quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Dead Train in the rain CLVIII

    Novamente o fanatismo. A estação 158 obriga Sandra a cumprir com uma promessa e prepara terreno para mais transformações. Fiquem atentos e embarquem, o trem vai partir.


O assédio assusta. Carly chega a bloquear acessos ao seu perfil por alguns minutos, não estava conseguindo usá-lo (...) O público é variado, tanto quanto inconveniente. Pedidos de namoro, de photos, de visitas, perguntas de foro muito íntimo e propostas indecorosas (...) vai falar com Phoebe. Ela dá uma olhada nas figuras mais atrevidas, infelizmente é o que esperava, quase sessenta por cento são brasileiros...

- Tem muita gente bloqueando todos os brasileiros, porque nenhum deles vem com “troll de internet” no cabeçalho do perfil. Em segundo, perdendo de muito longe, vêm os russos, mas são só garotos travessos, perto dos trolls brasileiros.

- Por que fazem isso? Quer dizer, a Rê, a Pancada e o Elias são brasileiros!

- Meu bisavós maternos também são, a tia Claire é... O Brasil vive uma fase aguda e muito severa de sensação de impunidade, isso tem se refletido no comportamento principalmente dos jovens. Imagine um garoto que acredita estar na proteção do anonimato, que é uma ilusão, diante de um ídolo ou um cara que odeia. E acredite, no Brasil, quando um meliante de verdade é pego, ele se revolta e jura vingança contra a sociedade, se foi preso por furto, promete começar a matar quando sair...

- E sai, depois de soltar essa merda na frente da polícia?

- E na frente das câmeras. Sim, a lei os ampara. Não os protege de abusos policiais, mas os coloca nas ruas rapidinho. Imagine um garoto cheio de hormônios e vontade de se afirmar vendo isso pela televisão... Pronto, identifiquei os trolls e estou bloqueando todos. Perfil operacional.

- Você mexeu no meu perfil?? Como??

- Proteger nossos negócios de hackers faz parte do meu trabalho. Pega seu tablet porque já tem fãs postando... Ei, eu conheço estes dois, são paparazzi.

- Depois do que você me falou, eles não são nada.

Ela vai falar com Sandra. Phoebe tem uma preocupação a mais, as redes sociais se tornaram noticiários de carnificinas no oriente médio, isso onde elas não foram simplesmente bloqueadas (...) Sandra fala consigo, após dar conselhos preciosos à comparsa de banda. Se mais um governo for simplesmente derrubado (...) há dezenas de grupos radicais prontos para tentar ocupar o vácuo e piorar tudo. Encerram a conversa sigilosa e voltam a viver suas vidas civis, porque abdicar delas não vai evitar o desenrolar dos factos.

Richard responde a uma questão directo do presidente, sobre a bisneta. Reitera que nunca hove e não há qualquer experiência de manipulação genética para reprodução, na organização. A insistência se deveu a resultados que cientistas do governo conseguiram, ao monitorar os membros da organização e concluíram que a garota é muito mais forte do que deveria ser, se fosse uma pessoa normal...

- A questão não é só de sigilo institucional, Phoebe é minha bisneta, então é também um assunto de família. O que posso dizer é que meu neto é mais forte do que eu, ela é bem mais forte do que o pai.

- Quanto mais forte, se não for difícil de responder?

- Muito mais forte. Como eu já disse, estamos estudando a genética dela, vários genes que em nós estão aparentemente inactivos, nela funcionam a todo vapor.

Dizer que ela é páreo para um gorila macho adulto, está fora de cogitação. Ver sua graça de bailarina ao caminhar, como se estivesse deslizando, engana. Vai com Albert e as meninas até a casa dos bisavós, e sai com eles no bom e velho Nash (...) Albert pensa bem, duas garotas atraentes, inteligentes e bem humoradas são ímãs para paqueras, se ainda por cima tiverem gosto e conhecimento automotivo...

- Phee... Temos que falar sobre as meninas.

- Por quê?

Ela estaciona e solta a maior gargalhada de sua vida. Ruma para a casa dos outros bisavós e dá a notícia, Albert está com ciúmes preventivos (...) Logo a cidade inteira ri dele, enquanto a esposa o consola, afirmando que todo mundo é um pouco careta (...) Aproveitam que Eddie está ajudando Glenda na compra da parte do enxoval que ela mesma não vai confeccionar...

- Ok, vamos ao ponto: Todo mundo é careta! Em pontos diferentes, sob circunstâncias diferentes, em graus diferentes, mas todo mundo é. Faz parte do nosso instinto de sobrevivência, você não tem que se sentir mal. Simplesmente reprimir um instinto, dá condições para radicalismos, os mesmos contra os quais você lutou no Kwait.

- Eu nunca liguei pra rótulos e agora descubro que tenho uma caretice!

- Não é um rótulo. Não neste caso. Na verdade acredito que seja uma proteção do seu subconsciente para evitar que você radicalizasse e fizesse alguma asneira irreversível. Equilíbrio, lembra-se? A Frida te disse isso, ninguém pode viajar nas asas do avião, viaja-se dentro da fuselagem.

- Com gente nas asas o avião nem decola, no máximo desperdiça potência perambulando pelo aeroporto.

- E não é assim que a humanidade está?

O cabo (...) se vê obrigado a concordar com ela. Pobre Albert! Era tão auto suficiente, tão confiante e seguro de si, mas desde que pisou em Sunshadow viu suas certezas sobre si se esvaziarem paulatinamente.

&

Voltam de Juneau e Honolulu, deixam os outros em Sunshadow e voam para o escritório central. Queriam fazer uma surpresa, mas o público está perguntando aflito pelas bugigangas licenciadas. Especialmente os colecionadores (...) Lojas de antiguidades já têm milhares de cofres preparados e programados para abrir em vinte e cinco anos, só aguardando seu conteúdo (...) mas temiam a perda do investimento pelo silêncio da banda a respeito...

- Mel!

- Tudo pronto! É só os licenciados começarem a produzir e teremos lojas abastecidas.

- Você fez tudo isso no tempo da nossa viagem pra cá?

- Tive uma ajudinha vital da sua sobrinha. Bee, vem cá!

Pegam a moçoila, carregam pelo salão interno, levam para fora e a jogam na piscina, pulando em seguida (...) os productos licenciados, todos made in USA, Canada e Mexico, começam a ser distribuídos em no máximo uma semana. São dois mil cento e quatorze itens fabricados por mão de obra paga (...) Há artigos de US$0,50 a US$15.000,00 o que inclui uma jukebox com tudo o que havia de melhor na época da estréia da banda e tudo o que há de melhor hoje, inclusive baterias para quando não houver rede de energia por perto.

Voltam para Sunshadow acompanhando as notícias (...) Chegam e encontram Nancy à espera da filha, a chama para a chefatura sem dizer o motivo, para que não se irrite precocemente. Elias está prestando depoimento, enquanto Sandra espera apoiada no noivo...

- Eu disse que nunca mais deixaria vagabundo tocar nele.

- Sandra, o que aconteceu com seu pai?

- Os caras daquela igreja, madrinha. Cercaram meu pai que nem cercaram o Jee, queriam obrigar ele a comer o livro e se desculpar. O primeiro tentou enfiar uma página na boca dele e ele se defendeu, cheguei nessa hora. Os outros partiram pra cima e o resto eu não me lembro direito... Acho que matei um.

A voz é tensa, mas é mansa, como se estivesse acostumada. Charles termina de colher o depoimento e (...) já esclarecendo que o rapaz foi agredido e a filha o defendeu, as imagens de vídeo em vários ângulos não deixam dúvidas. Um deles tinha uma calibre doze e apontou para ele, é justo o que corre risco de morte. Patrícia vê as imagens...

- Não dá pra acreditar...

- Viu? Esperaram ele entrar numa rua mais vazia e o cercaram. Mas o que me assustou foi a reação da Pancada... Ela pareceu um wolverine acuado, mal dá pra ver os movimentos dela!

- Eu o trouxe pra cá para protegê-lo, Chuck. Mas me esqueci de que ele poderia conseguir seus próprios inimigos apenas sendo ele mesmo...

- Patty?

- Mom... Eu vim tão contente de Los Angeles! Eu estava tão feliz!

- Ele está bem, meu amor, sequer foi tocado. Desfranze essa testa.

É um custo alisar aquela testa (...) A acusação de “caçoar da volta de Jesus, que está marcada para o fim do ano, quando o mundo será devastado por uma chuva de fogo e os eleitos verão os ímpios morrerem continuamente no inferno” procederia, se ele tivesse elaborado aquelas parábolas para atacar más condutas de religiosos que pregam a santidade. A carapuça serviu, só isso.

Pode parecer oportunismo, mas Julia aproveita o episódio para tratar da entrevista, para ele deixar claro o que o levou a elaborar o conteúdo (...) Ele olha para o menino em seu colo, se vira para a apresentadora e concorda, desde que a entrevista seja gravada na cidade (...) Patrícia volta à Máquina de Costura taciturna, compenetrada. Quer muito ter um dia mais proveitoso, mas não sabe como. Vê as filhas com as pequenas (...) Elizabeth se adianta, pergunta se podem marcar aquela entrevista para ajudar na novela, ou se o momento é inapropriado.

Ela pensa. Em situações normais, seu estado de tensão seria contraindicado, mas neste caso é perfeito para passar-lhes o que tem a acrescentar, com frieza e severidade necessárias (...) vai falar da parte humana dos líderes mundiais e suas conseqüências para o bem e para o mal. Falará de atrocidades cometidas apenas por uma mágoa ou uma decepção, motivos que beiram a infantilidade, camuflados sob discursos ufanistas (...) as características e os históricos dizem claramente quem são.

A tarde cai e colore de escarlate as nuvens, mas o assunto não se esgota antes de a noite vir. Conseguiu esvair a tensão com aquela entrevista, para a alegria do marido (...) porque ela saiu da chefatura como quem carrega o mundo nas costas. Alguns dias passam na dureza cotidiana. Julia chega com um operador profissional e seis tablets Dead Train para a gravação. Primeiro grava a chamada por um tablet, deixando o entrevistado tímido em segundo plano...

- Boa noite, Mundo!... Tá, boa tarde, mas isto só vai ao ar à noite... Depois de muita insistência e ser muito chata, finalmente consegui a entrevista exclusiva com o criador da pedagogia que acabou levando o seu nome, e tem conseguido tanto simpatizantes ferrenhos, como inimigos ferozes. Vocês devem estar se perguntando, com os livros em mãos “Como ele chegou a todas essas idéias malucas?” é o que vamos descobrir, logo depois dos comerciais. Não saiam daí!

Uma breve pausa e recomeçam a gravar. Ela começa perguntando (...) sobre essa conversa de “Branca de Neve com um cesto de nozes em uma carruagem de abóbora puxada por três porquinhos mosqueteiros indo para a casa do chapeleiro louco”...

- Foi numa época muito difícil, em que ela estava com a saúde frágil e eu precisei conseguir bicos para arcar com o tratamento. Certa noite, como de hábito, ela me pediu um conto. Ela queria uma história, não uma desculpa, mas eu estava muito cansado. O que me veio à mente foi uma lição de teor moral, que normalmente não se conta para crianças, então elaborei uma parábola...

Ouvem-se sutis risadas do cameraman (...) Julia aprofunda as perguntas e quanto mais adentra, mais profundidade encontra. Fica claro para ela que foi das profundezas de suas próprias trevas que ele tirou todas essas lições, transformadas em livros. Às vezes precisa fazer uma pergunta engraçada, para contrabalancear (...) seu abismo parece não ter fim...

- Sobre a Sandra Cocada... Você serviu de cobaia para os primeiros doces que ela fez?

- Na verdade ela não deixava muita coisa para outros experimentarem, comi migalhas, lasquinhas de cocada e bombons trufados. Não se iluda com aquele corpo, eu não sei onde ela enfia tanta comida!

- Uma mulher que come e não engorda??? Prevejo marés de inveja e pragas sendo rogadas!

É o que acontece. No decorrer da exibição da entrevista, os desafetos começam a ligar para feiticeiros de anúncios de jornal, cada um deles responde “Você não sabe com quem está se metendo! Deixe essa mulher em paz ou me esqueça!” e desliga na cara. Tio Quimbim mandou dar o recado (...) Enquanto isso, Sandra é carregada pela casa e jogada na piscina, para depois os outros cinco pularem atrás. Isso já virou tradição.

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