sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Dead Train in the rain II

    Dada a partida, vamos conhecer os primeiros personagens. Espero que a época retratada em cada trecho esteja clara aos leitores, pois nada, ne mesmo uma vírgula é acessório nesta longa ferrovia.

    Aboletem-se em seus assentos, a viagem começa agora.



Ela escolhe com cuidado a carta que vai mandar, escreveu três para eleger a mais adequada. Por mais que lhe doa o coração, e dói como uma facada, não se vê no direito de ser um ponto fraco ou mesmo um obstáculo aos planos de seu amado (...) . Escolhe a terceira, é a mais firme e não dará chances de retorno. Atravessa a praça central e entra na agência dos correios segurando os prantos. Na volta manda os irmãos para a escola e desata a chorar, mas não destrói as cartas não enviadas, assim como não o fez com as anteriores. Alisa o camafeu que ele lhe deu, quando se conheceram, mas também não tem coragem para se livrar dele, o guarda com as cartas. Lá fora uma carroça leiteira mal lubrificada entoa uma canção triste, como se chorasse. Ela ama aquele homem, como o ama! Por isso mesmo disse adeus.

Quando os garotos voltam, uma maquiagem leve já disfarçou o rubor e o jantar está quase pronto. Nos dias consecutivos ela se empenha em costurar, escrever, reforçar a educação dos irmãos e se resignar. Não é só o coração que está partido, David era uma esperança de uma moça sozinha e seus irmãos mais novos saírem do sufoco financeiro. Naomi suspira e volta a trabalhar na costura, às vezes também assinando colunas no jornal com um cognome masculino, sabe que uma mulher falando de economia e política nunca seria levada a sério, mesmo já estando em plenos e prósperos anos vinte. Mas eis que um dia aparece um homem que aceita se casar com uma mulher muito mais inteligente do que ele, aceita acolher os garotos e as coisas ficam menos pesadas. O maquinista ajuda a transformar os garotos em homens e ganha de presente dois lindos rebentos. Por algum tempo o coração daquela mulher sábia e sofrida terá descanso.

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Nancy chegou mais cedo em casa, dispensada das duas últimas aulas por conta de um telephonema que a direção recebeu, mas isso não lhe foi dito. Não que não gostasse delas, amava, mas já estava estafada daquela maratona de estudos. Como a mãe, quer ser professora. Tem muita paciência com crianças, mas praticamente nenhuma com adultos chatos. E, Deus! Como eles conseguem ser chatos! Parece ser um esporte popular entre eles!
O festival de twist de sábado ainda cobrava os tributos, pesados demais para quem viu a vitória ser roubada, todos desconfiam que seja por causa de sua origem, especialmente porque imitou Carmem Miranda melhor do que todas as outras, sem estereótipos, mesmo sendo loura; o preconceito contra quem sai de Sunshadow ainda é grande. Estranhou o clima assim que entrou. Na realidade, nem se lembrava de que estavam em plena guerra. Tremeu nas bases quando viu sua mãe chorando desesperada e um oficial da marinha embaraçado, olhando para si como se tivesse feito algo errado. Só seu gato Beef agia assim. Então ela se lembrou de que estavam em guerra, e que a sua casa era a única na rua que ainda não tinha recebido aquela notícia horrorosa...
- We’re sorry, Nancy... But...
O Tenente Gerald Petty Green, o último sunshadower ainda vivo no front, fora completamente destroçado por uma bomba nazista, nem a cabeça inteira sobrou para a família enterrar. Beef só teria mais uma semana de vida.

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