava o calor interno, tinha uma boa ventilação, que pegava o ar mais rente ao asfalto, livre de fumaça.

Finalmente os veículos acidentados foram removidos para a margem da marginal e os carros começaram a fazer mais que vinte por hora. E dá-lhe trocas estressadas de marchas, para logo em seguida parar e voltar à primeira. Exceto o motorista daquela Kombi 1985, em sua calma cor bege. Um pão de forma que não desperta cobiça em quase ninguém, mas serve à sua família e ao seu transporte pessoal até a faculdade. Enquanto os outros andam a menos de trinta em carros que podem atingir até doze vezes mais velocidade, mudando três ou quatro vezes de marchas em menos de dez metros, ele só usa o acelerador.

Finalmente retiram os acidentados e o trânsito começa a justificar o nome. Ele se mantém á direita, a oitenta por hora, enquanto gente que anseia por protagonizar novos acidentes voa a mais de cem.

O ronco dos motores não permitiu que apreciassem a maior peculiaridade daquela Kombi, ela não produz ruídos. O professor de philosophia a arrematou por uma ninharia em um leilão do Detran, bem como um lote de baterias apreendidas e contou com a cooperação de colegas de engenharia mecânica. Essa Kombi, que chegou em casa com mais de dois terços de carga nas baterias, é eléctrica.

Em vez de o carro ter que suportar os quatrocentos quilos extras, uma estrutura própria foi montada para unir as rodas traseiras, a suspensão, suportar as baterias, e é sobre ela que o monobloco (o carro em si) é fixado. Dez quilowats em cada roda dão desempenho mais que suficiente para essa Kombi aliviada e aerodinamizada. O preto do teto é uma camada de placas solares, que alimentaram a ventilação.

Para viagens ele usa sua Volvo S80, mas para uso urbano a Kombosa chocante reina absoluta.

Adepto de um socratismo renovado, pôs em prática o que estudou o o que acreditava. Os filhos chiaram? Chiaram. Vizinhos zombaram, a família quis internar, a esposa resistiu a entrar naquela pão-de-forma. Mas o próprio Sócrates enfrentou muito mais do que isto e não recuou. Sua única arma para enfrentar a sede por status vazio foi a própria philosophia, dentro da qual tem uma frase preferida, que pintou no pára-choques traseiro: Acreditar e não viver é desonesto. O silêncio, a confiabilidade mesmo sob temporais e enchentes, a economia e a simpatia que aquela Kombi amealhou entre os amigos de verdade, tudo isso convenceu esposa e filhos. Não era para produção em série, não pretendia vender, então não precisava usar soluções com apelo mercadológico, simplesmente engenharia prática e pragmática. Sem marchas, sem embrenhagem, sem ter que dar arranque, sem riscos de apagar em ladeiras, sem a mínima possibilidade de não pegar em manhãs por mais gélidas que sejam.

Por que ele comprou e transformou a Kombi? Porque é um homem honesto. Não tem tempo para participar de palestras ecológicas e caminnhadas simbólicas contra o aquecimento global. Ele simplesmente já sabia o que fazer e o que podia fazer, como a maioria de nós. Fez.

2 comentários:

Adriane Schroeder disse...

Gosto de Kombis... ehehhe.
apesar de ver alguams egarem fogo... por absoluta falta de manutenção, com certeza, que o pessoal que as usa as trata piro que cavalinho de papeleiro. Enquanot não arria, nada fazem... ehehhe.

Nanael Soubaim disse...

Pois em verdade vos digo, o tanque de um avião fica na asa, encostadinho no motor.