sexta-feira, 31 de julho de 2009

O Reino do Apocalipse

Capítulo I – O Início do Fim


Ele viu a porta entreaberta. O sangue já estava empapado em suas mãos. Precisava de um lugar para descansar.

Ou morrer.

Sentia um formigamento forte no abdome, talvez por ter perdido muito sangue. Talvez fosse a dor, que ele já não sentia mais. Talvez fosse esse o fim.

Entrou. Procurou um lugar onde se apoiar.

Não. O formigamento não era a dor.

A dor vinha agora, lancinante. Ele sentia como se algo fosse pular de dentro de seu corpo.

A respiração era forçada. Ele praticamente não podia enxergar mais nada. Não conseguia definir qualquer coisa que estivesse à sua frente.

Novamente a dor.

Desta vez, ele caiu no chão. E não tinha forças para se levantar outra vez.

Tentava estancar o sangue, que vinha do corte no seu abdome. Ele apenas tateava a área do ferimento.

Lembrou-se de Vie.

Onde estaria ela?

Dor.

Ele a havia perdido, quando o terremoto abalou Londres.

Dor.

“Eu te amo, Vie”, e as lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto.

---§---

Meados de 2002, Londres.

Ele andava pela Abbey Road, aquela mesma, dos Beatles. Acabara de chegar à cidade, e precisava ver certos lugares.

Emprego, ele poderia arrumar depois.

Imigração? Quem se preocupa com isso?

Era necessário agora ver tudo aquilo que ele sempre quis ver. A Abbey Road, a Abadia de Westminster, o Palácio de Buckingham, o Big Ben, e, principalmente, os pubs e casas noturnas. Beber, dançar e tomar ecstasy. Isso sim era vida.

Era... Mas o dinheiro acabou em uma semana.

Dormiu na rua por quase um mês, até conseguir um emprego. Cozinheiro. O dinheiro deu pra pagar um quarto cheio de pulgas, e comprar algumas roupas, afinal, o inverno estava chegando. E só. Depois só deu pra pagar o aluguel.

Mas tudo bem. Ele podia comer no restaurante. E sempre sobrava alguma coisa pra levar pra casa.

---§---

Nada mais fazia diferença.

Dor.

Se esse era o fim, ele se sentia feliz. Finalmente, tudo acabaria.

Dor.

---§---

Anos 90, São Paulo, Brasil.

Na escola, sempre foi um aluno (como dizia seu professor de Matemática) sofrível.

A vida não era “lá essas coisas”, mas ele nunca havia passado fome.

Sua mãe não era exatamente o que se poderia chamar de “mãe carinhosa”, mas sempre cuidou para que ele fosse alguém. Embora ele nunca tivesse se interessado pelos estudos, ela tentou incentiva-lo. Mas ele jamais respondeu a isso.

Ele nunca conheceu seu pai.

Tinha decidido sair do Brasil, porque as coisas estavam difíceis. Sua mãe, apesar de ainda ser uma mulher saudável, e muito bonita, não tinha mais o mesmo pique de antes. Dar aulas particulares de inglês não rendia mais tanto. Afinal, uma americana no Brasil, sem experiência de trabalho, não poderia fazer muito mais.

---§---

Dor.

O formigamento estava aumentando.

Sentia agora seus braços formigando também.

A visão começava a turvar.

Dor.

---§---

Era apenas um dia de folga.

Ela estava sentada numa loja da Starbucks Coffee, tomando um latte e lendo. “Ela não é daqui”, ele pensou.

Ele se aproximou, vendo que ela lia “A Metamorfose”, de Kafka, um dos poucos livros que ele tinha lido e gostado. Mais por ser um livro curto, do que pela estória. Afinal, “que sentido há numa estória em que o cara que dá noite pro dia se transforma numa barata?”.

Ela tinha longos cabelos loiros, encaracolados. Grandes olhos azuis, que ela espremia quando não entendia alguma palavra. Seu rosto parecia uma escultura, feita por um daqueles grandes escultores que ele não sabia o nome.

Andou por de trás da mesa em que ela estava, procurando ver que parte da estória ela estava lendo.

Quando descobriu:

- Coitadinha da irmã dele, não acha? Quer ajudá-lo, mas morre de medo dele...

- Com certeza, monsieur. Mas não acha que ela está fazendo o melhor que pode?

- Claro que sim! Só fico com pena dela... Oi, meu nome é Christian... E o seu?

Ela riu daquele rapaz magro, com os cabelos mal arrumados, a barba por fazer, que mais parecia saído de algum livro de Jack Kerouac.

- Meu nome é Genevieve, monsieur. – E riu.

Iniciaram uma conversa sobre escritores alemães, que não durou mais que 5 minutos, afinal, Christian só conhecia Kafka. Ela ainda lhe falou sobre Herman Hesse, mas ele nunca tinha ouvido falar.

Ela era francesa, estava em Londres para fazer seu mestrado. Era formada em Assistência Social. Tinha 25 anos, morava com amigas, também estudantes francesas.

O encontro terminou com a promessa de que ela iria ao restaurante aonde Christian trabalhava.

---§---

Dor novamente.

Fez um esforço, e conseguiu se arrastar até uma parede.

Dor.

A visão passou a escurecer.

---§---

“Malditas formigas!”, pensou ele enquanto limpava o açúcar caído no chão.

O chefe gritou:

- Maldição, Christian! Não somos nouvelle cuisine, mas ao menos, você poderia ter mais cuidado e deixar essa cozinha limpa!

Ele não respondeu, apenas resmungou um “Ok!” e continuou a limpar.

Realmente, não era nouvelle cuisine. Estava mais pra uma daquelas pocilgas que ficam abertas a noite inteira, pra quem estiver com fome, e tiver coragem de encarar comida gordurosa de madrugada.

Acabou de limpar o açúcar do chão, e se levantou para ir fazer mais café.

Ouviu um novo berro do chefe, dizendo pra atender no balcão. Havia clientes, e ele precisava ir “ali do lado”. Christian sabia que era pra investir na “carreira”, mas não ligava. Pelo menos tinha sossego, por uns 10 minutos.

Chegou ao balcão, ainda olhando pra ver se seu chefe havia saído.

Quando se virou, encarou aqueles grandes olhos azuis, aquele cabelo cacheado, aquela pele branca. Já fazia um mês.

Não conseguia encontrar palavras.

- Bonsoir, monsieur. – Ela disse, rindo da expressão de surpresa dele.

- Bonsoir mesmo, né? – Ele respondeu. Já eram 4 da manhã.

- Bem, resolvi cumprir com a minha parte da promessa. E você, vai cumprir a sua?

- Acho que vou ter que fazer o esforço. – Disse ele, sorrindo.

Preparou pra ela um prato de waffles, e uma xícara de café.

- Não é exatamente o que eu chamo de “refeição saudável”, mas está muito bom.

- Obrigado, maisde-mademoiselle.

Ela riu, vendo seu erro. Ele ficou sem jeito.

- Não fique assim, monsieur. Gostei disso. – E sorriu.

Ele sorriu também. Estava completamente sem graça. Mas ficou contente por ela ter gostado. Tinha treinado por uma semana, e mesmo assim, errou. Mas tudo bem. Quem nunca errou querendo impressionar uma garota, afinal?

Depois disso, quase todas as madrugadas, ela aparecia para uma xícara de café e waffles.

Nas madrugadas em que não aparecia, eles haviam ido ao cinema, ao museu, a algum lugar histórico, ou ao apartamento dela.

Nessas noites, Christian saia de lá muito feliz.

---§---

Ele sentia a dor cada vez mais forte.

Via o rosto de Vie em sua mente, e chorava.

Apesar de não ser religioso, pediu perdão a Deus.

---§---

Natal de 2002, Londres.

- Eu sei que eu não tenho nada pra oferecer, eu sei que não tenho nada na vida. Tudo o que eu tenho é uma TV velha, uns dois sapatos. Umas roupas pro frio. Um emprego de merda, nenhuma família pra me orgulhar... Mas eu te amo, Vie, e quero me casar com você.

Ela sorriu.

- Oui, monsieur. Eu digo “Oui”, pra você e pro seu pedido.

---§---

Não era possível distinguir mais nada.

A dor só aumentava. O coração parecia ficar mais lento.

---§---

Maio de 2003, Londres.

O Terremoto atingiu toda a cidade.

Todo o país.

Logo ficaram sabendo que havia sido todo o planeta que havia sentido.

Foi na entrada do Parlamento, que ele a viu a última vez. Ela estava do outro lado da rua.

O Tremor veio, um buraco abriu-se no chão. Fumaça subiu.

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O coração enfraqueceu, mais uma vez.

A escuridão foi tomando conta de seus olhos.

A única coisa que ele distinguia, era aquele estranho brilho.


Seria o tal do túnel?

2 comentários:

Nanael Soubaim disse...

A maioria passa pelo túnel, mas muitos têm medo da luz e se escondem nas sombras. Fio, vamos buscar esse sujeito que essa estória não pode terminar assim, nem que ele fique cadeirante.

Edu disse...

Não vai terminar, fofo.

Esse é só o primeiro capitulo...