quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Dead Train in the rain CLXXII

    O passado pode ser lindo, mas também traiçoeiro. A estação 172 desenha o perigo de ter seu passado como inimigo, mesmo que só uma parte dele. Fiquem atentos e embarquem, o trem vai partir.


A CIA volta a falar com Elias. Alguns agentes já são conhecidos (...) enganam bem os populares. Não enganam aquele brasileiro desconfiado, muito menos sua filha belicosa. Desta vez eles notam um traço de amargura nele, a aproximação do Brasil com ditaduras o entristeceu muito, não bastasse os idiotas diplomados ainda tentarem covencê-lo que nunca foi agredido, que foi apenas “um incidente comum na cultura local, em uma comemoração típica de samba pela vitória de seu time de futebol preferido, comum no folclore dos povos ribeirinhos da floresta brasileira”...

- Quem falou essa merda de elefante?

- Os mesmos idiotas diplomados e prolixos, que pensam que vocês são o serviço secreto mais cruel e desumano do mundo e que os maçons controlam telepaticamente o presidente.

- Cara, a gente tá pior do que eu pensava!

- Nota – interfere Sandra – a gente não tinha televisão. Só víamos quando visitávamos a tia Bete. E lá ninguém gostava de futebol.

- Eles querem convencer vocês que suas lembranças são falsas e que o que eles dizem é que é a verdadeira versão da história, é isso? Aquelas cirurgias todas que vocês sofreram, teriam servido para quê então?

- Nem me pergunte, minha amiga. Um roteirista precisaria ser muito ruim, para escrever o que eles tentam me enfiar goela abaixo.

Richard toca a campainha e entra com Robert Richard nos braços. Saúda os velhos conhecidos (...) perguntam se o menino também está sendo treinado para ser um colaborador...

- Vocês não perdem por esperar. Adiem um pouco a aposentadoria para o verem em ação.

- Sério?

- Como é que é?

- Será inevitável. Você, Sandra e Kurt estão moldando um gênio. Ele aprende com uma rapidez estúpida, compreende de imediato o que acontece à sua volta, tem um senso de responsabilidade raro de se ver antes dos dezesseis anos. Ele tem um senso de realidade fora do comum! Já sabe que contos de fada não são relatos históricos. Sandra, no tempo certo, cuide do treinamento dele.

- Ok, vô Ritchie.

- E então, meu amigo, como se sente sendo um fabricante de agentes secretos?

Ele apenas pega o filho nos braços e o faz se sentir criança (...) sim, ele tem talentos e condições de se tornar um agente colaborador de primeira linha. Ele olha para a filha (...) não estaria em menor risco se fosse policial de uma metrópole, só que os inimigos neste caso, são nações inteiras e idiotas simpatizantes em territórios amigos.

À noite, à sua pequena escrivaninha vitoriana, uma mesa circular de onde retira uma cadeira com estofamento verde escuro que, guardada, integra seu desenho, ele desdobra a mesinha embutida e estuda alguns rascunhos (...) Enya se aproxima, só de lingerie escarlate (...) o abraça por trás, lasca-lhe um beijo de desentupir pia, acaricia seu caçula e dá uma olhada naqueles esboços que há quase um ano o marido retoca com cuidado, mas nunca mostrou a ninguém...

- “Vintage Way of Life”. Impossível um nome mais americano e cinqüentista do que este, mas o que é? Você está desde dezembro entretido com este esboço.

- Uma coisa que pensei, observando a madrinha e Elizabeth.

- Well... O que elas têm em comum, além da aparência, é o gosto pela moda retrô... Tá pensando em uma marca retrô, meu amor, é isso?

- Mais ou menos... As idéias ainda estão caóticas...

- Conta pra sua esposinha linda e interessada, conta!

Na manhã seguinte, sem ele saber, photographa os esboços e mostra aos irmãos...

- Todo esse planejamento detalhado e ele disse que as idéias estão “caóticas”? Popcorn, vou bater no seu marido! Isto aqui é uma loja de departamento retrô e ele detalhou cada milímetro dela!

- Até o logotipo foi esboçado em detalhes e rico em descrições! Já mostrou isso pra Patty? Então vamos mostrar!

Ela sorri largamente (...) ao ver aqueles esboços de planta baixa e memorial descritivo resumido. Avisa Luppy que vai sair (...) Acompanha os irmãos até a Sandra Cocada do Shopping, hoje com dois pavimentos; Elias considerou desnecessário e exagero ter mais do que isso. Pois lá está ele, comprando côco e mandando peças de reposição. A parte da burocracia estatal é um pé nos fundilhos (...) faz uma reserva financeira para as empresas não serem pegas de surpresa, porque o chapéu alheio já está pequeno para tanta bondade governamental na América do Sul.

Conclui e se põe contra o encosto, por alguns minutos, meditativo. Aqui as lições de faculdades de administração têm pouca utilidade, está lidando com quase máfias (...) Clica em uma aba, vê uma noticia de aviação civil, pensa um pouco e vê uma saída para a recessão que se anuncia em alguns países. Se querem reconquistar o glamour e os passageiros exigentes, terão que oferecer refeições à altura, com sobremesas dignas. Providencia para que se lembrem da Sandra Cocada (...) Agora é esperar, certo? Errado! Agora é olhar para a porta e ver sua amada esposa acompanhada dos irmãos e de sua adorada madrinha...

- Que bom saber que você ainda nutre sonhos, meu querido! Mas você precisa compartilhar com a gente também!

- Tem gente querendo sociedade, meu amado.

Ele faz uma cara de “Explique isso, mocinha” e Patrícia se adianta. Em uma hora estão com Ronald e Melody, explicando as idéias de prêt-à-porter de alto nível (...) com lançamento de coleções que serviriam de excelentes vitrines da qualidade de suas roupas. Sugerem o uso de impressão 3D para fazer acessórios retrô personalizados (...) Patrícia o tira da carapaça, para que exponha (...) seus sonhos antigos. Móveis com elementos inspirados em épocas, que podem ser montados no acto da encomenda, para que não haja duas mobílias iguais (...) Josephine avisa que os estúdios se interessaram, isso reduziria sensivelmente os custos de muitas produções...

- Não me pergunte, meu querido, ela sempre sabe. E então, vamos planejar seu sonho?

Será uma parte do trabalho que dará muito mais prazer do que cansaço (...) se decide a meter a cara e aceitar a sociedade da Dead Train Corporation, pois é algo que tem tudo a ver com a banda e sua philosophia de trabalho.

À noite, na casa de solteira, conversando com os pais e as irmãs, sob os mimos da mãe...

- Eu nunca vi meu menino tão feliz! Ele sorri pouco, mas desta vez abriu um sorriso de orelha a orelha. Ele tinha esse sonho desde criança e não contava a ninguém!

- Certamente pela repressão que sofria. Se até falando com esse sotaque só dele, era ridicularizado – diz Nancy!

Explica a vasta abrangência do empreendimento, que se especializará no meio de século, mas terá peças inspiradas da era vitoriana até os anos oitenta (...) até cartazes com as figuras dos clientes estão nos planos. O que ele planeja é grandioso, é quase uma Disneyland para vintagistas, tanto que vão envolver a Culture Train  (...) Eddie, Amilton e Glenda já planejam a cooperação, inclusive com uma lojinha como posto avançado da marca (...) Elvira é só farra com a movimentação. Para comemorar, suja uma fralda, afinal os adultos gostam, tanto que correm para abrir e ir ver o que tem lá.

O esboço sem compromisso torna-se um pré projecto sério antes da abertura do Sunshadow Racer Motor Show. Fabricantes de réplicas, kit cars e vendedores de carrocerias de clássicos com selo de originalidade das montadoras, são as novidades para o imenso espaço extra (...) nunca foi tão fácil, rápido e barato construir um carro com padrão de qualidade de fabricante. A Gardner Company traz uma proposta para um futuro não muito distante, levou uma complexa e volumosa prototipadora multimaterial laser-plasma, que vai construir um V8 611” pronto para usar. Para isso dezenas de braços multidirecionais, e alguns giratórios (...) trabalharão juntos nos cinco dias do evento.

Enquanto os Richards e Phoebe dão partida no desafio de prototipação, Kenji acompanha Sakura e Mikomi, com Nanako e Hiroshi pelas mãos, até o centro de convenções (...) Mikomi ficou para trás, uma alça da bolsa arrebentou (...) Ele deixa a família na praça do centro de convenções e vai socorrer a sogra (...) Será coisa rápida.

Mas não o suficiente para a trama que se desenrola. Um Toyota Corolla preto 1997 acelera, o ruído denuncia a preparação esportiva do carro. Ele sobe deliberadamente na calçada diante da população atônita. Robert confia no genro, confia muito (...) Ele corresponde. Só tem tempo para correr ou para empurrar a sogra. A empurra de baixo para cima, em direção ao gramado da praça e é acertado em cheio, enquanto ela aterrissa com dores, mas intacta na grama espessa e fofa.

Em outras cidades a população assistiria ao carro ir embora, mas não em Sunshadow (...) O atropelador é cercado, esmagado e preso por gigantes da era de ouro da indústria automotiva americana (...) Enquanto o rapaz é socorrido, diante da esposa e dos filhos em prantos, Chuck chega com a força policial. O elemento se recusa a sair do carro, prefere dar um tiro na cabeça, que o vidro muito escurecido não permite saber que foi um suicídio e causa uma saraivada de tiros dos Street Warriors. Quando abrem a porta, vêem um homem de traços orientais (...) Mikomi o reconhece, é o irmão que não aceitou o arrependimento do pai e prometeu vingar a honra da família.

Os danos ao herói foram graves, mas ele vai voltar a andar em dois ou três meses (...) Infelizmente ele não pôde ver ao vivo o sucesso do desafio, precisou ver do hospital o enorme motor se formando diante dos olhos incrédulos do público (...) para no final ser acoplado ao segundo dinamômetro e acusar, líquidos, absurdos 353kgfm de 600 a 4500rpm e indecentes 2500cv de 4500 a 6000rpm; o primeiro dinamômetro foi destruído pela aceleração dos dez litros de deslocamento do monstro. E é motor manso, para uso nas ruas.

Enquanto a temperatura cai e as feridas são tratadas, uma igreja radical convoca seus fieis para o último natal do mundo, que será destruído na virada do ano pelos anjos amorosos do Senhor, que dilacerarão sem piedade até os bebês dos ímpios, com suas espadas vingadoras cheias de ira santa e rancor divino. Richard pede que gravem tudo o que puderem, quer fazer um vídeo montado com as cenas mais ridículas e esculhambar todos eles na virada do ano, quando mais gente vai processar pastores por o mundo ainda estar de pé.

A população estréia o primeiro inverno na cidade subterrânea (...) Enquanto lá fora o termômetro cai de -20°C, lá dentro está em confortáveis 7°C. Bastante razoáveis para os nativos de Michigan, alguns chegam a dispensar agasalhos, especialmente Phoebe, Rose e Serena, que ficam muito à vontade com roupas de verão (...) Patrícia e Renata sempre estão à saída do subterrâneo para garantir que as três estejam devidamente agasalhadas...

- A trisavó tá contando tudo pra vocês, não tá?

- Pode ter certeza, amantíssima neta, ela me conta tudo.

- Inclusive que você está praticamente nua debaixo desse casaco, que sozinho – suspira... Deixa pra lá. Pelo menos evitou espetáculos pra paparazzi.

- Errado! A gente adorou clicar elas aqui em baixo!

- Foi uma visão do paraíso! Valeu, Phee!

- Man, que pernas!

Eles  (...) já enviaram e venderam suas photographias e vídeos curtos. Está já tudo publicado em sites e prestes a sair em programas de televisão e revistas impressas, os internautas já estão indo à loucura, agentes secretos conhecedores babam quase dizendo “Venha me espionar, querida”. A liga se reúne para saber das conclusões dos especialistas a respeito, que começam com “Ela não é exactamente humana” (...) Matthew se põe a apagar o incêndio invernal, ameaçando cortar os côcos do primeiro que soltar uma piadinha tosca sobre sua neta. Certo, lá em baixo a temperatura está incomparavelmente mais confortável (...) mas andar de minissaia e regata foi muito exótico. Enfim, ela cumpriu com a promessa.

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