Houve época em que a imigração era relativamente simples. Nesta décima estação mais um pilar de nossa trama embarca e já vamos partir.
Vizinhos novos. (...) fazia mais de cem anos que nenhuma família de fora se
mudava para lá, a proliferação se dava entre os habitantes mesmo. Robert
estaciona o caminhão bem em frente à casa, comprada por uma pechincha, abre o
baú e deixa os chapas trabalharem, enquanto a família desce do Nash Ambassador
1951 com pintura prata e preta. Ele vai à casa dos amigos, avisá-los dos
detalhes da novidade...
- Brazilians???
- Sim, brasileiros! Vieram na semana passada
e hoje cedo conseguiram os móveis para a mudança. Eles falam uma língua muito
estranha entre si, quase parecendo um pouco com o espanhol, que eu falo um
pouco, mas é bem mais complicada e cheia de sotaques.
- Suponho que eles falem um pouco do nosso
inglês, não?
- Sim, Nancy, eles e a filha até que falam muito
bem, com o seu sotaque carregado. Eu – o caminhoneiro fica encabulado, mas desta
vez tem que pedir ajuda... Eu sou um
homem ignorante, vocês sabem, quase tudo o que aprendi foi com a vida, então
gostaria de saber se vocês podem me informar algo sobre o Brasil, porque eu
acho que cometi muitas gafes e mesmo assim eles relevaram, até deram risadas...
Nancy faz que vai à biblioteca, mas Patrícia
já chega antes com um atlas e uma enciclopédia. Não sabem que raios fez uma
família viajar milhares de milhas até a “famosa” Vai-Quem-Quer, quando têm
Detroit a menos de três horas de carro. E o que brasileiros vieram fazer
naquele fim de mundo, com Nova Iorque tão chamativa e atraente? É o que
Patrícia vai descobrir, enquanto os adultos conversam. Ela vê uma menina com
pele mais corada do que seus concidadãos têm, o que não é difícil naquela
latitude, cabelos espaçadamente enrolados, bonita e curiosa, que acena assim
que a vê...
- Hi! How are you?
- Oi. Vou bem, obrigada. Eu sou Patrícia
Petty Gardner.
- Prazer, sou Renata. Renata Rodrigues
Ribeiro Rocha.
- Wellcome, Renata.
Conversam descompromissadamente, conversa de
meninas. Patrícia percebe que a brasileira é muito expansiva, que puxa conversa
com uma facilidade gigantesca e não tem pudores de falar de sua vida. Renata
leva a americana perplexa para os pais conhecerem. Surpresos, eles pedem
desculpas e saúdam a nativa, que é cumprimentada com abraços... Ela nunca fora
abraçada por estranhos, fica sem jeito para retribuir! Em meia hora sabe mais
dos brasileiros do que Robert (...) Ela faz as vezes de
diplomata, avisando a cada parte as sensibilidades da outra, e intermedia a
conversa dos adultos. Os goianos fazem questão de preparar um café quentinho,
coado na hora, o que é bem-vindo, o clima da região é muito mais frio do que o
planalto central brasileiro. O café quente quebra o gelo. Uma hora depois, sai
o pão-de-queijo quentinho do forno. Sunshadow adopta a receita, embora não
consiga reproduzir todos os efeitos que o quitute oferece, em mãos hábeis.
&
Logo a família “Three-R”, como fica
conhecida, é formalmente apresentada à cidade por Nancy e Richard. A primeira
gafe vem quando alguém grita “olé”, lá do fundo. Os anfitriões ficam mais vermelhos
do que o batom de Eduarda...
- Peter, não me faça passar uma vergonha
dessas...
Os brasileiros caem na risada, fazem piada e
mostram um pouco do que sabem de samba, afinal não são cariocas. As
apresentações continuam e também os esclarecimentos. Cidade muito pequena tem
suas virtudes, é fácil reunir todo mundo e deixar tudo em pratos limpos. Renato
e Eduarda escolheram-na a dedo. É perto de todos os recursos de uma cidade
grande (...) a fama injusta da cidade faz os imóveis valerem quase nada, não
gastaram metade do que pretendiam, comprando a casa ampla e arejada em que
passaram a morar. Alguém pergunta a religião e a mulher responde “espíritas
kardecistas”. Novamente têm que desfazer brumas, pois confundem com “santeria”,
que em si é uma confusão de quem não sabe do que está falando. Patrícia ficou
mais atenta, lembrou-se do que disse sua avó, sobre alguém lhe explicar no
tempo devido, se ela não pudesse fazê-lo. Fica quieta e atenta, até as apresentações
findarem e todo mundo passar para um buffet, que tem colaboração dos
brasileiros, com quitandas goianas. Chama sua turma e Renata para um lugar
reservado na praça, o trem morto...
- Que surpresa! Nunca pensei que fosse saber
de uma kardecista nos Estados Unidos!
- O que você pode me falar a respeito?
- Que eu tenho inveja de você, inveja boa.
Uma alma assim, não reencarna para qualquer um. É um pouco polêmico falar disso
com quem não tem conhecimento prévio, mas posso te emprestar o Livro dos
Espíritos e algumas revistas espíritas que trouxe do Brasil... Só que estão em
português.
- Se o português é tão complicado como vocês
falam - interrompe Ronald - então você teria que ler para ela.
- Com todo prazer.
- Eu aceito a ajuda, mas quero aprender.
Aliás, nós cinco vamos aprender português. Um idioma novo é uma alma nova,
dizia minha avó.
Renata fica surpresa
com a capacidade de comando e com a prontidão com que Patrícia é atendida. Tão
surpresa quanto com a rapidez com que entra na dança, e se torna o sexto membro
da turma do trem morto. E é nele que todos aprenderão, como fica combinado.
Todos os dias, quando encontra tempo livre, pelo menos um deles é visto na
locomotiva, freqüentemente os seis. Não que seja raro os garotos se valerem
dele, é um dos brinquedos preferidos da escassa juventude sunshadower, mas suas
seis carinhas são as predominantes naquele canteiro central.
1 comentários:
Fala Brasil, e o que vem à cabeça é Rio, samba, carnaval e sexo fácil e barato. NÃO podemos culpar apenas a ignorância do estrangeiro...
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