quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Dead Train in the rain XIV

    Mais um passo na direção do estrelato, mais um nível de dificuldade que se camuflou sob o semblante carinhoso de uma mãe. A estação quatorze põe os pingos nos is para nossa protagonista. Embarquem logo, o trem já vai sair.


Haloween é uma festa pública em Sunshadow, uma das poucas que sobreviveram ao histórico de tristezas da cidade. E foi o deste ano que as famílias combinaram com seus rebentos, para a estréia amadora do Dead Train (...) Para chamar mais atenção, as garotas se fantasiaram de bruxas, e os garotos de Conde Drácula. Brincam despreocupados, enquanto não chega a hora de se apresentarem, especialmente Rebeca. Richard tem planos especiais para esta noite, além da apresentação.

Aos poucos os garotos são reunidos, deixando as rodinhas de concidadãos em que estavam, para a primeira apresentação. Sobem na cabine do trem e Richard liga o som (...) e, lamento, não tem mais volta...

- Welcome to Sunshadow, our little place, so good is the people, but is all very wacky. Welcome to Sunshadow, our happy home, in your own home you’re is not alone...

Começam com uma música irônica e bem humorada, ressaltando a proximidade entre os cidadãos, algo bem semelhante à união e ao pacto de defesa mútua dos originais. Os sunshadowers se reconhecem, e têm esperanças de que as pessoas de fora os conheçam pela música, não mais pela fofoca despeitada de cidades vizinhas (...) A reação agrada, estimula, mas eles sabem que todos os vinte e nove mil habitantes daquela cidade em franca extinção, se conhecem e tradicionalmente se amparam, então não podem levar a ovação como um reconhecimento imparcial. Terão mesmo que sair ao mundo e colocar suas carinhas macias a tapa.

Três canções curtas bastam, deixaram uma boa impressão. Descobrem que, além de Bobby, Rebeca e família, há mais gente de fora, fantasiada. Os garotos são procurados e elogiados, no que Patrícia faz um sinal para os pais se aproximarem. Pena que ainda não exista um telephone como o de Dick Tracy (...).

Os adultos ficam por perto, mas a uma distância grande o suficiente para os garotos se sentirem no mundo dos adultos, tendo que enfrentar estranhos e tomar decisões. Vão precisar disso, quando saírem para o mundo. Patrícia, vendo os pais por perto, com um sorriso escancarado os chama. Os mascarados são seus professores e o director da escola. Querem saber de disponibilidade da trupe, para festinhas do calendário escolar...

- Eles ainda estão aprendendo - diz Richard, de Frankenstein patriota.

- Pois nós temos um estúdio de música novo, que eles poderão usar quando quiserem, é só agendar e utilizar. O que me dizem?

Nancy olha para os seis, como se esperasse deles a resposta, quando eles esperam dos adultos a resposta. Ela faz a cara de “me explique isto, mocinha” que Patrícia conhece bem, a garota entende...

- É com a gente, turma. Aceitamos.

A única decisão certa é a decisão tomada. Os seis tomaram sua primeira decisão em direção à profissionalização. Se foi a melhor ou não, o tempo dirá, o certo é que tomaram e isso os tirou da inércia, esta sim sabotaria tudo.

&

Na tarde agendada, lá estão os seis, com seus pais. Eles querem vistoriar pessoalmente o ambiente que seus filhos vão freqüentar. E freqüentarão muito (...) tudo bem feito e bem acabado, com instrumentos à disposição. Nancy pergunta quem é o professor de música...

- Ainda não temos, por isso não inauguramos oficialmente.

- Por quê? Algo de errado com a vaga?

- Well, você é de Sunshadow e acha Summerfields uma cidade grande, por comparação. Infelizmente temos várias cidades maiores por perto, com mais recursos, que acabam por atrair todos os candidatos. Deveríamos ter começado as aulas há meses.

- Só por isso?

- Sim, só por isso.

- A vaga está aberta?

- Sim... A senhora Petty Gardner é professora de...

- Música. Sim, sou e a vaga me interessa.

A decisão de irem ver o prédio novo, a princípio, pareceu desnecessária, excesso de zelo, mas os brasileiros insistiram que seria importante até para a autoconfiança dos rebentos, o que os convenceu. Ser paga para ficar de olho nos seis, para Nancy foi unir o melhor de dois mundos (...).

Os colegas reclamam, afirmam que os seis terão privilégios porque a líder da turma é filha da professora, mas Rebeca rebate...

- Cara, você não sabe do que está falando, não mesmo! Mrs. Petty Gardner não deixa a Patty sair um milímetro da linha. É pior do que militares!

- Mas a gente vê ela encher a garota de mimos! É natural a mãe favorecer seu filho, não é?

- Vai nessa! Cutuca leopardo com vara curta para você ver o que te acontece.

Adaptando um dito de Renata, ela encerra a discussão, pede apenas que esperem e vejam. E vêem...

- Patrícia!

- O quê???

- Está desafinando de novo! Onde está sua cabeça, mocinha? Concentre-se!

Nancy exige dos seis o que não tem liberdade para exigir dos outros, e da filha o que não pode exigir dos outros cinco (...) No fim da aula, os seis ficam...

- Eu estava pensando em música.

- “Música”? Me explique isso, mocinha!

- A cadência do terceiro andamento do piano, me fez lembrar daquelas flores à beira da estrada para Sunshadow...

Ela explica, e explica, e explica... A finalidade é até louvável, mas a adulta no ambiente faz um alerta, como mãe, professora e responsável por todos eles naquele ambiente...

- Meus queridos, há um ditado muito sábio, que diz que o sucesso é dez por cento inspiração e noventa por cento transpiração. Se vocês se deixarem levar por devaneios sempre que forem ensaiar, terão um milhão de inspirações e não conseguirão terminar nenhuma. Não adianta imaginar a música mais maravilhosa do mundo, mas não ser capaz de colocá-la no papel. Isso é grave na vida civil (...) na vida profissional é um desastre! Todo o glamour e luzes, tudo o que vocês vêem pela televisão, ouvem pelo rádio, lêem em jornais e revistas, meus queridos, tudo aquilo não passa de ilusão. A festa, o encanto, a parte boa fica restrita aos olhos dos fãs. Qualquer artista mediano trabalha muito duro para manter o que conquistou. Não adianta fazer uma música que estoure nas paradas de sucesso, e não fazer mais no mesmo nível.

Um bom intérprete precisa cuidar muito da própria saúde, da voz em especial. Vocês mesmos vêem diariamente notícias de gente que conseguiu sucesso rápido e caiu mais rápido ainda. A fama é uma das faces do diabo, minha filha. Se você não a dominar com pulso firme, ela te devora viva. E eu estou falando só de intérpretes, mas vocês são artistas completos! Vocês (...) têm um carisma raro, serão capazes de arrastar multidões, quando estiverem prontos. Repito: QUANDO ESTIVEREM PRONTOS. Até lá, eu vou cobrar de vocês tudo o que as gravadoras vão cobrar, o que as mídias vão cobrar, o que as outras bandas vão cobrar, o que o sucesso vai cobrar, o que o público vai cobrar e o que vocês mesmos um dia se cobrarão. Eu não quero que vocês se esforcem para alçar vôos, e caiam em armadilhas das quais não conseguirão sair. Quero os seis em minha casa, hoje, para treinarem cifras.

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