sábado, 2 de fevereiro de 2019

Dead train in the rain CLIV

    O preconceito libertário. A estação 154 traz um choque de contracultura. Embarquem, o trem vai partir.


Enquanto a imprensa fala sobre a mulher das palavras de ouro, a mesma cuida de assuntos convergentes da banda e da organização. Os outros não notaram, mas ela e Rebeca receberam notícias que podem evitar ou eclodir guerras. O fanatismo religioso em solo americano é um dos estopins, por isso Tiamat, Window, Angel e Knockout estão na reunião com os veteranos (...) Ainda há rumores de ambições de políticos brasileiros, que querem fazer na América o que fazem no Brasil, para isso infiltrariam descendentes (...) que iniciariam aqui o altíssimo e sem paralelo padrão de corrupção que fazem lá. Josephine nem quer pensar no poderio bélico americano nas mãos de um político tipicamente brasileiro.

Saem preocupados, mas cientes do que precisam fazer. Retomam suas vidas civis, começando pela avalanche de aclamações que o projecto de Phoebe recebeu, incluindo do Pentágono (...) A banca avaliadora não encontrou uma falha sequer no projecto de formatura, na verdade não entendeu metade, precisou consultar a autora várias vezes. Pudera, usou conhecimentos de física só comuns a doutores (...) Os bons préstimos prestados sem interesse financeiro, em todo o Estado, pesaram muito a favor na avaliação que já seria impecável.

A mídia científica divulga com entusiasmo, logo outras mídias encontram as matérias, por buscas simples. Bastou digitar “Phoebe Petty” (...) Logo “Ela não é humana! Repito: Ela não é humana!” enche os canais de celebridades e de teorias conspiratórias. Os fãs retrucam com “Diva interplanetária”. Tobby, claro...

- Boa noite, mundo! Eu sou Tobby MacGuiness.

- Eu sou Julia Foster, e estamos aqui para novamente nos aproveitarmos de nossa intimidade com a Dead Train!

- Trouxemos hoje três cientistas de verdade, que vão tentar nos explicar o que exactamente fez de tão revolucionário, nossa adorável Smiling Heart Phoebe.

- Eles explicarem é uma coisa, a gente entender é que são elas. Bem, voltaremos em trinta segundos.

“Nós não temos certeza do que se trata, mas sabemos que funciona” dá início à hilária entrevista, que pretendia ser séria e sisuda (...) acompanhar o raciocínio da garota é uma tarefa ingrata. Ela não entende como eles não entenderam algo tão “simples” (...) manda algumas respostas pelo facebook, tornando-se a quarta e involuntária entrevistada...

- Foi por isso que não entendemos direito – conclui uma PhD – ela uniu mais de setenta áreas de vários ramos do conhecimento científico!

- Seria preciso uma universidade inteira para estudar o trabalho dela!

Ela recomenda a leitura do livro de Stephanie (...) e Julia tem mais um gancho com “Ajudaria muito se o próprio Elias concedesse uma entrevista” e tem apoio imediato dos cientistas.

Quando o programa termina, com ele a participação da moça, vem Marcia pular nela e enchê-la de afagos, orgulhosa de seu rebento (...) Na manhã seguinte, após os treinamentos matinais, ela é carregada pelo jardim e jogada na piscina, onde todos pulam em seguida. Ela (...) trata o caso apenas como um dever cumprido. Albert fica cada vez mais encantado e inseguro, Nancy não deixa de notar e liga para a pessoa certa.

Zigfrida chega com Solveig para um serviço que, espera, desta vez será leve, pois da parte de dramas familiares Renata e Marcia já tomaram conta...

- Fofo, esse papo de ela ser areia demais para seu caminhãozinho, não cola. Primeiro porque se fosse assim, ela seria areia demais até para um navio cargueiro, segundo porque ela não tá nem aí pra isso, terceiro e mais importante porque, boy, quem te escolheu foi ela. Se liga, ela tá na sua, não tem chance pra outro.

- Difícil não me comparar com premières e príncipes.

- E tu achas que a Patty não é desejada até hoje por reis e chefes de Estado? Mas com quem ela se casou, heim? Com o assistente de estúdio que ajudou na gravação do debute dela. Quer ouvir a historinha, boy? Então escuta e vê se aprende, mané!

A sueca resume, mas inclui o episódio em que ela foi ter com Arthur (...) consegue cortar o mal pela raiz. Mas concorda com ele que, se fosse levar ao pé da letra, ninguém seria digno de Phoebe, assim como é com Patricia.

&

Tia Frida aproveita para conhecer os bebês da banda; Naomi, Rose, Serena, Colleen e Natasha, que parece uma boneca de porcelana. O desenvolvimento das três primeiras chega a assustar (...) A idade chegou para ela, mas como é com seus comparsas, dentro do compromisso de manter corpo e mente aptos a qualquer emergência, os anos foram generosos (...) Ela se esbalda com aquelas crianças. Quando volta à Máquina de Costura, vê Patricia com uma expressão muito séria (...) A casa logo se enche de colaboradores, Solveig a acolhe e ela conta...

- Houve um acidente de avião em Londres, Lennart e Ulla estavam nele. Ingrid tinha passado mal e ficou em casa.

Esperam ela terminar de chorar. A sobrinha agora é sua única parente viva, não teve muitos contactos com ela, mas às vezes eram tempestuosos. A família da mãe queria que fosse uma garota sem limites(...) Perguntam o que quer fazer, porque a mesma família que queria estragar a garota, agora não se mostra tão receptiva para conviver (...) Ela olha para o seu amado banana, ele aperta sua mão e em seis dias a garota desembarca em Sunshadow. Foi uma filha tardia, Zigfrida advertiu o irmão e o repreendeu muitas vezes, pela tentação de dar-lhe a vida que “as amigas dela levam”, que é muito mais confortável para seus pais do que acompanhar e podar os excessos típicos da adolescência.

O choque com a juventude local é inevitável, lhe parece ser muito careta, muito certinha, muito conservadora (...) Impressão toda formada no trajeto do aeroporto até a sede da cidade velha. Levá-la directo para Los Angeles estava fora de cogitação. Ela, com seu sotaque gritante do centro de Lodres, quebra o silêncio, que a tia utilizou para avaliá-la...

- Não parece ser muito divertido. Não há jovens nesta cidade?

- Há muitos jovens, eles se divertem muito, só não fazem merda para terceiros limparem depois.

Isso a faz lembrar-se das broncas após farras destrutivas (...) Perda de mesada é comum na sua história. Também se lembra que foi a única de um grupo undenground que não cometeu suicídio (...) e era a única entre eles que tinha limites dentro de casa. Com Zigfrida não funcionavam os discursos inflamados (...) Com o sunshadower também não. Ela pensou muito antes de trazer Ingrid, mas todas as outras opções eram muito piores.

Chuck está ao volante do Crown Victoria 1955 vermelho e marfim, com teto de plexiglass (...) Reconhece tudo aquilo, houve época em que adolescentes de Summerfields vinham com discursos prolixos, para justificar fazerem o que bem entendessem (...) o trauma da perda está estampado no rosto dela. Chegam à Máquina de Costura (...) É onde ficarão até a sueca concluir o trabalho com Albert. Ele torna-se uma preocupação extra, porque a sobrinha já se envolveu com homens casados e não vê nada demais nisso.

Encontram Ana Clara e Elisa preparando o almoço, enquanto a dona da casa está resolvendo problemas corporativos. Lady Spy fica atenta, a visitante não lhe inspira confiança (...) Sobe à suíte que lhe foi reservada, ao lado da sua. Pé direito alto, cômodo amplo, a janela toma quase toda a parede e dá acesso à sacada (...) Há uma efêmera ilusão de falta de limites, que some quando a tia avisa sobre os treinos matinais...

- Então não se assuste, o povo aqui acorda muito cedo e pega no pesado logo de cara.

- Cara... Tinha outras idéias disto tudo.

- Pensou errado. Aqui não tem moleza pra ninguém, e com você não será diferente. Isso mesmo, você deve agir aqui como agia quando eu ia visitar vocês. Aquela pistoleira não vai mais estragar você.

Sobra espaço no armário, ela estava acostumada a comprar roupas todos os meses (...) Sabe que agora isso é passado. Descem, o cheiro que vem da cozinha denuncia a iminência da refeição. Uma voz sedosa em tons autoritários se aproxima, após um ronco de motor semelhante aos Porsche e Volkswagen a ar estacionar e cessar...

- Eles estão brincando com fogo, Arthur! Desta vez nós não vamos socorrer aqueles pilantras. Se quebrarem, que quebrem, depois encaminhamos os empregados para outras vagas, mas eles vão arcar sozinhos com sua arrogância... Gente nova no pedaço, a Igrid chegou.

- Lady Spy está mantendo distância dela.

E corre para sua senhora assim que a vê. Nos braços dela se sente segura (...) e a inglesa acha Arthur muito atraente para quem já é bisavô. Mas a figura de Patrícia a inibe (...) um tapa dela deve doer muito. Dão-lhe as boas vindas de praxe e vão almoçar, e ela estranha comer à mesa com uma família.

Arthur se despede da irmã e da cunhada, até a hora de fechar a BYOP, elas lhe repassam suas impressões (...) As duas encontram Elias baixando o relatório trimestral, acham por bem avisar-lhe da visitante de carinha meiga e coração agressivo. Sandra estica o pescoço e avisa...

- Eu sei curar e sei matar. Meu namorado é só meu.

Chuck também dissemina suas impressões, não é o tipo de adolescente de fora que seria indicada para as escolas de Sunshadow. Nancy toma conhecimento, vai dar uma olhada em Albert, que está atendendo uma criança. Espera e o alerta assim que desocupa...

- A própria Frida disse isso dela. Tome cuidado, deixe seu comprometimento bem claro.

- E por que ela se interessaria por mim? Acho que o capitão seria mais cobiçável, não?

- Ricky tem uma postura muito militar, ele cresceu sob uma disciplina rigorosa. Você veio de uma vida muito livre e a deixa transparecer, isso a atrai.

- Veja o tamanho da minha aliança de noivado.

- Para ela não faz a menor diferença. O conceito de “casamento aberto”, dos outros é claro, fazia parte da vida dela. Bancava a Lolita, tinha uma relação e ia embora sem olhar para trás.

- Putz! Valeu pelo toque. Vou dar um alô pra Phee.

O laboratório da fábrica tem dezesseis prototipadoras de diversos portes e tipos. Phoebe termina de programar (...) e vai ter com o noivo (...) À Tarde ela conhece a garota, levando as filhas e o gato. A pouca aceitação às crianças é bem visível, a pouca aceitação de Spark à visitante também (...) O porte da jovem mãe a intimida muito, mas imagina um sexo oral delicioso nela. Está disposta a tudo para fugir da realidade do luto, mais do que fugia da realidade que os noticiários pioram antes de apresentar ao público...

- Não te ofereceram o direito de abortar?

- Eu nem cogitei isso.

- Seu corpo, suas regras, certo?

- Eu segui minhas regras. Rose, não pense que não estou vendo vocês! Tire a mão dai. Spark, vem... Menino travesso... Eu não me arrependo de ter parido.

Aquilo soa muito conservador à visitante, lhe vem à mente os boatos sobre crianças prometidas para casamento assim que nascem (...) tenta imaginar que tipos de castigos sofreu para se comportar automaticamente assim. À noite, com os tios, tem a primeira advertência...

- Ela nunca foi castigada em grau nenhum, a não ser pela vida. Ainda que essa sua cabecinha entupida com feromônios não conceba, ela é feliz com a vida que leva. Deixe de ser preconceituosa, Ingrid! Você está julgando as pessoas desta cidade da mesma forma que se dizia julgada por conservadores. Você pensa que se não for do seu jeito, na sua mentalidade, a vida não faz sentido. Nenhum psicólogo sério endossaria isso, como todos os que você abandonou não endossaram. A Phee não tem pressa, não tem ansiedade, não tem medo, não tem apego, não há nada que estrague o dia dela. Ela é feliz trabalhando duro, ensaiando pesado, cuidando das filhas e do gato, e ainda arranja tempo para ajudar as pessoas; sem reivindicar sequer um “obrigado”. As pessoas aqui são assim, foram educadas assim desde bebês. Não é a falta de um orgasmo ou de uma desforra contra o “sistema” que anula a felicidade. Eles fazem tudo o que fazem apesar do sistema, que não é um deus invencível e nem um demônio implacável. Nenhum deles, principalmente desta família, procura temperos para a vida, eles a temperam sozinhos, mesmo sem fortes emoções a cada noite, se valendo só do que têm. Nesta cidade, de cujas feridas você nem faz idéia, o grande mal que você chama de sistema e só existe no seu coração, não vingou. Veja se julga menos e aprende mais, vai precisar muito disso em Los Angeles.

Preferiria ter ido dormir com o traseiro quente a com os ouvidos zunindo (...) se julgava o suprassumo da tolerância e do acolhimento de diferenças (...) Adormece cedo, também cedo acorda com um barulho vindo do jardim, então se lembra do primeiro aviso. Vai à janela e vê todas aquelas pessoas, quase todas famosas, praticando artes marciais (...) Aquilo a assusta, os combates com armas assustam ainda mais, o desempenho de Phoebe a apavora. Não há coreografias como as de cinema, aquilo é pra valer. Ao fim, Phoebe aponta para cima, notou a espectadora durante o combate...

- Bom dia, sono leve – cumprimenta Patrícia. Desculpe acordá-la tão cedo, mas isto é prática antiga, uma tradição da cidade. Volte pra cama, o seu desjejum estará na mesa da copa.

Pulam todos na piscina, para descontrair, e o treinamento de hoje é encerrado.

0 comentários: