Então ele estava lá. Vendo o dia passar. As pessoas passarem. As horas passarem.
Tudo se passava. Menos ele.
Permanecia lá, imóvel. Via homens e mulheres, homens e crianças passando. Via o céu escurecendo, via a quantidade de carros aumentando mais e mais.
Pela esquerda vinham pessoas que desciam do ônibus. Caras cansadas, quase sempre, com algum pacote, embrulho, ou sacola. Compras, comida para o jantar. Uma blusa nova. Um calçado novo. Pessoas bem vestidas. Mas as roupas estavam amarrotadas, fruto de apertos no ônibus, e um dia cansativo de trabalho. Pessoas esperançosas em chegar logo em casa. Tirar aquelas roupas, que apesar de bonitas, apertam. Que cansam. Impregnadas de suor e cansaço. Impregnadas do dia desagradável que tiveram. Impregnadas de raiva. De chateações. De sonhos que terão que ser adiados, porque a prestação ainda não foi paga. E o sonho vai ter que ficar pra depois.
Pela direita, vinham as pessoas que estavam saindo. Indo pra escola, pra faculdade. Algumas indo trabalhar, ainda. Algumas indo pro segundo emprego. Algumas indo pro emprego que vara a noite. Os mais jovens, com mochilas nas costas, roupas brilhantes, e sorrisos que refletem a esperança dos dias que virão, cheios de promessas e alegrias. Os universitários, com a mesma roupa do dia inteiro de trabalho, suados, mas alertas, não tem as caras de cansados dos mais velhos, que vinham pela esquerda. Parecem movidos por algo desconhecido. Na verdade, são movidos pelos sonhos que os mais jovens acham que virá fácil. Eles sabem que não é fácil, e lutam, incansavelmente. São guerreiros. E vão conseguir seu intento. Um dia. E aqueles que vão trabalhar, na noite... Tem os rostos já cansados. Sabem o que o trabalho faz ao seu corpo, à sua mente. Mas não tem opção. Trabalham pra sustentar uma família, um filho, ou os pais. Ou alguém mais. Os que vão para o segundo emprego, parecem os universitários. Seguem na luta, como bravos guerreiros. Sabendo que não querem para os seus aquilo que lhes sucede.
Do outro lado da rua, um pandemônio de todos misturados. Alguns adicionando mais sacolas, ao peso que já traziam. Outros se dirigindo ao ponto de ônibus. Outros pensando no que fazer. O outro rapaz que olha insistentemente para a garota que nem lhe dá bola. O velho que acende seu cigarro, todo amassado. O bêbado que tropeça, procurando o caminho pra casa. A senhora que apalpa as frutas, para escolher o melhor pra sua família (ou talvez aquilo que dê pra comprar, apenas).
Ele, imóvel, apenas assiste. Vê quantas vidas diferentes tem à sua frente. E pensa em como a sua própria é diferente da de todos eles.
Ele não sabe se agradece pela vida que tem, ou se amaldiçoa seus dias por não ser uma dessas pessoas.
Ele apenas olha a garota que está do outro lado. Com a camiseta laranja. Não sabe nada sobre ela. Nada.
Apenas a contempla. E esquece de suas dúvidas, e esquece de todos à volta. Olha para os olhos verdes dela. Mas ela não o vê. Não toma conhecimento de sua existência. É apenas o homem do outro lado da rua, que sempre se veste com roupas escuras, e que duas vezes ao dia vai até o pequeno mercado de bairro onde ela trabalha.
Ele é apenas isso. E nada mais.
Ela não se importa com os que passam. Apenas está entre eles, querendo, como todos, voltar pra casa, e descansar. Encontrar o conforto da família. E quem sabe beber com os amigos.
Não importa o rapaz do outro lado, que a olha insistentemente. Não importa.
Importa chegar em casa, tomar um banho quente. Jantar, assistir a novela.
E ele, agora, se move.
Olha mais uma vez para os olhos dela.
Entra em casa, toma seu banho quente, janta, e assiste a novela.
Mais tarde, se olha no espelho. E se vê entre todos eles. Da esquerda, da direita. Do outro lado da rua. E a garota de olhos verdes... Não esta lá.
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Do outro lado da rua
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4 comentários:
Fio, ficou bem legal...
Um texto interessante, gostei de ver...
Lindo, poético, musical.
Suspirante, Edu...!
Gostei mais desse do que o da semana passada.
E já te falei pra passar o link ;)
Que lindo. Nada como um amor platônico...
Fio até ficou sentimental, vejam só.
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