sábado, 25 de agosto de 2018

Dead Train in the rain X

    Houve época em que a imigração era relativamente simples. Nesta décima estação mais um pilar de nossa trama embarca e já vamos partir.


Vizinhos novos. (...) fazia mais de cem anos que nenhuma família de fora se mudava para lá, a proliferação se dava entre os habitantes mesmo. Robert estaciona o caminhão bem em frente à casa, comprada por uma pechincha, abre o baú e deixa os chapas trabalharem, enquanto a família desce do Nash Ambassador 1951 com pintura prata e preta. Ele vai à casa dos amigos, avisá-los dos detalhes da novidade...

- Brazilians???

- Sim, brasileiros! Vieram na semana passada e hoje cedo conseguiram os móveis para a mudança. Eles falam uma língua muito estranha entre si, quase parecendo um pouco com o espanhol, que eu falo um pouco, mas é bem mais complicada e cheia de sotaques.

- Suponho que eles falem um pouco do nosso inglês, não?

- Sim, Nancy, eles e a filha até que falam muito bem, com o seu sotaque carregado. Eu – o caminhoneiro fica encabulado, mas desta vez tem que pedir ajuda...  Eu sou um homem ignorante, vocês sabem, quase tudo o que aprendi foi com a vida, então gostaria de saber se vocês podem me informar algo sobre o Brasil, porque eu acho que cometi muitas gafes e mesmo assim eles relevaram, até deram risadas...

Nancy faz que vai à biblioteca, mas Patrícia já chega antes com um atlas e uma enciclopédia. Não sabem que raios fez uma família viajar milhares de milhas até a “famosa” Vai-Quem-Quer, quando têm Detroit a menos de três horas de carro. E o que brasileiros vieram fazer naquele fim de mundo, com Nova Iorque tão chamativa e atraente? É o que Patrícia vai descobrir, enquanto os adultos conversam. Ela vê uma menina com pele mais corada do que seus concidadãos têm, o que não é difícil naquela latitude, cabelos espaçadamente enrolados, bonita e curiosa, que acena assim que a vê...

- Hi! How are you?

- Oi. Vou bem, obrigada. Eu sou Patrícia Petty Gardner.

- Prazer, sou Renata. Renata Rodrigues Ribeiro Rocha.

- Wellcome, Renata.

Conversam descompromissadamente, conversa de meninas. Patrícia percebe que a brasileira é muito expansiva, que puxa conversa com uma facilidade gigantesca e não tem pudores de falar de sua vida. Renata leva a americana perplexa para os pais conhecerem. Surpresos, eles pedem desculpas e saúdam a nativa, que é cumprimentada com abraços... Ela nunca fora abraçada por estranhos, fica sem jeito para retribuir! Em meia hora sabe mais dos brasileiros do que Robert (...) Ela faz as vezes de diplomata, avisando a cada parte as sensibilidades da outra, e intermedia a conversa dos adultos. Os goianos fazem questão de preparar um café quentinho, coado na hora, o que é bem-vindo, o clima da região é muito mais frio do que o planalto central brasileiro. O café quente quebra o gelo. Uma hora depois, sai o pão-de-queijo quentinho do forno. Sunshadow adopta a receita, embora não consiga reproduzir todos os efeitos que o quitute oferece, em mãos hábeis.

&

Logo a família “Three-R”, como fica conhecida, é formalmente apresentada à cidade por Nancy e Richard. A primeira gafe vem quando alguém grita “olé”, lá do fundo. Os anfitriões ficam mais vermelhos do que o batom de Eduarda...

- Peter, não me faça passar uma vergonha dessas...

Os brasileiros caem na risada, fazem piada e mostram um pouco do que sabem de samba, afinal não são cariocas. As apresentações continuam e também os esclarecimentos. Cidade muito pequena tem suas virtudes, é fácil reunir todo mundo e deixar tudo em pratos limpos. Renato e Eduarda escolheram-na a dedo. É perto de todos os recursos de uma cidade grande (...) a fama injusta da cidade faz os imóveis valerem quase nada, não gastaram metade do que pretendiam, comprando a casa ampla e arejada em que passaram a morar. Alguém pergunta a religião e a mulher responde “espíritas kardecistas”. Novamente têm que desfazer brumas, pois confundem com “santeria”, que em si é uma confusão de quem não sabe do que está falando. Patrícia ficou mais atenta, lembrou-se do que disse sua avó, sobre alguém lhe explicar no tempo devido, se ela não pudesse fazê-lo. Fica quieta e atenta, até as apresentações findarem e todo mundo passar para um buffet, que tem colaboração dos brasileiros, com quitandas goianas. Chama sua turma e Renata para um lugar reservado na praça, o trem morto...

- Que surpresa! Nunca pensei que fosse saber de uma kardecista nos Estados Unidos!

- O que você pode me falar a respeito?

- Que eu tenho inveja de você, inveja boa. Uma alma assim, não reencarna para qualquer um. É um pouco polêmico falar disso com quem não tem conhecimento prévio, mas posso te emprestar o Livro dos Espíritos e algumas revistas espíritas que trouxe do Brasil... Só que estão em português.

- Se o português é tão complicado como vocês falam - interrompe Ronald - então você teria que ler para ela.

- Com todo prazer.

- Eu aceito a ajuda, mas quero aprender. Aliás, nós cinco vamos aprender português. Um idioma novo é uma alma nova, dizia minha avó.

Renata fica surpresa com a capacidade de comando e com a prontidão com que Patrícia é atendida. Tão surpresa quanto com a rapidez com que entra na dança, e se torna o sexto membro da turma do trem morto. E é nele que todos aprenderão, como fica combinado. Todos os dias, quando encontra tempo livre, pelo menos um deles é visto na locomotiva, freqüentemente os seis. Não que seja raro os garotos se valerem dele, é um dos brinquedos preferidos da escassa juventude sunshadower, mas suas seis carinhas são as predominantes naquele canteiro central.

1 comentários:

O Peito Pensante disse...

Fala Brasil, e o que vem à cabeça é Rio, samba, carnaval e sexo fácil e barato. NÃO podemos culpar apenas a ignorância do estrangeiro...